VINTE E UM

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"Quando você sentir o meu calor Olhe nos meu olhos
É onde meus demônios se escondem"

Demons - Imagine Dragons

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Aconteceu mesmo. Por mais que quisesse fazer de conta que não ouvi, que não escutei, era impossível fingir demência naquele momento.

A pergunta ecoou pela casa, deixando-me praticamente surda pelo volume de quem a pronunciou. Estava ainda em silêncio, sem saber o que dizer. Não queria falar sobre isso agora. Esperava a hora certa para falar sobre Johann à minha família. Mas parece que Tábata não consegue controlar a língua dentro da própria boca.

"Não vai dizer nada Gabriela?" Mamãe perguntou, olhando-me fixamente, assim como todos os demais à mesa. 

"O que é isso? A inquisição espanhola?" Verbalizei, inconformada em ter que me explicar a todos.

"Nossa quanto drama Gabs! Qual o problema em falar do ruivinho para eles?" Tábata hoje não colaborou comigo. Nem um pouco. Dizer o porquê minha irmã estava tão interessasa em divulgar meu relacionamento com Johann ainda era uma incógnita.

"Não tem nenhum problema em falar sobre isso... Eu só...não queria que soubessem desse jeito. Estava procurando o momento certo para contar..." Disse, recebendo mais olhares atentos.

"Mas me diga uma coisa filha: quem é esse rapaz? Estão namorando mesmo?" Meu pai pronunciou-se pela primeira vez naquela mesa.

Tinha receio disso. Seu tom sempre severo e autoritário estava misturado com uma singela curiosidade. Não me entendam mal. Meu pai não é nenhum ditador. Atrás de sua aparência durona, escondia-se um homem doce e muito generoso. Uma manteiga.

"O nome dele...é Johann. Eu o conheci no meu prédio. Ele é...irmão da minha vizinha. E não, não estamos namorando, ainda. Bem, pelo menos não falamos sobre isso com essas palavras. Mas estamos juntos, e muito felizes." Visivelmente tomada por uma vergonha repentina ao ter de expressar meus sentimentos mais íntimos pelo ruivo em frente à meus pais e Hugo, mantinha a postura calma. Mas por dentro meu sangue fervia descontrolado.

Por falar em meu amigo, o mesmo comia despreocupadamente o almoço, como se fizesse pouco caso do meu envolvimento com Johann. Sabia que era puro teatro. Estava controlando-se para não sair correndo pela porta. Seus olhos denunciavam uma raiva recém adquirida pelo ruivo. Só não sabia como faria para contornar essa situação.

"Johann então? O nome é bonito. Quando vamos conhecê-lo?" A animação de minha mãe era genuína. Sabia que a notícia de meu suposto namoro tinha a deixado imensamente feliz.

"Mamãe, não é só o nome dele que é bonito... Desculpa Gabs, mas ele é um gato!" Tábata não escondeu a admiração por Johann. Não poderia culpá-la. As verdades estavam aí para serem ditas.

Oficialmente meus pais agora deixaram de acreditar na ideia de que era lésbica. E também parariam de tentar me empurrar para cima de Hugo. Mataria dois coelhos com uma só tacada. Será que finalmente estava livre da pressão?

"Então, não haveria problemas para convidá-lo para um jantar na semana que vem, não é mesmo?" Papai perguntou, praticamente não me deixando alternativa entre o sim e o claro.

"Claro que não. Irei convidar Johann sim..." Meu nervosismo era visível. Mas torcia intimamente para que os demais não percebessem.

O resto do almoço foi mais tranquilo. Passamos quase a tarde inteira na casa de meus pais. Bem, eu e Tábata. Hugo, assim que terminou de almoçar, inventou uma desculpa e acabou indo embora. Fugiu. Tinha certeza que fugia, e que precisava conversar com ele sobre isso. Somente esperaria a poeira baixar para poder esclarecer tudo com meu amigo. Afinal de contas, ele estava magoado. Era evidente. Não queria magoá-lo ainda mais.

Tábata me acompanhou até meu apartamento, e decidimos olhar um filme. Minha irmã pegava o milho para a pipoca, enquanto procurava na televisão um canal com uma história interessante.

"E Martin? Como está? Você nem falou dele hoje..." Perguntei à Tábata, querendo mesmo saber sobre o irmão de Johann.

"Martin? Falei com ele mais cedo. Me disse que tinha uma reunião de família para ir. E que na próxima iria junto! Estou tão nervosa! E se não gostarem de mim?" Fazia tempo que não via minha irmã desse jeito. Sem saber o que fazer. Geralmente ela sempre sabia como sair de todas as situações. Por mais embaraçosas e complicadas que fossem.

"Vai dar tudo certo! Eles vão te adorar, assim como eu. Não fique pensando coisas bobas..." De repente, lembrei-me de algo que fez meu peito apertar. "Se Martin está em uma reunião de família, isso significa que Johann também está lá...e Simone..." Disse a última palavra com desgosto, o que não pude evitar.

"Ainda estou boquiaberta com essa história toda! Então a loira azeda é meia irmã do ruivo? Que babado!" Tábata aninhava-se ao meu lado no sofá, com o balde de pipocas no colo.

"Sim...eu mesma não consegui digerir todas essas informações ainda...Simone é irmã do Johann, mas o ama como mulher. Isso não é loucura?" Por mais que não fossem irmãos de sangue, o ruivo me garantiu que jamais ficaria com ela.

"Loucura total! Mas pense. Nem é tão absurdo assim. Ninguém manda no coração, não é mesmo? Talvez ela não teve culpa de se apaixonar justo pelo cenourinha! Você mesma não conseguiu evitar também!" Será mesmo que meus julgamentos sobre Simone eram tão infundados assim?

"Pensando por esse lado...você pode ter razão...E não chame Johann de cenourinha! Tadinho do meu ruivinho..." Sempre dizem que quando estamos apaixonados ficamos bestas. Estava começando a concordar com essa frase.

"Meu ruivinho... Está apaixonada mesmo pelo Johann não é?" Minha irmã às vezes sabia como me deixar sem graça.

"Sim...e muito..." Era o suficiente para fazê-la entender.

"Vamos escolher um filme de romance então, já que estamos no amor..." Sorri para Tábata, enquanto a mesma tomava o controle de minhas mãos.

De repente, meu celular apitou. Duas. Três. Quatro vezes. Eram quatro e vinte da tarde, e meu coração falhou uma batida. Somente uma pessoa era capaz de prococar esse tipo de reação em mim.

Boa tarde Gabriela
O que está fazendo agora?
Sei que nos vimos de manhã, mas já estou com saudades.

Apertei meu celular contra o peito, fechando os olhos em uma felicidade inexplicável. Como Johann conseguia fazer isso, não tenho a menor ideia. Mas ele fazia. Respondi prontamente, minhas mãos tremendo em antecipação.

Oi Johann
Estou vendo um filme
Também sinto sua falta...

Esperava que visualizasse, tentando não piscar. Escutei o riso abafado de Tábata, mas não desviei o olhar do telefone. O ruivo visualizou, e começou a digitar. Tremia mais do que se estivesse no Polo Norte. Enfim veio a resposta.

Que bom que ambos nos sentimos da mesma maneira.
Estava pensando se por acaso não se importaria se fosse até aí olhar o filme com você?
Adoro filmes

E agora? Johann quer vir aqui,  mas Tábata está. Será que não seria muito estranho minha irmã ficar conosco? Mas é claro que seria estranho. Óbvio que é.

Não estava mais prestando atenção à televisão, mas Tábata parecia hipnotizada pelos belos olhos azuis do Paul Walker.

Tinha um dilema a resolver. Estava com dois corações. Permanecer olhando Velozes e Furiosos com minha irmã, passando um tempo de qualidade com ela, ou pedir educadamente que fosse para casa, dando uma permissão mais do que urgente para Johann vir o mais depressa que puder para cá, e enfim poder estar em seus braços e ter o meu próprio final feliz.

Johann estava esperando uma resposta. Eu precisava de uma solução.



A garota dos fones de ouvidoDonde viven las historias. Descúbrelo ahora