TRÊS

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Foquei no trabalho e na faculdade nestes dois últimos dias. A prova não foi nada fácil. Por mais que entendesse a matéria, e lesse todos os slides que o professor passou, minha cabeça estava a ponto de dar um nó.

Não vi mais Johann. Não sei se me sinto aliviada com isso ou decepcionada. Mas o que estou dizendo? Ele é algo de Simone. Com certeza é. Só ainda não sei o termo correto. Crush? Cacho? Ficante? Ou namorado?

Me punia mentalmente por ficar pensando nele. Culpava-me constantemente por sequer imaginar o ruivo em minha frente, sorrindo sacana. Era difícil demais admitir esse tipo de coisa. Ainda mais para mim mesma.

Na sexta-feira à noite, por uma obra do destino, encontrei Simone no elevador. Pelo visto estava vindo da academia. Sua roupa apertada denunciava que tinha feito qualquer coisa, menos malhar. A garota não tinha um pingo de suor no rosto perfeitamente maquiado. O batom vermelho estava intacto.

Mordi os dentes exausta pela rotina, enquanto segurava os livros em meu peito. Contava até dez, com cuidado para não parecer neurótica. Simone apenas me analisava de canto de olho, como se não acreditasse no que via. Ela sempre bem arrumada, e eu, muito básica. Simone se arrumava até para comprar pão na esquina. Enquanto eu poderia ir tranquilamente na faculdade de tenis e jeans.

Nossas diferenças eram gritantes. Não que eu não fosse vaidosa, mas não era tanto quanto Simone. A barbiezinha continuava me encarando com cara de nojo e repulsa, mas preferi ignorar como sempre fazia. Sua opinião nunca foi relevante para mim. Não seria hoje que esse fato mudaria.

Para não dizer que nunca conversávamos, trocávamos um bom dia ou uma boa noite, por mera educação claro. Aumentei o volume da música em meus fones de ouvido no momento seguinte ao fechar de portas do elevador. Seguimos em silêncio os nove andares.

Assim que as portas se abriram, deixei que ela saísse primeiro. Foi mais para me livrar logo dela do que qualquer outra coisa. Nem bem entrei em meu apartamento, meu celular tocou, indicando uma nova mensagem. Era Tábata.

"Oi maninha! Tudo certo para amanhã? Podemos sair à tarde e escolher um vestido para você! Sei que os que tem no armário não estão adequados ao local onde vamos. Te pego às duas?"

Que pessoa impertinente. Mas eu a amo mesmo assim. Louca. Somente minha irmã conseguia me tirar dos eixos dessa maneira.  Respondi um singelo ok à ela, confirmando nossa saída. Tábata era tão teimosa... Sabia que só pararia de me importunar quando cedesse. Por isso quis evitar discussões desnecessárias e logo confirmei o inevitável.

Me digiri em direção ao quarto, tirando a roupa e entrando no chuveiro em busca de alívio. Me sentia muito cansada mentalmente. A água quente descia por meu corpo, desfazendo toda a tensão em que me encontrava. Foi relaxante, e eu precisava disso. Sonhei com este momento desde a hora que saí da faculdade.

Assim que me sequei e vesti roupas confortáveis, ou seja, um shorts curto e um top, resolvi saciar a minha enorme fome. Abri a geladeira e não encontrei nada que me prendesse o olhar. Segui para o armário, encontrando uma caixa de sucrilhos. Boa pedida. Enchi uma xícara com o conteúdo, logo em seguida pegando o leite. Mas antes que pudesse despejar o leite na xícara, escutei o som da campainha. Mas será possível? Só podia ser Tábata.

"Isso são horas mocinha?" Disse rapidamente ao abrir a porta, não percebendo que aquela pessoa estava longe de ser a minha querida irmã.

"É a primeira vez que me chamam dessa maneira..."  Aquela voz. Inconfundível. Capaz de fazer você amolecer as pernas em dois segundos.

"Johann?" Sussurrei mais confusa do que o habitual. Que raios ele estava fazendo aqui?

"Boa noite para você também Gabriela!" Johann continuava sorrindo, e a única coisa em que conseguia pensar era no por que usava uma calça tão apertada, a ponto de evidenciar coisas que não preciso nem comentar?

"Por que...você..." Estava sibilando. Mais um pouco e oficialmente seria considerada gaga.

"Deve estar se perguntando o por que de ter apertado a sua campainha, não é?" Respondeu, não tirando os olhos dos meus. Uma lenta tortura.

"Exatamente. Isso." Afirmei, criando coragem para finalmente encarar o ruivo. Por que era tão alto? Por que era tão bonito? Deus, estava enlouquecendo.

"Gostaria de saber se por acaso tens um pouco de açúcar para emprestar. É que Simone está fazendo cookies, e esqueceu-se que não tinha açúcar..." A forma como sua boca se movia ao dizer as palavras...era muito sexy. Ele todo era totalmente sexy.

"Açúcar? Vou ver se tenho." Saí daquela hipnoze, indo em direção à cozinha, procurando na dispensa pelo ingrediente.

Estava tão compenetrada em encontrar o açúcar, que não percebi quando Johann entrou. Muito menos quando parou atrás de mim. Ao localizar o que o ruivo havia me pedido, virei-me abruptamente, dando de cara com ele, parado bem a minha frente.

Congelei no mesmo lugar. Perdi a capacidade de falar. Apenas alcancei o açúcar à Johann, totalmente afetada pela sua presença.

"Obrigado! Nem sei como te recompensar..." Seu olhar era desconcertante, diretamente sobre meus peitos, e descendo até minhas coxas. Mas o pior foi aquela mordida nos lábios que deu no final.

"Não precisa. Não é nada demais. É só açúcar. Qualquer hora você me devolve..." E lá estava eu, tagarelando novamente, por puro nervosismo ao estar tão perto de um cara gostoso.

"Bem, eu vou indo então... Obrigado mais uma vez Gabriela..." Johann sorriu, e aquele sorriso iluminou toda a minha noite fracassada, andando lentamente em direção à porta, desaparecendo logo depois.

Ele não pode. Johann não tem esse direito. Quem pensa que é para vir aqui em meu apartamento e tentar me seduzir dessa maneira? Quem ele pensa que eu sou?

Eu sei. Fui muito melodramática. Johann não tentou me seduzir. Ele estava apenas sendo gentil. O que posso fazer se a cada vez que o vejo, a situação só piora?

Voltei minha atenção ao que estava fazendo antes dessa interrupção. Coloquei o leite no sucrilhos e sentei-me no sofá, procurando algum filme que pudesse me tirar daquele transe. Parei no canal onde um casal caminhava em um parque de mãos dadas. Logo a minha mente viajou bem longe...

Éramos Johann e eu naquele parque, caminhando de mãos dadas. Mas qual o tamanho da sua mão? Como seria sentir sua mão na minha? Podia ver claramente seu rosto me analisando, sorrindo amplamente enquanto andávamos. Por um momento Johann parou bruscamente, fazendo com que eu parasse também. Envolveu seus braços em volta de minha cintura e me puxou para si, não deixando espaço entre nós. Senti seu coração batendo rápido, e apenas o encarava sem saber o que dizer. Em poucos minutos estávamos tão perto um do outro, então fechei os olhos e esperei por aquilo que queria a muito tempo. O ruivo encontrou seus lábios nos meus, me beijando com ternura. Poderia desfalecer agora em seus braços que morreria feliz. Respondi ao beijo, permitindo que sua língua invadisse a minha boca, sentido o gosto de seus lábios. E que gosto... Viciante como uma droga. Eu não queria parar. Mas quando acordei, deitada no sofá, percebi que tudo não passou de apenas um sonho. E foi isso que mais me frustrou.

Não havia como voltar atrás agora. Após os últimos acontecimentos, tive que admitir, pelo menos para mim mesma, que estava completamente apaixonada por Johann. Mais uma paixão platonica para a minha lista de paixões que nunca vou admitir em voz alta e muito menos ter para mim.

Meu peito apertou-se quando lembrei que o ruivo já tinha dona, e que essa pessoa, não era eu.

A garota dos fones de ouvidoWhere stories live. Discover now