JÚPITER

12.7K 786 94
                                    



Meu dia havia sido um grande pedaço de lixo.

Ser diretora de uma empresa de arquitetura deveria ser mil maravilhas. Pelo menos era o que eu pensava conforme ascendia na carreira que escolhi como profissão. E talvez realmente fosse. Ser diretora de uma empresa de arquitetura deveria ser incrível em qualquer lugar menos na Cavandes, a empresa onde eu trabalhava há três anos e que me fazia beber feito uma mula agora para esquecer os tormentos dos meus funcionários insubordinados e minhas mãos atadas perante a chefia retrógrada que impedia seus funcionários de aplicarem qualquer medida remotamente moderna aos projetos na empresa.

A Cavandes, três anos antes, era uma gigante. Mas nos últimos dois anos, a administração caiu pelo ralo e a presidência não parecia notar as dívidas crescentes e a diminuição absurda de clientes e projetos. Por isso, eu estava à beira de um surto. Eu era boa no que eu fazia. Porra, eu tinha dado muito suor para chegar aonde eu estava e agora tudo estava desmoronando e eu não duvidava que fossemos todos mandados embora por falência.

Bufei alto sob a música ensurdecedora da balada em que estávamos e Luísa, minha melhor amiga, num gesto de compaixão me entregou seu copo com vodca e coca cola, que virei de uma só vez. Ela também era arquiteta e trabalhava em uma de nossas concorrentes. Não podia nem me ressentir, eu também não iria querer estar na Cavandes, o barco afundando. "Jú, você sabe que consigo uma vaga pra você em dois segundos" ela dizia, e eu sabia que estava sendo verdadeira. Eu só não queria desistir de todo o esforço que coloquei naquele lugar.

Espantando os pensamentos para longe, volto a me movimentar ao som da música sensual, rindo dos nossos movimentos soltos e desengonçados. Dançamos três músicas e Luísa protesta cansaço, dizendo que voltaria para nossa cabine, enquanto eu pegava mais bebidas e eu concordo com a cabeça me virando na direção oposta, tentando achar meu caminho para o bar em meio as luzes ofuscantes.

No entanto, dou apenas dois passos antes de esbarrar com uma muralha de músculos que me observa de cima com superioridade. Meu reflexo é sorrir e me desculpar, mas não gosto de sua atitude agressiva então tudo que faço é fuzilar seus olhos com os meus e jogar os ombros para trás. Percebo que foi uma ideia terrível, porque assim que o encaro, sua beleza avassaladora me faz engasgar.

É quase descarada. Dominadora. Essa é a palavra. Eu me sinto dominada e tudo que ele está fazendo é olhar para mim. Sua pele é morena clara, e seu cabelo tão preto que mal consigo discerni-lo da parede negra ao fundo. Ele chega à nuca em puro movimento, o maxilar é bem definido e a barba está feita a perfeição, os lábios sensuais estão em uma linha reta, séria. E mantenho meus olhos ali por mais tempo do que deveria, porque um sorriso preguiçoso se estende lentamente em sua boca e perco minha respiração. É a coisa mais linda que já vi na vida.

Levo meus olhos de volta aos seus, suas írises negras me sugando para dentro. Ele está vestido com uma camisa social preta e calça jeans justa. Seu corpo é perfeito pra caralho e um pensamento sujo sussurra na minha cabeça, perguntando se ele é tão lindo assim em outros lugares. Meu corpo fica tenso e fico furiosa comigo mesma por sentir tesão por um desconhecido mal-educado. Volto a mim mesma quando percebo que o estranho ainda está parado a minha frente me encarando e me lembro que Luísa ainda está a minha espera com nossas bebidas. Bufo, subitamente irritada.

— Da próxima vez, tome mais cuidado ao parar bruscamente no caminho de alguém. — Solto, arisca. Ignorando a voz maligna na minha cabeça, que implora para que eu sorria e flerte com o estranho a minha frente.

— Da próxima vez, pratique um pouco mais sua expressão de falso nojo no espelho antes de foder alguém com os olhos e dizer que não gostou. — Ele rebate, com a voz grave, que eriça meus pelos dos pés à cabeça. Sinto o sangue correr para meu rosto pela raiva e constrangimento e tudo que eu faço é soltar um "vai se foder" e o empurrar para fora do meu caminho com meu corpo. Quando chego ao bar, não tenho coragem de olhar para nenhuma outra direção que não seja o bartender enquanto peço minhas bebidas e quando finalmente volto ao encontro de Luísa, não há mais nenhum sinal do moreno.

— Por que você demorou tanto? — ela pergunta, sob a meia luz da nossa cabine que custou todo o nosso dinheiro reservado para baladas do mês.

— Um babaca entrou no meu caminho. — Eu respondo, ainda furiosa.

— Eca. — Ela rebate, tomando um gole longo de seu gim e tônica. — Ele era gato? — pergunta em seguida, rindo, e sou obrigada a soltar uma risada. Luísa era a pessoa mais espontânea que eu conhecia. Nós nos conhecemos no primeiro ano da faculdade de arquitetura e não nos largamos mais. Agora rachávamos um apartamento e éramos melhores amigas. Ninguém diria que a mulher delicada de olhos castanhos doces poderia falar mais palavrões que um marinheiro.

— Não é da sua conta, Luísa. Você tem namorado, sua chata! — eu brinco, dando língua.

— Eu sei, eu sei. — Ela fala com pesar fingido.

Voltamos a conversar sobre amenidades e dançamos todas as músicas possíveis, até os seguranças nos pedirem para ir, pois eles precisavam fechar a casa. Voltamos para casa, descalças e descabeladas. Não houve tempo para nada além de um bom banho e cair pelada mesmo na cama. Fecho meus olhos e o sorriso sacana do moreno embalam meus sonhos. Acordo no meio da noite, molhada e com raiva do meu subconsciente por toda aquela situação. Não havia mais nada a ser feito. Às chances de vê-lo novamente naquela cidade era de uma em um bilhão. Bufando, me forço a voltar a dormir para curar a ressaca e minha doença recém-adquirida: tesão por desconhecidos de um metro e noventa.

O UNIVERSO ENTRE NÓS  - COMPLETOWhere stories live. Discover now