JÚPITER

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Eu vou desmaiar.

Eu digo para mim mesma, secando as palmas das minhas mãos nas coxas. Hoje eu havia decidido ir um pouco mais profissional, com uma calça social e blusa com um decote sutil, que deixava meu colo bonito. Dois segundos depois, a porta se abre e uma mulher elegante aparece na porta. Ela olha sua prancheta para checar meu nome e seu cenho se franze em estranhamento. Era sempre assim. Resolvo levantar e poupar a nós duas daquela situação.

- Júpiter Witkowski. – Eu digo, tentando soar bem-humorada. – Sim, igual ao planeta. Mãe astrônoma, pai polonês – completo, dando de ombros. A mulher parece aliviada, já que sorri (com dentes e tudo!) para mim.

- É por aqui, senhora... – Ela começa, olhando para o papel mais uma vez.

- Júpiter está ótimo. – Eu digo, me aproximando. Ela concorda com a cabeça e sorri mais uma vez, me dando passagem pela porta de vidro. Tenho vontade de olhar para meus pés presos a saltos scarpin, mas não quero titubear então entro de queixo erguido.

Um homem loiro é a primeira coisa que vejo. Ele está encostado próximo a janela de vidro que dá vista para a cidade e lê um papel. Ele é deslumbrante. Os cabelos são mais curtos que os de Dominic, mas ainda possuem algum comprimento em diferentes tons de mel. Sei que é natural pois suas sobrancelhas também são claras. Ele ergue os olhos assim que meus passos ecoam na sala e abre um sorriso simpático. Devolvo meu melhor sorriso para quem deveria ser o tal de Gael, mencionado por Dominic e seu discurso no dia anterior.

Uma garganta pigarreia atrás de mim e me viro suavemente em direção ao ruído. Me arrependo no mesmo instante, pois no segundo em que meus olhos se prendem aos dele é como se todo o ar do ambiente estivesse acabado.

Dominic está sentado em sua mesa em todo o seu esplendor. As mãos estão à sua frente e giram uma caneta com habilidade. Seu cabelo está empurrado para trás, mas mechas teimosas ainda emolduram seu rosto. Os olhos negros parecem ver através de cada tecido fino que cobre meu corpo e observam cada mínimo movimento que faço. O sangue corre para meu rosto sem que eu possa impedir. Não sei o que fazer com as mãos, então apenas as junto na frente do corpo. Isso parece despertá-lo de sua inspeção, já que seu rosto inteiro relaxa e ele volta a mexer nos papéis a sua frente e parece procurar algo.

- Você é a... – Ele pergunta, sem focar seus olhos nos meus. Antes que eu possa falar qualquer coisa, Gael o interrompe.

- Jesus Cristo, você não vai nem dar bom dia a moça? – indaga, bem-humorado, andando em minha direção. Eu sorrio instantaneamente. Já gosto dele.

– Olá. - Ele recomeça, estendendo a mão para mim. – Eu sou Gael Riviera, vice-presidente, e esse é o meu querido primo mal-educado, Dominic Riviera. – Ele diz e eu rio de leve. Dominic pelo contrário, apenas fuzila o primo. Paro de rir no mesmo instante, me lembrando que isso é uma entrevista de emprego, não um encontro de amigos. Eu sou confiante sobre meu trabalho impecável naquela empresa então respiro fundo e deixo meu lado de mulher fatal vir à tona.

- Qual é o seu nome? – Dominic pergunta, com a voz aveludada enviando pulsos elétricos para meu corpo.

- Júpiter. – Eu respondo, com a voz firme. – Júpiter Witkowski. – Completo. O cenho de Dominic se franze, mas é Gael quem ri e faz o comentário clássico.

- Que nome peculiar você tem. – Ele brinca e eu sorrio.

- Mãe astrônoma, pai polonês. – Explico.

- Não consigo nem pensar em uma criança de cinco anos aprendendo a escrever tantas consoantes. – Gael falou, bem-humorado. Meu deus, eu estava adorando esse cara.

- Ah, tente uma criança de cinco anos aprendendo a escrever esse nome usando o alfabeto alemão. – Eu brinco, com uma careta.

- Alemão? – Dominic pergunta, e levo meus olhos até os seus. O que é um erro porque meu coração perde uma batida.

- Sim, foi onde fui alfabetizada. – Explico, ignorando a tensão maciça presente entre nós. – O trabalho da minha mãe sempre fez com que a gente se mudasse muito.

- Por onde você já passou? – Gael pergunta, seus olhos claros brilhando para os meus.

- Bem, nasci no Brasil, fomos para Polônia e ficamos lá até os meus nove meses. – Eu digo, tentando organizar a ordem cronológica dos fatos em minha cabeça. - Depois Alemanha, ficamos lá até meus dez anos.

- De lá, passamos um curto período na Noruega, até meus 12 anos. Então fomos para Itália – comentei, sorrindo de orelha a orelha. Minha Florença era meu lar. – Minha mãe estava cansada de climas frios. Ficamos na Itália até os meus 18 anos. Aí meu pai ficou doente – eu digo, tentando soar natural, e obrigando minha voz a não falhar. – E nós voltamos para o Brasil.

- Uau! – Disse Gael – Isso é o que eu chamo de pessoa viajada. –Ele brinca, fazendo questão de não perguntar sobre meu pai e fiquei feliz por isso. Eu não estava relaxada, conseguia sentir o olhar de Dominic sobre mim, me esquadrinhando, me revirando ao avesso. Mas estava indo melhor do que esperava.

- Há quanto tempo você trabalha da Cavandes? – Dominic perguntou, em seu tom impessoal. E então a entrevista começou de verdade. Eles me perguntam por que eu havia escolhido aquela empresa, onde pretendia chegar, minha área preferida, e todas as perguntas de praxe. Conversamos também sobre meu trabalho como diretora, meus avanços e contribuições pela empresa e Dominic e Gael pareciam genuinamente impressionados com minha luta. Debatemos mais alguns tópicos como a decaída da Cavandes e meu papel para a solução daquilo tudo, e lhes expliquei meu plano montado há dois anos, que se seguido como eu explicava, salvaria a empresa e a colocaria numa posição igualmente importante a das maiores do mundo. Acabei corando um pouco com a última parte, já que nós três sabíamos quem era a maior do mundo. Gael sorriu e Dominic parecia profundamente perturbado enquanto me olhava, o que fez minhas orelhas queimarem.

Eu tinha certeza de que a entrevista tinha terminado, porque eu e Gael nos levantamos, até que Dominic, pela primeira vez, olhou fundo dentro dos meus olhos, sua voz fazendo uma carícia sugestiva em meus ouvidos.

- Seu pior defeito? – Ele pergunta, parecendo realmente interessado na resposta. Precisei de três segundos para pensar. Mas a resposta era óbvia.

- Minha ousadia. – Respondi, com um leve sorriso.

- Sua maior qualidade? – Ele rebateu. Os olhos felinos cravados em mim. O calor se espalhando até meu núcleo. Não hesitei em minha resposta dessa vez. Entreguei-lhe um sorriso completo.

- Minha ousadia. – Repeti, ainda sorrindo.

Gael disse que era só isso e agradeceu profusamente minha cooperação com a nova administração, dizendo que queria ouvir ainda mais sobre meu plano, mas eu mal podia escutar suas palavras. Meus olhos estavam focados em outra coisa e conforme fui andando para fora da sala, repassei aquele milésimo de segundo em minha cabeça dez vezes para ter certeza de que não o tinha inventado: eu podia jurar que a boca de Dominic tremulou em um sorriso proibido, assim que ele ouviu minha resposta. 

O UNIVERSO ENTRE NÓS  - COMPLETOWhere stories live. Discover now