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Josh


- Mike? Meu melhor amigo desde que me entendo por gente. Aos cinco anos de idade, nós vivíamos acampando no jardim da casa dele, nos achando verdadeiros homens por ficar acordados até tão tarde e sozinhos no escuro... Aos onze anos, a diretoria do colégio era nossa segunda casa! Quando não íamos parar lá por brigar, era por termos sido pegos pela inspetora no meio do nosso "negócio", que nada mais era que ensinar as meninas a beijarem de língua e cobrar uma libra de cada!
Com treze anos tivemos uma das experiências mais marcantes de nossas vidas: fomos suspensos por duas semanas quando descobriram que éramos os "maníacos do vestiário feminino".
Quando chegamos aos quinze, já éramos conhecidos por todas as garotas do colégio como "os galinhas do primeiro ano". Eu sempre consegui garotas depois de tempo de conversa, apostando que elas gostassem de moleques insolentes que usavam roupas dois números maiores que ele mesmo. Mas o Mike? As meninas suspiravam só com um sorriso dele! Era enjoativo ouvi-las comentando como "o Michael Hutcherston era o garoto mais fofo do colégio" ou "Mike era o número um na lista de nove entre dez garotas". E como ele se aproveitava da fama de romântico incurável Eu era pegador mesmo, não fazia questão nenhuma de esconder o fato de ter ficado com oito garotas em uma festa que só fiquei por duas horas! Mas o que ninguém sabia era que o Mike era pior que eu, só que ele disfarçava muito bem para manter a fama de Dom Juan.
Mas tudo isso mudou quando a afilhada da minha mãe se mudou para o meu bairro. Mike não ia mais as festas se eu dissesse que Stella não iria. Se ela não entrasse na piscina da minha casa, ele torrava no sol ao lado dela, esperando uma oportunidade de impressioná-la.
Depois de quase um ano lutando pela atenção da Donnie, ele finalmente desistiu. E no ano seguinte, ele se transformou numa versão pior de mim! Ficava com mais de 15 garotas por festa, bebia até apagar, arrumava brigas á custo de nada... Foi nosso melhor ano!
Mas no meu aniversário de dezessete anos, Stella finalmente olhou para Mike com outros olhos... Quem diria que ela gostava de garotos problema!
E foi nesse momento que eu perdi meu melhor amigo. Ele continuava sendo meu irmão, mas Stella havia se tornado prioridade para ele. E foi assim até seu último minuto de vida.
Mike Hutcherston estará sempre comigo. Eu não seria o Josh que sou hoje se não fosse por ele. Mike sempre será meu irmão de coração. Espero que tenha encontrado um lugar bacana ai no céu, cara. Vou sentir sua falta...

Donnie

O discurso de Josh... Eu estava controlando as lágrimas razoavelmente bem até ele... Quando o senhor Hutcherston subiu no altar daquela catedral lotada de amigos e familiares do Michael, e falou como o filho dele era maravilhoso, que ele era um jovem normal, que errava como todo mundo, mas ainda sim era um exemplo de rapaz... A dor na voz daquele homem tão imponente me fez estremecer, mas nem isso me fez sucumbir ao choro que ameaçava me dominar desde a notícia... Não soltei a mão da senhora Hutcherston nem por um segundo, era por ela que eu tentava me manter inteira. Aquela mulher incrível, altiva e bondosa... Eu não conseguia nem imaginar a dor que ela devia estar sentindo... Perder o único filho... Eu tentava me focar no sofrimento dela, e não ser egoísta, não pensar naquele vazio que me consumia... O meu Michael...
Quando Josh subiu ao altar da igreja, eu fechei os olhos, numa tentativa ridícula de poupar meu coração, se é que me restava algum dentro do peito. Porque ver o Josh ali, tão diferente do seu usual: de roupa social, todo de preto, os cabelos bem penteados e muitíssimo sério. Acho que nunca tinha visto Joshua Ashmore completa e verdadeiramente sério, e olha que eu o conhecia a minha vida toda. E então ele começou a falar, contar coisas engraçadas sobre a infância deles... Mantive os olhos fechados, ouvindo aquela voz tão familiar lutando para não falhar. Quando ele falou meu nome, senti os olhares daquelas milhares de pessoas recaindo sobre mim, e a senhora Hutcherston apertar minha mão.
- Stella havia se tornado prioridade para ele. E foi assim até seu último minuto de vida – abri os olhos no momento exato que Josh pousou os dele em mim.
Minha garganta se fechou e meus olhos arderam... Abaixei a cabeça, incapaz de encarar qualquer pessoa naquele momento.
Aquela dor horrível voltou a dar sinais de vida no meu peito. Minha respiração foi se tornando mais curta e superficial. Meu coração parecia pequeno e fraco demais para bombear sangue para o resto do corpo, me dando a sensação de dormência nos pés e nas mãos. Mordi o lábio para evitar a primeira lágrima... Até que pela visão periférica vi alguém de tênis preto sentar ao meu lado e passar um dos braços por meus ombros.
- Calma, respira devagar... Vai ficar tudo bem, eu prometo – Josh sussurrou no meu ouvido. E então tudo ficou preto.

Josh

Parecia que ela estava esperando que eu me aproximasse para finalmente poder desabar.
Assim que sentei ao lado da Donnie, ela se soltou da mãe do Mike, escondeu o rosto no meio peito e chorou. O corpo dela sacudia de acordo com os soluços que escapavam por sua boca.
Ela se manteve grudada em mim até o fim da cerimônia e depois eu a segurei firme enquanto caminhávamos até o local certo do cemitério. Stella não disse uma palavra durante o resto do funeral, chorou em silêncio, ainda apoiada em mim.
Quando tudo terminou, algumas pessoas vieram prestar condolências á nós dois, mas tenho certeza de que Donnie não ouviu nada. Ela parecia estar em outro mundo.
Fiquei ao lado dela até que a tia Susan, mãe da Donnie, veio até nós, me abraçou e levou a filha para casa. Então fui procurar os pais do Mike, ver se eles precisavam de alguma coisa, qualquer coisa... Eu precisava me manter ocupado... Mas quando a noite caiu, eu me vi sozinho dentro do meu carro, no estacionamento deserto do cemitério, chorando feito um bebê. Deixei que as lágrimas saíssem de uma vez, exausto de tentar fingir que elas não existiam e que não estavam me matando aos poucos desde o segundo que soube que Mike estava morto.
Chorei até cair no sono...
... Acordei horas depois, todo dolorido, com a testa apoiada no volante e cercado pelo breu que tomava o carro. Meu celular praticamente berrava naquele silêncio macabro.
Peguei o aparelho e vi piscando na tela "Casa da Donnie".

Donnie

- Mãe, por favor! Vai embora! – choraminguei pelo que parecia a milionésima vez. Desde que voltamos do funeral, eu havia me trancado no quarto, vestido uma camiseta do Michael em um dos meus travesseiros e o abracei, na verdade agarrei, e fiquei ali jogada, chorando até anoitecer... Dai minha mãe começou a me chamar, bater na porta e até ligar no meu celular, mas eu não queria falar com ninguém. Eu só queria morrer. Eu queria o Michael! – Mamãe, eu já disse que...
- Sou eu. O Josh. – a voz dele veio baixinha do outro lado da porta. – Me deixa entrar.
Não movi um único músculo para fazer o que ele pedia, continuei encolhida na cama, com o nariz enterrado na camiseta que ainda tinha o cheiro do meu Michael.
- Donnie, vamos lá, abre a porta – ouvi duas batidinhas e mesmo assim não respondi – Anda, só destranca a porta, ok?
- Eu não quero ver ninguém – minha voz saiu completamente seca. Meus olhos estavam pesados e pareciam cheios de areia. Não ouvi barulho algum por alguns minutos, até Josh dar um murro na porta.
- Mas que porra, Stella! Você acha justo? Todos nós estamos sofrendo! Sua mãe está doida de preocupação, só abre a porta pra acalmá-la – ele respirou fundo e eu me encolhi mais ainda. Me sentindo pior. Fechei os olhos com força antes de jogar as pernas para fora da cama; meu corpo parecia feito de chumbo e eu ainda vestia as roupas do funeral. Girei a chave na fechadura e encarei Josh apoiado no batente. Ele também vestia as roupas negras de mais cedo. – Oi.

Josh

- Pronto, já conferiu. Estou viva, infelizmente. Não cometi nenhuma loucura. Feliz? – ela disse sem emoção, pronta para fechar a porta na minha cara.
- Não, eu não estou feliz e não ficarei feliz por um bom tempo – respondi da mesma maneira, forçando minha entrada no quarto dela.
- Por favor, vai embora – ela resmungou pronta pra se deitar novamente.
- Não tão rápido – segurei seu braço e a empurrei até o banheiro – Banho, agora.
Ela me olhou por alguns segundos, parecendo exausta, como se não tivesse forças nem para argumentar. Então se fechou no banheiro.
Procurei um pijama no guarda-roupas, enquanto ouvia o choro dela se misturar ao barulho da água do chuveiro. Deixei as roupas sobre a cama e fui até a cozinha dar noticias á tia Susan e ligar para minha mãe.
Quando voltei ao quarto, quase meia hora depois, encontrei Stella sentada na beira da cama, já com o pijama azul marinho que eu havia separado, segurando uma escova de cabelo e encarando a parede.
- Donnie – falei baixo ao atravessar o quarto em três passos, sentando na cama e abraçando a menina que tremia. Ela parecia tão menor do que eu lembrava, tão assustada. Entrelacei minha mão nos cabelos molhados dela e a apertei contra mim.
- Por quê? Eu quero dizer... Porque o Michael? Porque agora? – a voz dela saia falha e baixinha; ela apertava a frente da minha camisa com tanta força que suas unhas me machucavam.
- Eu não sei Donnie, eu realmente não sei – falei contra o emaranhado de cabelos sem pentear, me sentindo impotente. Nesse momento a tia Susan entrou no quarto e sem dizer uma palavra, tomou a escova das mãos da filha e começou a pentear seus cabelos; Donnie não se mexeu, o rosto ainda enterrado no meu pescoço, soluçando com frequência.
Fiquei com ela até que pegasse no sono. O que levou quase três horas. O dia já estava amanhecendo quando isso aconteceu, quando ela finalmente parou de chorar e se rendeu ao cansaço. E quanto a meu sono? Não sei onde ele se meteu. Estava há exatas trinta e três horas sem dormir, isso sem levar em conta aquele cochilo no carro.
Disse á tia Susan que ela podia ir para seu plantão no hospital tranquila, que eu ficaria de olho na Donnie.
Acordei no sofá da sala dos Roe, com os gritos da Stella. A única palavra que consegui entender em meio ao chororô foi "Michael".

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