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Josh

Minhas mãos ainda tremiam descontroladamente, mesmo depois de o médico me garantir que ela ficaria bem.
Tomei mais um gole do café que a enfermeira tinha me trazido, mas nem senti o gosto.
A adrenalina e o medo me deixaram alheio á tudo.
A vontade de gritar tinha passado, mas eu sentia que ela voltaria mais cedo ou mais tarde.
Estava esperando no corredor do hospital há mais de quarenta minutos, mas parecia que estava ali há horas.
Eu precisava vê-la com meus próprios olhos, pra ter certeza que ela estava bem, viva. Precisava tirar aquela imagem dela pálida e completamente mole nos meus braços.
As horas anteriores passaram num emaranhado pela minha cabeça:
Quando percebi que Stella era quem estava me ligando, não sei explicar, foi como se tudo parasse. Todo o tesão que estava sentindo milésimos antes, simplesmente evaporou. Segurei Briddie pelos quadris e a tirei do meu colo antes mesmo que ela se encaixasse perfeitamente em mim. Ela gritou algum xingamento quando a deixei cair de costas na cama, me levantando num pulo para pegar meu celular no bolso da calça jogada perto da porta.
- Donnie? – atendi ofegante, não obtive resposta – Stella?!
- Josh? – ela respondeu chorosa, a voz baixa e devagar.
- Donnie, o que foi? Aconteceu alguma coisa? – achei minha boxer e a vesti rapidamente.
- Ah Josh... – ela disse de um jeito abafado e completamente atípico, percebi que ela chorava mesmo.
- Stella! Fala comigo... O que você tem? – falei alto, me certificando de que ela prestava atenção. Bridget levantou da cama nessa hora e começou a juntar suas coisas, escutei algo como "filho da puta, fingindo se preocupar com a namorada enquanto eu tô aqui pelada esperando por ele". Não que eu me importasse com qualquer coisa que ela ou outra pessoa falasse ou fizesse naquele momento. O telefone ficou mudo momentos depois de ouvir Donnie choramingar meu nome outra vez – DONNIE! RESPONDE! STELLA!
Levei menos de um minuto pra vestir minhas roupas e sair do quarto, sem olhar para Bridget ou para os lados. O tempo todo ligando no celular da Donnie e no telefone da casa dela, mas o primeiro estava desligado e o segundo caia direto na secretária eletrônica.
Realmente não lembro onde e nem como achei um taxi naquela região da cidade e àquela hora, mas achei e o motorista percebendo meu desespero, me deixou em frente á casa dos Roe em menos de vinte minutos. Os vinte minutos mais longos de todos. Tentei ligar para tia Susan, mas não adiantou, pois o celular estava fora de área; liguei para minha casa, esquecendo que meus pais tinham levado Dex para acampar; liguei para Celyn, mas ela não atendeu.
Na verdade, eu não queria ser obrigado á achar Stella. Não sabia o que tinha acontecido e principalmente: o que eu faria se algo ruim tivesse acontecido á ela.
Bati na porta da sala e chamei seu nome, obviamente não tive resposta. Escalei facilmente a árvore ao lado da casa, agradecendo mentalmente os anos de pratica, e entrei no quarto de Donnie pela janela. Estava vazio. Meu estomago deu voltas, afinal, ela nunca saia do quarto, aquilo não podia ser bom sinal. Depois de olhar rapidamente os cômodos do andar superior, chamando seu nome com segundos de intervalo, sem resposta.
Antes de atingir o ultimo degrau da escada, mesmo no breu que a casa estava, vi Donnie deitada no tapete da sala. Estava encolhida em posição fetal de costas para mim.
- Então, qual era o plano? Me matar de susto? – perguntei aliviado, andando até ela, que não se mexeu. Chutei alguma coisa no caminho até o interruptor, e ao acender a luz vi que era um vidro de comprimidos vazio. – Stella? – me ajoelhei ao lado dela e a virei para ver seu rosto.  Ela estava completamente mole e tão pálida que seus lábios estavam arroxeados – Donnie! Não! Não! Stella! – a envolvi em meus braços, sentindo seu corpo frio contra o meu – O que você fez? Stella, sua idiota! O que você fez? – a sacudi, mas seus olhos permaneceram fechados. – Acorda! Abre a porra desses olhos, agora! Donnie! – meus próprios olhos começaram a marejar, enquanto a realidade tirava qualquer álcool ingerido naquela noite do meu corpo. – Não faz isso comigo! Stella, pelo amor de Deus! Acorda! – foi ai que percebi que esses segundos que perdia a abraçando e gritando por ela podiam custar caro.
Não lembro o que disse á pessoa que atendeu o número da emergência. Só sei que quando a ambulância chegou, exatos 8 minutos depois, eu tinha enrolado Donnie em um edredom, e a segurava no colo, tentando desesperadamente aquecê-la.
Os paramédicos a tiraram dos meus braços e me fizeram algumas perguntas, como qual era o nome dela, quantos anos tinha, o que tinha acontecido (entreguei á eles o frasco do remédio), há quanto tempo ela estava desacordada... Então entrei na ambulância e não soltei a mão de Donnie durante o curto percurso até o hospital.
A levaram por um corredor e me mandaram esperar ali. Nem questionei, sabia que não podia fazer nada para ajudá-la.
Quinze minutos depois o doutor Shermann, amigo da tia Susan, veio me dizer que Stella tomara em torno de vinte comprimidos de calmantes e eles tiveram de fazer uma lavagem para tirá-los do organismo; disse também que algo realmente grave poderia ter acontecido, mas eu a tinha achado á tempo de evitar o pior, ela teria de ficar em observação por algumas horas e eu só poderia vê-la depois que terminassem de fazer alguns exames.
Quase uma hora depois me deixaram entrar no quarto em que ela estava.
Quando levantei para jogar o copo de café no lixo, percebi que não eram somente minhas mãos que tremiam, minhas pernas também vacilavam um pouco.
Meu coração bateu tão forte quando entrei no quarto e vi que a cor tinha voltado ás bochechas dela. Que sua respiração era visível e ritmada sob a camisola de hospital. Sentei na beira da cama e fiquei olhando Donnie dormir por alguns minutos. Deixando meu cérebro registrar que ela estava bem.
Me inclinei e beijei sua testa, demorando com os lábios naquela região, feliz em sentir sua pele morna.
A enfermeira que me dera o café entrou silenciosamente no quarto e disse que os exames não mostraram nada de errado com ela, e que dentro de quatro horas eu poderia levá-la para casa.
Sentei na cadeira ao lado da cama quando a enfermeira saiu, segurei a mão de Donnie que não estava com o soro e apoiei a cabeça em sua barriga. Respirei fundo, sabendo que só me sentiria completamente aliviado quando ela abrisse os olhos e falasse meu nome daquele jeito metidinho que eu implicava desde sempre.

Finalmente consegui falar com a tia Susan, que teve uma crise de choro e levou mais de dez minutos até eu acalmá-la e fazê-la entender que não precisava deixar a garotinha com câncer que ela estava tratando e voltar para casa. Eu cuidaria de Donnie. Somente depois de falar com o doutor Shermann, ela se convenceu de que a filha estava bem, fora só um susto.
Voltei à posição que estava antes da ligação de tia Susan, segurando a mão de Donnie e a testa contra a lateral de sua barriga, emparelhando minha respiração á dela.

Fiquei assim até ela acordar, mais de três horas depois.
Senti seus dedos fazendo pressão nos meus e sua respiração se tornar mais profunda. Levantei a cabeça e a vi abrindo os olhos devagar. A encarei sem falar nada por algum tempo. Então seus olhos encheram de lágrimas e ela sussurrou:
- Eu sinto muito.

Donnie

Quando consegui vencer a névoa que me envolvia e embriagava, abri os olhos devagar e lentamente reconheci um dos quartos do hospital onde mamãe trabalhava. Mas o que eu estava fazendo ali? Ou melhor, como tinha chegado até lá?
Foi então que percebi Josh sentado ao lado da cama, me olhando de um jeito estranho. O cabelo dele estava todo bagunçado, fiquei na duvida se ele estava com alguém, ou se ele mesmo tinha feito aquilo. Mas o que me chamou a atenção foram os olhos, estavam avermelhados e levemente inchados, mas não pareciam estar assim por sono, acreditei que estivesse um pouco bêbado.
E de repente eu lembrei o que fiz.
O porquê de estar no hospital.
Entendi o olhar estranho que Josh me lançava. Era de preocupação.
A culpa e a vergonha me atingiram em cheio. Senti meus olhos arderem.
- Eu sinto muito – minha voz saiu baixinha e rouca, vacilando pela falta de uso e o choro preso na garganta.
- Está sentindo alguma coisa? – ele disse sério, mas percebi que ainda segurava minha mão; quando neguei com a cabeça, o olhar dele se suavizou – Vou chamar o médico.
- Josh... – chamei baixinho quando ele me soltou e levantou da cadeira, ele me olhou mais uma vez e saiu da sala.

Tio Albert, ou doutor Shermann como era chamado no hospital, me examinou enquanto me dava sermão sobre o perigo que corri, os riscos de morte, e que não se dava um susto daquele num velho que me conhecia desde os cinco anos de idade. Ele pediu que Josh esperasse do lado de fora do quarto, então me contou que foi ele, Josh, que me encontrou inconsciente na sala de casa, e que ficara ao meu lado o tempo todo. Tio Albert disse que eu podia ir pra casa se prometesse voltar com mamãe ainda naquela semana para outra consulta, que não fizesse mais aquilo (para garantir, ele informou que o novo vidro de comprimidos estava com Josh) e que tinha agendado uma sessão com o doutor Bethany, psiquiatra do hospital.
Antes de sair da sala, disse algo que me perturbou: "Donnie, eu sei por tudo o que você tem passado... Mas se você aceita um conselho de alguém que sempre torceu pela sua felicidade... Comece a olhar para os lados, a vida ainda pode te surpreender".

Por ter sido levada ao hospital de pijama, tio Albert pediu que abrissem o armário de mamãe para que eu pegasse algo para vestir, após isso encontrei Josh no corredor. Ele mal me olhou, somente disse que um taxi já nos esperava.
Dentro do carro, Josh sentou bem afastado de mim, olhando o dia amanhecer pela janela. Ficamos em completo silencio por alguns minutos, até que comecei a me sentir sufocada dentre todos aqueles sentimentos controversos e pensamentos confusos, mas principalmente por saber que Josh ainda estava bravo comigo. Eu tinha sido uma vaca com ele e mesmo assim ele salvara minha vida.
Não aguentando mais aquela situação, mas sem achar palavras para começar uma conversa... Me movi no banco até sentar bem ao seu lado, enganchei meu braço ao dele e apoiei minha cabeça em seu ombro. Senti quando todo seu corpo se tencionou, para segundos depois relaxar. Josh também não disse nada, mas algum tempo depois segurou minha mão e entrelaçou nossos dedos, e com a outra fez um leve carinho no meu rosto enquanto pressionava os lábios contra minha testa.

Chegamos em casa vários minutos mais tarde, depois de enfrentarmos o transito matinal de Londres.
Josh me acompanhou até o quarto e esperou até que eu tomasse banho, ainda sem dizer uma palavra.
E aquele silêncio estava acabando comigo. Justo eu, que achava ter me habituado tão bem á quietude. 
Ao sair do banho, encontrei Josh sentado na beirada da minha cama, com os cotovelos apoiados nos joelhos e tapando o rosto com as mãos. Me aproximei devagar, ele não se mexeu, parei bem em sua frente e hesitantemente toquei seus cabelos. Ele respirou fundo, mas permaneceu na posição, enquanto eu penteava aquela bagunça com os meus dedos. Algum tempo depois, ele tirou as mãos do rosto e as levou até a parte de trás de meus joelhos, me trazendo para mais perto, e então pressionou o rosto contra minha barriga. Sorri para o nada, sabendo que tudo estava bem entre nós novamente. Continuei mexendo em seus cabelos por alguns minutos, enquanto a cacofonia que meu cérebro tinha virado se acalmava, todas aquelas coisas que eu sentia se tornavam mais brandas... Só de estar ali, sentindo a respiração quente e calma de Josh em minha barriga, através do tecido do pijama.
Momentos depois ele se afastou e levantou da cama, puxou o edredom e fez sinal para que eu deitasse, fiz o que ele mandou e logo senti meu coração disparar ao vê-lo se afastar até a porta.
- Não vai embora! – a frase pareceu um grito depois de tanto tempo em silencio. Josh sorriu triste, mas não parou de andar de costas, sem deixar de me olhar.
- Se você não quer que eu vá, eu não vou... Estarei no quarto de hospedes.
- Não... – engoli em seco, mas fiz as palavras saírem – Não. Fica aqui... Comigo... Por favor – ele parou na porta e me olhou fixamente antes de responder.
- Não precisa pedir por favor, Donnie – mais um sorriso triste antes de encostar a porta, fechar as cortinas e então tirar os tênis, a camisa xadrez, ficando somente com uma camiseta branca simples, o cinto e então o botão da calça, antes de sua mão congelar no lugar. Percebi que tinha feito aquilo sem prestar atenção. Me senti tímida de um jeito diferente. Me mexi na cama, ficando de costas para ele e assim criando mais espaço para que ele deitasse.
- Pode tirar o jeans, eu não me importo – falei baixinho, ainda de costas – Isso é, se você ainda usar boxers – ouvi seu riso baixinho e me peguei com a estranha vontade de rir também.
- Pra sua informação, eu ainda uso sim – Josh respondeu antes de deitar em minha cama. Ambos ficamos desconfortavelmente imóveis e calados por algum tempo. Ao tentar arrumar o edredom, um de meus pés tocou a perna de Josh, descobrindo que ele tinha mesmo tirado a calça. Senti meu rosto esquentar. Então respirei fundo e pensei "porque esse alarde todo? É só o Josh!". Virei meu corpo até ficar de frente para o garoto que estava deitado ao meu lado, nossas cabeças alinhadas nos travesseiros. Ele me olhou, e eu não pude decifrar sua expressão ou aquele olhar.
- Promete que nunca mais faz isso? – sua voz saiu quase num sussurro. Entendi na hora o que queria dizer com "isso". Concordei com a cabeça, sentindo a culpa e a vergonha voltarem, e com elas a vontade de chorar. Me aproximei dele e o abracei pela cintura, o rosto pressionado contra seu peito.
- Eu não queria me... Matar. Eu juro... É só que eu não conseguia dormir... Senti uma vontade urgente de falar com alguém... Mamãe não estava em casa... Celyn estava na casa dela... E você... – minha voz ficou presa na garganta no meio da frase. Josh me apertou contra si.
- Shhh... Calma, calma – ele falou baixinho contra meus cabelos – Eu sei que você não fez de propósito. Já passou. Só promete que da próxima que sentir, não sei, vontade de fazer algo desse tipo... Me liga, cara, promete que me chama.
- Eu não podia te ligar – confessei – Não depois de ter te tratado daquele jeito... Eu sinto tanto por agido como agi.
- Eu não tô bravo, Donnie! – ele se afastou, segurando meu rosto entre as mãos – Me escuta, você precisava de um tempo... Eu nunca estive bravo, juro. Não consigo ficar irritado com você por mais de uma hora, lembra?
- Lembro – concordei meio chorosa; o coração batendo forte por saber que tudo estava bem, pelo menos com Josh. Nos encaramos enquanto ele colocava uma mecha de cabelo atrás da minha orelha.
- Eu fiquei tão preocupado – ele confessou num sussurro, ainda me olhando nos olhos. E estando tão perto dele como estava, pude literalmente ver a angustia em seus olhos.
- Me perdoa, sério, me desculpa pelo susto – também sussurrei, me aproximando de novo para abraçá-lo com força, aquela parecia ser a única forma de fazer Josh entender que eu estava bem, que o pior tinha passado – Desculpa, desculpa... – repeti baixinho contra seu pescoço. Ele entrelaçou a mão em meus cabelos e me beijou bem de leve perto da orelha; continuei grudada á ele, pedindo desculpa por agir feito uma maluca suicida, enquanto ele encostava os lábios em minha bochecha.
Não posso dizer que foi um choque perceber então que nossos narizes estavam se tocando. A respiração de Josh estava saindo pela boca, indo contra a minha própria. Abri os olhos quando ele acariciou minha bochecha com o polegar, o encarei tão de perto que meu coração acelerou de um jeito esquisito. Vi e senti quando Josh engoliu em seco antes de fechar os olhos e aproximar o rosto do meu... Eu simplesmente fechei meus próprios olhos e senti meu corpo se paralisar ao entender o que estava acontecendo.
O mais leve dos beijos foi depositado em meus lábios. Ambos prendemos as respirações. Somente sentindo nossas bocas encostadas uma á outra.
Aquilo era surreal. E logo acabou.
Josh afastou o rosto, mas não me soltou. Apesar do medo de abrir os olhos e encará-lo, eu o fiz. Dando de cara com um Josh de bochechas coradas e respiração rápida, e de novo não consegui ler seus olhos.
Sem saber o que falar, virei até ficar de costas para ele, mas logo entendi o que aquilo parecia, pois Josh começou a se afastar lentamente. Sem me virar, segurei sua mão e entrelacei nossos dedos. Eu não sabia o que tinha acabado de acontecer, mas tinha certeza que de que não queria ficar sem ele naquele momento.
Ele ficou parado alguns instantes, antes de voltar a deitar e arrumar o edredom sobre nós. Josh então aproximou o corpo do meu, me abraçando apertado por trás, sem separar nossas mãos.
Foi nesse momento que senti o coração dele batendo tão rápido quanto o meu.

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