1 | Internacional Falls

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A noite estava mais fria do que o normal em Internacional Fall, a cidade pequena havia sido devastada pelo furacão Ellen que havia passado há alguns dias, destruindo tudo que ficasse ao seu caminho. Aos poucos os moradores pareciam criar coragem para voltar e tentar amenizar o estrago da melhor maneira possível. Seria um logo período de reconstrução, mas eram nesses momentos que a humanidade parecia ser capaz de demonstrar um pouco de empatia e amor pelo próximo.

De diversos lugares diferentes vinham pessoas para ajudar, desde médicos, enfermeiros, arquitetos, cozinheiros, agricultores, psicólogos e até mesmo aqueles que estavam ali apenas para trazer um pouco de conforto. Era nesses momentos que Octavia conseguia sentir que ainda havia esperança no mundo.
Ela havia saído de New York assim que soube do acontecido, usando o avião particular da família para levar recursos e ajuda que pudesse ser necessária. Mesmo contra a vontade dos pais, ela sabia que era ali que seu coração gostaria de estar. Era nessas situações que ela conseguia se achar.

A cidade estava devastada, muitos haviam morrido e alguns ainda estavam desaparecidos e Octavia se juntou as buscas inicialmente, depois ao grupo de limpeza dos escombros e por fim a estratégia de reconstruir a cidade, podendo finalmente exercer sua verdadeira paixão e profissão, a arquitetura.

Estava naquela cidade já há alguns meses e já havia se tornado parte dela, onde os moradores a agradeciam e acolhiam da maneira que podiam. E ela gostava disso, ela se sentia mais em casa ali, do que com sua própria família.

As coisas iam bem, ela conseguia ver que a cidade logo voltaria a ser o que era, ela se dedicava a isso, dia e noite, projetando, criando e até mesmo se focando a obra para ver o resultado, muitas vezes tirando dinheiro de sua própria poupança e investimento para ajudar aqueles que não tinham muitas condições, essa era Octavia Heroux, que nunca pensava em si, para sempre pensar nos outros.

Depois de quase um ano de trabalho ela pode finalmente ver a cidade voltar ao que deveria ser, sentindo-se pela primeira vez parte de algo e acreditando que ali poderia ser seu lar. Mas depois de construir tantas casas e locais, era como se nenhum deles servissem para ela, como se não tivesse exatamente perfeito, só que ela não esperava, naquela manhã encontrar um local que gostaria de morar.

Havia tirado o final de semana para explorar a natureza, era lá que ela se sentia bem, acampando e esquecendo do tumulto que sua vida podia ser. E depois de algumas horas de trilha, ela encontrou, escondida na floresta em meio uma clareira a casa que um dia deveria ter sido belíssima, mas que também havia sido afetada pelo furacão.  Era como se aquela residência fizesse parte da paisagem, ela crescia em meio a natureza de forma tão orgânica e natural que ela se perdeu ali, observando os vidros quebrados, algumas paredes arrancadas e desenhou, durante horas como imaginaria o local, se permitindo, mesmo que sem ninguém por perto, ouvir a história que a casa podia lhe contar.

Ah esse era seu segredo, o segredo que Octavia não deixava ninguém desconfiar, mesmo quando lhe questionavam sobre a razão de usar luvas, ela apenas dizia que tinha fobia de germes, era mais fácil assim.

A psicometria nunca foi entendida pelos humanos e algo que ela sabia, quando eles temiam algo, tentavam destruir, havia sido assim em sua família e ela se perguntava como seria no mundo, não estava disposta a mais testes ou perguntas, ela preferia apenas esconder.

Mas ali, sozinha naquela floresta ela podia deixar os medos de lado, por isso amava a natureza, pois podia ser ela mesma. Tirou as luvas com cuidado e seguiu até uma das pilastras da entrada, se permitindo tocar o concreto frio e como uma onda gelada, as lembranças que aquela matéria tinha sobre seu entorno invadiram sua mente, ela podia sentir os toques, a chuva, o vento e até mesmo os preguiçosos raios de sol que conseguiam escapar das folhas altas das árvores e tocarem o material. Ela podia ver pessoas, rostos que não conhecia e que na certa viveram ali. Eram lembranças demais e isso lhe esgotava e por isso afastou-se ofegante, seguindo para onde deixou suas coisas e tornou a colocar as luvas, pegando a caderneta e o lápis novamente, para desenhar o que havia visto.

Acampou ali mesmo, naquele jardim, apreciando aquela paisagem e se perguntando quando poderia começar a reforma, mesmo sabendo que teria que entrar em contato com os donos e talvez até mesmo comprar aquele lugar, foi com esses pensamentos que adormeceu ainda observando aquelas ruínas.

Um som distante lhe acordou, ainda estava escuro e sentiu como se alguém estivesse próximo, que lhe observassem. Levantou-se livrando-se do saco de dormir e acendeu a lanterna, olhando em volta, ouvindo passos lentos dessa vez.  Não estava mais sozinha, focou a lanterna, enquanto buscava na mochila pelo spray de pimenta que estava ali, parando apenas ao notar o homem que se aproximava, ela não o conhecia, mas o havia visto horas antes, era o dono daquele lugar.

Carlisle não esperava encontrar ninguém ali, ele sabia dos últimos acontecimentos em Internacional Fall, esperava encontrar seu lar destruído, mas era pior do que imaginava. Mas naquele momento, era o que menos importava, sua visão foi tomada pela luz forte e seus sentidos se focaram no som da respiração e o cheiro doce do sangue. O que ela fazia ali? Tampando os olhos da luz que o cegava, aproximou-se calmamente da mulher, que parecia assustada, mas havia algo além em seu olhar.

- Não esperava encontrar ninguém dormindo diante da minha casa.

Talvez fosse o choque ou a surpresa, mas Octavia mantinha a lanterna alta, observando o homem aproximar-se, deveria temê-lo, ela sabia, afinal, alguém que morasse excluído do mundo deveria querer esconder algo, mas não havia visto nada suspeito em suas visões, apenas um casa de final de semana, haviam poucas lembranças.  E o olhar daquele homem, havia algo a mais ali, tranquilidade? Dor? Ela apenas conseguia se focar nisso, percebendo apenas quando ele estava alguns metros de distância que talvez precisasse se explicar.

- Me perdoe, me chamo Octavia e estive reconstruindo a cidade durante tanto tempo que decidi tirar uns dias de paz em meio a natureza e acabei encontrando esse lugar e fiquei apaixonada por ele. Me desculpe, não sabia que alguém morava aqui, não depois do furacão.

Baixou a lanterna sem graça, notando o sorriso nos lábios do homem a sua frente, que agora observava sua casa. Carlisle absorvia cada detalhe da construção, era como se a casa pudesse representar como estava naquele momento. Novamente voltou sua atenção para mulher, que tinha a face corada, os cabelos levemente bagunçado e um cheiro diferente do que ele estava acostumado.

- Não precisa se desculpar de fato não moro aqui já faz algum tempo, minha família mudou-se e eu estive fora estudando medicina, mas me pareceu a hora certa de voltar, depois do furacão imaginei que a casa precisaria de cuidados. Me chamo Carlisle Cullen. Você disse que esteve reconstruindo a cidade?

- Sou Octavia Heroux, sim, me mudei para Internacional Fall logo após o furacão para ajudar aqueles que precisavam, mas acho que decidi ficar um pouco a mais, talvez ainda tenha o que ser feito aqui. - Ela não sabia explicar a razão de se sentir incomodada e apontou para casa. - Admito, que adoraria reconstruir esse lugar, eu pretendia perguntar ao prefeito se havia donos.

- Seria bom ter ajuda por aqui. Venha, há algumas paredes em pé, deveria sair do frio.

Carlisle tomou a dianteira, seguindo para casa, tirando alguns escombros do caminho e adentrando. Havia ainda cômodos inteiros, assim como o lado leste da casa estava destruído completamente, como o acesso para os outros pavimentos. Mas havia ainda um sala, biblioteca e parte de uma cozinha. Octavia o seguiu com cuidado, deixando a mochila em um canto.

- Se quiser dormir no sofá, acho que será mais confortável do que deitada na grama. Vou tentar encontrar algumas velas e vou acender o fogo.

Antes que Octavia pudesse dizer qualquer coisa o homem sumiu na escuridão, deixando-a sozinha na sala, que ela sabia, um dia havia sido belíssima. Seguiu até o sofá e se encolheu ali, como se percebesse pela primeira vez o frio que a noite fazia. E logo seus olhos estavam pesando novamente, ainda sentia-se esgotada do dia anterior, do uso exagerado da psicometria. E sem poder controlar o sono, por mais que quisesse ficar acordada, se deixou levar.

Carlisle voltou minutos depois com algumas cobertas e encontrou a mulher adormecida, um sorriso se apoderou de seus lábios e aproximou-se quase sem que seus movimentos pudessem ser notados e deitou-a com cuidado, cobrindo o corpo pequeno da mulher com cuidado para não desperta-la. Afastou-se e seguiu até a lareira onde preparou o fogo e por fim, sentou-se na outra poltrona, observando a mulher dormir, a forma como sua respiração estava tranquila e suave e se perguntou o que faria a seguir.

Lua de Sangue || C. CullenWhere stories live. Discover now