O novo aluno

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Cheguei à sala alguns minutos depois do professor.

- Com licença, senhor Gomez!

-Pode entrar senhorita Swan. Nunca imaginei que algum dia você chegaria atrasada para a minha aula!

Ele tinha razão. As aulas de História eram as minhas preferidas, portanto as que eu nunca faltava. Ou chegava atrasada.

- Bem alunos, como todos já estão presentes, vamos começar nossa aula de ho...

Ele não conseguiu terminar a frase pois, um barulho na porta fez com que todos olhassem para o canto da sala. Em pé, ao lado da porta, estava um garoto moreno, com um boné deixando escapar alguns de seus cabelos ondulados de cor mel, uma blusa de manga cobrindo um pouco a sua calça jeans que ficava sobre o seu tênis preto. Não dava para saber qual sua estatura, pois ele estava curvado e em cada uma de suas mãos havia uma muleta que o ajudava a ficar de pé.

-Desculpe o atraso, senhor Gomez!

O professor apenas acenou compreensivo e se voltou para a turma novamente.

- Certo. Turma, esse é o nosso novo aluno, deem boas vindas ao senhor Jeremy Gold.

O garoto sorriu envergonhado e encarou a classe que se encheu de sussurros. Franzi o cenho, irritada diante de alguns comentários maldosos, e voltei a encarar o garoto com certa empatia. Os olhos castanhos de Jeremy se encontraram com os meus quando ele se dirigia para a cadeira ao lado da minha, a única vazia na sala.

Finalmente o professor começou a aula e o assunto era Mitologia Grega, eu não poderia estar mais feliz. Mesmo tendo um pouco de dificuldade de ler o conteúdo que estava na lousa, e a isso eu culpo minha hiperatividade e dislexia, qualquer pergunta que ele fazia a resposta vinha de mim. Era algo automático. Percebi, confusa, Jeremy sorrir a cada resposta correta. Sei que era meio nerd de minha parte, mas não era motivo para chacota!

Eu te defendi na minha cabeça, seu mané!

Até o professor fazer uma nova pergunta e eu, distraída com meu olhar lançando adagas em Jeremy, respondi no automático. Todos os sussurros cessaram e percebi Jeremy arregalar os olhos, o sorrindo aumentando levemente. Desviei os olhos para o professor que me encarava com uma mistura de surpresa e confusão.

- Eu errei? – Perguntei encolhendo os ombros ao perceber que todos da sala me encaravam fixamente.

O que diabos eu disse de errado?

- Não, de forma alguma. – O senhor Gomez respondeu com um sorriso nervoso e pigarreou. – Eu só não esperava que você soubesse grego antigo.

Grego antigo?

Minha cara de confusão foi o suficiente para Jeremy se aproximar de mim e sussurrar:

- Ele fez uma pergunta em grego antigo e você respondeu. – O garoto explicou, o corpo inclinado sobre a cadeira para ficar próximo ao meu ouvido. – Também em grego.

Arregalei os olhos, abrindo e fechando a boca como um peixe, e encarei o professor. As palavras sumindo da minha cabeça.

Como eu fiz isso?

- Eu...ahn...

O sinal tocou de repente e eu nunca me sentira tão aliviada por ouvir aquele som. Sai da sala em disparada, ainda percebendo os olhares surpresos dos alunos sobre mim, tentando entender como foi que eu fiz aquilo.

Adivinhem! Eu também queria saber!

- Isso foi um mal-entendido. – Murmurei comigo mesma, desviando instintivamente das pessoas que passavam pelo corredor. – É a única explicação.

Desci as escadas de dois em dois degraus e sentei em um pequeno degrau que havia em frente à piscina, tirando da mochila aquele que estava sendo o meu companheiro fiel a 3 dias: Era um livro não muito grande e se chamava A Casa de Hades.

A minha saída para esquecer os problemas ou nesse caso, a mais nova habilidade absurda que adquiri!

Terminei o último capítulo do livro e me apoiei no chão, encarando a piscina azul e límpida a minha frente enquanto meus pensamentos alternavam entre "grego antigo, como assim?" e "por onde anda aquele garoto irritadinho?"

- Sonhando acordada?

Sobressaltei-me quando a voz animada soou perto demais. Olhei para onde vinha a voz e vi Jeremy em pé, ao meu lado.

- Às vezes é bom fugir da realidade!

- Não existem palavras mais verdadeiras! Bem, sou Jeremy, mas pode me chamar de Jerry, e você é...?

- Todos me conhecem por Duda, muito prazer! – apertei sua mão que estava estendida para mim. - Ahn, eu percebi que você tem certo sotaque. Você não é daqui, é?

-Não! Inglês é meu ponto forte, mas faço meu esforço com o português. – Ele deu um pequeno sorriso e coçou a nuca.

- Está indo muito bem. – Respondi com um sorriso acolhedor e continuei agora arriscando meu inglês. – Mas pode falar em inglês se se sentir mais confortável. Eu consigo acompanhar.

Ele sorriu ainda mais animado e passou a conversar em sua língua natal.

- Maravilha, isso facilita muito pra mim! Já é ruim o bastante ser o único deficiente da sala...

- É, as pessoas aqui não tendem a ser muito inclusivas... – Murmurei desviando os olhos para a piscina.

Senti os olhos de Jerry queimarem sobre mim.

- É por isso que estava aqui sozinha?

- Bem, posso dizer que não sou boa em fazer amizades por aqui. – falei, desanimada –Então prefiro a companhia dos meus livros.

- São substitutos extraordinários realmente. – Ele falou com um falso ar sério e superior, me fazendo rir. Jerry deu de ombros. – Bem, eles que estão perdendo uma companhia muito agradável.

Senti minhas bochechas esquentarem diante do elogio. Ele se apoiou na grade da piscina e encarou o livro sobre meu colo com interesse.

- E qual o seu amigo atual?

- Oh, ele é maravilhoso e com uma das melhores histórias que já li, se chama A Casa de ....

Kaboooom.

Um estrondo se espalhou pelo colégio criando um silêncio mortal. Todos os passos e vozes cessaram como se as pessoas tivessem sido congeladas, esperando. Olhei para Jerry assustada, porém ele tinha apenas uma expressão preocupada na face, a sobrancelha franzida. Até que outro estrondo se sucedeu e fez com que todos os alunos se alarmassem e corressem. Eu permaneci congelada no lugar, os olhos arregalados desviando de Jerry para encarar o lugar de onde o estrondo viera: o banheiro no final do pátio. Pisquei aturdida quando algo surgiu em meu campo de visão, uma sombra se formando entre as colunas.

Uma sombra que já atingia mais de dois metros de altura.

Antes que pudesse discernir o que era aquilo senti as mãos de Jerry segurarem o meu pulso, sua voz apavorada gritando:

-Temos que sair daqui. AGORA!

Realidade ImagináriaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora