Salva pelo cão dos Baskerville

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Roma, 05:24 am.

- Acho que não funcionou muit....

E os semideuses sumiram em um turbilhão sem perceber o olhar que os seguia fixamente. O silencio dominou a praça novamente e Paolo caminhou com passos calmos, deixando seu esconderijo atrás da fonte e observando o local que antes estava repleto de semideuses. O rapaz sentou-se à beira da fonte, as pernas esticadas relaxadamente e a cabeça pendendo para o céu estrelado. Um garoto comum em uma noite de lua cheia, a não ser pelo sorriso perverso e anormal que se abriu em seus lábios quando sentiu o vento aumentar e um barulho arranhado elevar-se pouco a pouco em sua frente, como se os mortos viessem do submundo arrastando suas correntes. Paolo afastou os cabelos dos olhos e encarou o ar a sua frente que começou a tomar forma e, em segundos, se transformou em um portal dourado. Nada surgiu dali, mas uma voz, a voz, soou como um trovão em meio a tempestade.

- Vejo que continua com o rapaz mortal.

- Ele não é tão ruim assim, mestre. – Paolo respondeu com uma voz que não era a sua. Aguda e arrastada com a maldade pingando de cada sílaba como veneno. Quem o visse perceberia que não era o mesmo rapaz simpático e extrovertido que se mudou para Roma, mas não havia ninguém ali. Ele estava só com a voz e o ser que o possuía. – Poderia até usá-lo como bichinho de estimação, quem sabe? Ele tem um certo encantamento sobre as moças mortais porque....

- Deixe de estupidez, seu inútil! – A voz rugiu e Paolo se encolheu automaticamente. Mesmo sem ver o dono da voz por completo ele sabia do que era capaz. A voz soou novamente, mais calma, porém não menos autoritária. – Deixe esse humano imprestável, preciso que você descubra onde aquelas crias de deuses foram parar!

- Sim, senhor.

E Paolo caiu no chão, ou melhor, seu corpo desabou deixando no lugar uma sombra negra que flutuava impaciente em frente ao portal brilhante. Sem esperar mais nada a sombra se virou, pronta para vagar pelo mundo em busca da Língua Encantada e seus amigos. No fundo ele não aguentava mais essa perseguição, já perdera quatro chances de captura-la e o que mais queria era sentir suas mãos no pescoço dela e vê-la desfalecer em sua frente para sempre. Mas o Mestre a queria viva mais do que tudo e quem era ele para enfrentar o Mestre? Antes que pudesse se afastar mais ouviu a voz retumbar novamente.

- Espere. – Confuso, ele voltou ao local onde Paolo continuava desmaiado e encarou o portal com expectativa. Poucos segundos se passaram até a voz do mestre flutuar em sua direção com regozijo. – Ela está na Grécia, um de meus seguidores a viu há pouco.

- Sim, mestre.

- Siga-a de perto, mas não ataque diretamente. Isso não funcionou em nenhuma das vezes, então use o pouco de inteligência que ainda possui. E use isto. – A voz bradou e algo voou de dentro do portal em direção a base da fonte. Logo a sombra voou naquela direção e pegou a pequena seringa que seu mestre jogara. Dentro dela um líquido amarelo repousava com bolhas estourando a todo momento. A sombra ergueu a cabeça novamente quando a voz voltou.

- Eu estava disposto a esperar a pequena Língua Encantada vir até mim por conta própria, mas o tempo está se esgotando assim como minha paciência. Preciso dela o mais rápido possível. – A sombra acenou fervorosamente enquanto o mestre continuava – Pegue-a desprevenida, vai ser fácil se você explorar o maior defeito de todos os semideuses: sua impulsividade heroica.

- Sim, mestre. Não falharei desta vez.

- Para o seu próprio bem.

E o portal sumiu em um piscar de olhos deixando a sombra e o corpo de Paolo no silêncio absoluto. A sombra encarou o rapaz pálido no chão de pedra.

- É uma pena que não tenhamos conseguido tirá-la daquela festa. Teria sido bem menos doloroso. Para ela.

E flutuou cada vez mais rápido se perdendo na escuridão do céu que começava a clarear aos poucos.

Realidade ImagináriaWhere stories live. Discover now