O ponto certo no tempo

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_ Vocês viraram bons e velhos amigos e passavam o natal em família. 
_ Claro que o homem enlouqueceu. Qualquer um que perceba o que somos terá esse destino.
_ Ele ainda está vivo?
_ Ele viverá mais do que os outros da sua época, mas não viverá para sempre.
_ E a moça? 
_ Estou olhando para ela _ olhava para mim _ Aqui está você humana de novo. Me escolheu para viver a eternidade, Helena.
_ Seria você se houvesse outra chance. 
_ É a sua chance.
_ Você pode ver o tempo? 
_ Pude encontrar você, agora podemos mudar o passado, presente e futuro.
Beijou meus lábios.
_ Onde estamos?
Sorriu irônico, depois pareceu divertir-se em me conduzir para um espelho na parede próxima. Entendi o motivo da sua diversão ao ver no meu reflexo a imagem da garota ruiva.
_ Eu diria "quando estamos". 
_ Hora de acordar, Alone!!
Ouvi do fundo da minha inconsciência, mas um chute forte dado na minha cama me trouxe para realidade bruscamente. Abri os olhos assustada e levantei subitamente. Uma linda mulher muito loira que me encarou brava. 
Continuou _ Levanta bela adormecida, é minha vez de dormir. Cuide de tudo!
Acenei com a cabeça embora ainda não estivesse acordada de fato. O sonho com aquele estranho... não ele não me era estranho. Quem era?
Levantada, segui minha mãe por um corredor. Ela entrou no seu quarto e eu segui até a cozinha e atravessei a porta para os fundos do quintal, peguei um balde de água no poço e voltei para a cozinha. Meus irmãos choravam de fome. Dei um pedaço de pão para cada um e segui para o fogão de lenha, preparando o fogo para preparar o almoço. 
Lui. O nome me veio a mente enquanto todos almoçamos. Marta, minha mãe, se juntou a nós. 
_ Está sonhando acordada?
_ ... não.
Como ela pode saber? 
O dia seguiu exaustivo até a hora de dormir. Depois que meus irmãos mais novos dormiram me deitei e sonhei com uma linda mulher. Eu era ela.
Londres, inverno de mil seiscentos e dois.
Katherine andava pela rua gélida, os ventos congelantes a golpeavam como se tentassem castigá-la, ainda mais, pelo seu pecado. Sua inocência perdida em nome do amor. Caminhava sem rumo, carregando em uma pequena mala, uns poucos pertences que lhe fora permitido levar, ao ser expulsa de casa. Lembrava com o rosto molhado e lágrimas que não paravam de fluir, do momento em que perdeu o rumo de uma vida farta e feliz. O momento que a levara até este momento triste.
Era primavera quando ele a viu. Katherine já o havia visto. Nutria sentimentos proibidos pelo sócio e amigo do seu pai. Ele era mais velho, mas não era casado. Harry Carter seria um ótimo partido, não fosse sua vida leviana e libertina. Katherine acreditou que poderia muda-lo. Como tantas outras que se iludem, ela acreditou que ele mudaria por amor.
E aqui estava ela. O desfecho perfeito para a sua total desilusão. O seu destino era ter um filho sem pai. Uma criança que carregava em seu ventre, em meio a todo este frio no tempo e nos corações de quem a via com a sua barriga já a mostra... desamparada e sozinha. Havia desistido de receber qualquer ato de caridade, quando aquela voz lhe falou dando-lhe a atenção de que ela tanto carecia.
_ Olá, docinho! Você está perdida? _ disse a moça vestida de forma que suas pernas e seios ficavam exageradamente a mostra no decote e na fenda do vestido longo.
_ Eu estou sozinha. Não tenho para onde ir _ disse Katherine que ainda chorava.
_ Oh, querida! _disse segurando o seu queixo e contemplando o seu rosto doce, de olhar puro, e beleza casta como a de um anjo. Deu um riso malvado de tão feliz que soou _ Eu sei exatamente aonde você pode ficar. 
Dois meses depois, Katherine era a empregada doméstica do maior prostibulo de Londres. O lugar era imenso. Seu corpo todo doía no final do dia, mas havia sido poupada de se deitar com os homens que via entrar e sair dali. Tinha medo deles. 
Não da maioria. Estes apenas fugiam de suas esposas indoceis. Mas haviam aqueles que mais pareciam animais. Abusaram, batiam,  humilhavam e se declaravam donos. Daí por diante, a mulher tinha que dar metade do que ganhava para ele. Mme fazia vista grossa, porquê contava com os favores destes.
Havia um desses de olho em Katharine. Gaye era um idiota tamanho monstro com uma cicatriz no rosto. Sempre sorria para Katharine quando passava. Isso lhe causava arrepios de repulsa. A gravidez estava chegando ao fim,  logo Katharine não poderia mais evitar.  Teria de ser mais uma prostituta daquele lugar, ou seguir rumo às ruas de Londres. 
Ao por do Sol, as garotas  acordaram. Katherine tomava banho junto com  Vanessa. Elas se lavavam na mesma banheira. Vanessa há havia ajudado quando. Tirou ela da  rua. Lhe dava dicas sobre o lugar, sobre como se dar bem. Depois do banho,  Katharine ajudava a Vanessa com suas  roupas.  Vanessa ia trabalhar e Katharine ia dormir no armário de vassoura, um quarto cheio de coisas que ficava nos fundos da parte térrea. Era o único lugar realmente seguro para ela.
A doce e inocente Katherine ... A crença no amor ainda a resistia em seu coração.
- Tem um jovem  senhor na cidade - disse Vanessa se perfumando em frente ao espelho.
- Ele é só mais um, não é? - o tom de Katharine enquanto vestindo a sua camisola era de desdém.
- Não, Kate. Ele é diferente - encarou Katharine ao dizer.
Durante aquela noite, apesar de estar muito cansada, o sono de Katharine foi tumultuado. Teve a impressão de ver alguém no seu  quarto. Mas o topor a impedia de reagir. Ela via olhos  cinza que a observavam.
Acordou de manhã, sonolenta. O dia parecia ser um sonho. Até aquele momento em que Mme Inês mandou chamá-lá. Naquele momento foi como se acordasse. Ele tinha algo  que devia dizer para a Mme Inês. Muito embora não lembrasse o que era.
- Katharine, querida! Há quanto tempo não  te vejo.
A senhora abraçou Katharine. Mas o fato era que foi sua própria escolha manter distância de Katharine. Ela não lhe dava lucro. Era um peso morto. 
Katharine apenas a observava.
- Sei que temos um trato. Mas um senhor muito distinto quer vê -la. Ele está interessado no seu estado especial. 
- Quer que eu me deite com alguém, apesar de estar grávida? 
- O homem só quer conversar. 
- Eu não tenho um quarto - retrucou. 
- Ele irá receber você em sua casa. Você vai se vestir com este vestido, que ele deixou para você, e irá até a casa do Lorde Uriel Garret. A carruagem já está te esperando.
Katharine estava pensando em rejeitar, mas a menção do nome, fez Katharine lembrar do que deveria dizer para a Mme Inês. 
- Sim, senhora. 
Entrei na carruagem conduzida por um senhor elegante. Desci em frente a uma mansão na movimentada Londres. A porta da frente dava para a rua. A sala de recepção era imensa. Havia uma escadaria que a certo ponto se dividia em dois dando acesso as duas alas superiores. Fui levada para uma sala lateral onde sentei em um lugar do jogo de sofás. E esperei... Cansei e comecei a andar pelo cômodo.
Apesar de ser uma mansão de cidade e muito mais luxuosa e adornada que a dos meus pais, me lembrava um pouco de casa. 
Olhei pela janela, para o céu azul cobalto e sua imensa lua cheia. Nunca mais havia visto a lua. Nem me lembrava da última vez. Senti o bebê chutar e levei a mão para a barriga.
O que será que estou fazendo aqui?
Mordi o lábio insegura e baixei o olhar para a minha frente, na sala. Um semblante jovem me contemplava divertido. Os olhos cinzas... Tinha o olhar sobre os lábios que eu mordia. Endireitei a boca e sorri sem graça.
_ Me desculpa, a demora _ estendeu a mão em minha direção, que peguei _ Sou o Lorde Uriel Garrett.
_ Katherine _ olhei para o chão lembrando que fui proibida de usar o meu sobrenome _ Só Katherine.
_ É um nome digno de uma rainha _ se curvou beijando a minha mão.
Levantei o rosto encontrando o seu olhar. Soltou a minha mão e me indicou o sofá. Caminhou para a adega enquanto eu sentava no sofá. Voltou com uma taça para mim e um copo de whisky para ele. Sentou a minha frente, me dando total visão dele.
Provei da bebida mais por nervosismo que por sede.
_ O seu bebê parece saudável. 
Passei a mão por ela sentindo o bebê mexer. Mordi o lábio insegura sobre o destino dele. Percebi que eu fazia muito isso. A insegurança era a minha única certeza.
Me irritei sobre estar aqui, neste lugar que me fazia sonhar com um passado perdido. Bebi da taça para não falar nenhuma besteira. Era licor, o que ele me ofereceu como bebida. O mesmo que eu costumava beber escondido desde criança na minha antiga vida.
_ O que a senhorita acha que está fazendo aqui? Faz alguma ideia sobre os meus motivos?
Olhei para o lindo jovem carismático, com a voz suave e jeito amável, seguro de si de um modo que nem mesmo os homens maduros conseguem ser. Não era um frequentador de prostibulos. Não pelo mesmo motivo dos outros.
_ Não my Lorde _ respondi de cabeça baixa, com muito medo de me decepcionar nas minhas conclusões.
Um criado entrou _ A mesa está posta, senhor.
_ Obrigado.
O Lorde Garrett levantou, recolheu a minha taça pondo sobre o móvel e me ofereceu o seu braço, que aceitei  me levantando. Me conduziu pela casa até a imensa mesa. A minha boca encheu d'água. Era a minha comida favorita.
Duvidei das muitas coincidências daquela noite. Encarei o meu anfitrião, que esboçava um leve sorriso de quem começava a se fazer entender.
Sentamos e eu me servi prontamente e animada, foi só quando ia começar a comer que notei o seu prato vazio. Bebia uma taça de vinho. Me senti mal e hesitei.
Sorriu surpreso com a minha reação e se serviu comendo a primeira garfada diante de mim. Só aí, eu jantei contente.
Limpou a boca e se concentrou no seu vinho.
Depois do jantar, me levou para conhecer a mansão. Terminamos no terceiro andar em frente a uma imensa área aberta que simulava um jardim com muitos vasos de plantas e a lua cheia, que ficava divinamente visível dali.
Estava distraída com a vista, quando um flor branca me foi oferecida. O jovem Lorde sorriu de novo, mas agora estava muito mais perto. Peguei a flor com um sorriso tímido. Estava nervosa sobre não saber o que eu fazia aqui, sobre o que ele esperava de mim, e sobre o que eu perderia nisso tudo. Agora, só me restava a minha alma.
Aqueles olhos cinzas contemplaram todo o meu coração, pude sentir o gráu da minha exposição no brilho do seu olhar há vinte centímetros do meu. 
_ O que o senhor quer de mim my Lorde? Eu não tenho muito a oferecer _ indico a barriga tão bem alinhado dentro daquele vestido.
_ Companhia é o que eu quero, Katherine. Quer saber o que eu tenho? _ afirmei _ Você _ deu um sorriso de a vida é assim.
_ Como assim?
_ A Mme Inês te vendeu para mim. 
Minhas bochechas queimaram e lágrimas rolaram pelo meu rosto. Senti um dedo do Lorde sobre o meu rosto, colhendo as minhas lágrimas, levou à boca.
Continuou.
_ Não é tão ruim, Katherine. Você pode cuidar desta casa como se fosse sua. Comandar os meus empregados, organizar festas, fazer parte da mais distinta sociedade, aquecer a minha cama _ retirou um anel de diamantes do bolso _ E carregar o meu sobrenome e título.
_ Você me quer como esposa? Ficou louco? Eu sou uma perdida.
Gargalhou divertido e me olhou ainda sorrindo _ E quem não é? _ esperou que eu concordasse com ele. Assenti. Colocou o anel no meu dedo _ Ficou perfeito, Katherine. Você nasceu para o matrimônio. Mas pode rejeitar a minha proposta e voltar para o prostibulo.

_ Porquê eu, my Lorde?
Me recompunha do pranto olhando para baixo envergonhada por ter mais uma vez levado uma rasteira da vida, e ter me tornado uma escrava. O que seria do bebê que criava vida e forma dentro de mim? Como eu poderia lhe dar algo quando eu não era sequer dona de mim?
_ Para você, é só Uriel _ me convidou a sentar no banco de jardim com um gesto _ Porquê você lembra de alguém próximo há alguém que eu amei _ hesitou e olhou para o vazio entre ele e o horizonte _ Que eu ainda amo _ falou me fixando ao seu olhar _ Não te prometo amor. Eu nunca poderia. Mas se você me fizer companhia eu posso fazer o mesmo por vocês e um pouco mais _ acariciou a minha barriga _ É um menino forte e obstinado que você traz aí dentro. Ele pode conquistar o mundo se decidir que quer.
_ Como sabe? _ perguntei achando que brincava comigo.
_ Sei porquê ele me disse _ riu do meu queixo caído ao ouvi-lo _ Acho que devo te mostrar o seu quarto. Ele também disse, que vocês dormem cedo.
Levantou e deu um passo.
O pânico tomou conta de mim. Eu me deitaria com o Uriel agora, com esse corpo? Com o filho de outro dentro de mim? Eu estava em pé me detendo para não dar um passo.
O Uriel caminhou até mim e se inclinou para falar em meu ouvido _ Katherine?
_ Sim _ sussurrei imitando ele, embora um pouco confusa, pois não tinha ninguém aqui para nos ouvir.
_ Me conta em segredo, o que você acha de mim?
Olhei para ele analisando-o, me sentia engraçada pois os homens tem o dom de se acharem o máximo, mesmo quando não são, e presumem que nós mulheres concordamos com eles, e nunca perguntam isso.
_ Acho que você é um sonho. Me agrada em tudo, e agradaria até a mais exigente das damas de Londres.
Gargalhou _ Jura?
_ Sim _ soei o mais sincera possível.
_ Se isso é verdade... E se não for, vou logo dizendo que você é uma ótima mentirosa. Meus parabéns! Mas... Se isso é verdade, por quê foi que os seus pés colaram aqui, neste ponto do piso aonde estamos agora, quando você pensou que fosse dormir comigo?
Me assustei com a pergunta _ Porquê... olhe para mim?
_ Não parei de olha-la desde que você chegou aqui.
_ Este corpo lhe é desejável?
_ Este é o seu problema! _ riu divertido _ Sim, Katherine. Esse corpo é lindo. E me é desejável _ me ofereceu o seu braço, que eu peguei, e começamos a caminhar _ Mas você ainda não me disse “sim”. Por isso, você vai dormir no quarto de hóspedes _ sorriu.
Chegamos em um lindo quarto com decoração feminina. Havia uma camisola sobre a cama e chinelos de inverno no chão perto da cama.
_ O quarto foi preparado para você. Tem roupas e calçados no armário. Espero que você goste. Se precisar de algo, peça para as moças que viram acorda-la pela manhã.
_ Está tudo ótimo _ corei por toda a consideração que recebi do nada, desde que cheguei naquela casa _ Obrigada.
O Uriel me abraçou amigavelmente e beijou a minha testa passando a mão pela minha barriga _ Boa noite aos dois _ fechou a porta atrás de si mesmo ao sair.
Logo em seguida bateram na porta e eu abri pensando que o Uriel tivesse esquecido algo. Mas eram duas garotas de uniforme.
_ Boa noite, my Lady Katherine _ disseram entrando _ Vamos ajuda-la a se preparar para dormir.
E assim fizeram. Me ajudaram a trocar de roupas, pentearam os meus cabelos. Uma terceira moça me serviu um chá calmante para me ajudar a dormir. Os lençóis eram tão macios e cheirosos!
Tomei um café da manhã farto. O Uriel parecia muito irritado com a claridade, como se estivesse de ressaca. Nem fingiu interesse pela comida desta vez. Bebeu duas xicaras de chá e mais nada.
_ Odeio manhãs e dias ensolarados! _ foi o que ele respondeu quando eu comentei.
_ Tem uma resposta para mim? _ foi a sua segunda frase depois de um bom dia.
_ A resposta é sim.
O tempo passou muito rápido para mim. Durante estes dezoito anos eu fui feliz, fui senhora, nunca escrava. O meu filho, Lui teve um grande pai. Nunca entendi o fato do Uriel nunca comer nada solido depois da minha primeira refeição aqui. Assim também como nunca entendi que ele nunca se demorasse na cama há noite. Mas, na verdade, isso nunca interferiu em nada.
Estive doente e parti em paz, sabendo que o Lui estava em boas mãos.

Numa Noite Sombria Where stories live. Discover now