beber vida

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Deslizou as costas dos dedos pelo meu rosto ao soltar meus lábios.

_ Você sentiu prazer, assim como eu, mas a sua mente não estava aqui. Está pensando em me deixar?

_ Seria uma boa possibilidade, Lui. O meio termo perfeito. Esta é a escolha que não pede uma ação e nem causa sofrimento. Só precisa esquecer daquela noite. Como se não tivesse acontecido. Como se você nunca houvesse me encontrado.

_ Se eu não tivesse te encontrado você estaria morta!

_ Mas você não estaria sofrendo!

Virou de costas pra mim e se afastou uns passos. Estava muito aborrecido. Se afastou com medo de me machucar.

_ Mas que ideia tola e absurda! _ esbravejou com um som terrível e animalesco, virando pra mim, o seu olhar era cruel e brilhava com um sentimento... Ódio? Lui me odiava pelo que disse.

Medo era tudo o que senti por um segundo, mas era o Lui. Ele cortaria o próprio braço antes de levanta-lo para mim.

A palavra "garota" soou como se eu fosse uma criança. Era assim que ele me via? Apesar de tudo?

Ficou em silencio. Alguns momentos se passaram antes que eu tivesse coragem de falar.

_ Lui... fala comigo? _ pedi.

Tinha que faze-lo entender que não era a minha vontade, mas era uma possibilidade valida. O cheiro do veneno sairia do meu organismo com o tempo ou eu teria que fazer uma transfusão de sangue, mas havia uma saída que não o obrigava a transformar a mulher que ele amava em algo que ele odiava.

_ Não odiaria você se fosse como eu. De fato, nem acho que odiaria os vampiros como odeio agora. Haveria beleza nessa espécie terrível. Só por sua causa. Às vezes me esqueço de como o amor humano é frívolo. Eu te vejo envolvida por mim, tão apaixonadamente, e viajo na ilusão de que o seu amor é como o meu. A verdade é que não é. Em duas semanas sem me ver, você se esqueceria do que sente agora, e do meu rosto... qualquer coisa relacionada à mim ficaria turva pelo tempo. Seria possível para você, Helena, me esquecer totalmente em um mês.

_ Não.

_ Trinta e sete anos de vida. Você teve um noivo há dez anos. Qual é o nome completo dele?

Eu não me lembrava. Não lembrava de nada relacionado à ele, que não fosse uma mania irritante que ele tinha, de morder papel amassado quando não tinha nada pra fazer. Mas era diferente, so um relacionamento conveniente, movido pela solidao. Mesmo sendo amor, sobrevivemos. Entendi o que o Lui quis dizer.

_ Antes de te encontrar eu sentia a sua falta. Eu só sentia a sua falta. Imagine como seria, andar todos os dias durante duzentos e dezesseis anos, sem o que te faz viver, e sem nenhum alivio para a dor de viver sem um motivo. Eu não posso e não vou esquecer o dia em que te reencontrei. Renasci naquele dia. Especialmente porque agora o seu amor, ainda que fraco, pertence à mim _ se aproximou de mim segurando as minhas mãos nas suas _ Você não pode fugir. Nunca. Eu não permito que vá... não permito que me esqueça. É bom que aceite que você me pertence.

_ Isso é loucura. Lui!

_ Isso é amor, Helena. É assim que eu te amo. Você é tudo pra mim.

Não sei o que havia de errado comigo, quando ouvia essas palavras da boca do Lui, eu me sentia feliz. Me sentia amada. Eu deveria entrar em pânico, quando um ser impossivelmente mais poderoso que eu, reclama a minha posse.

_ Por que eu sofro com a ideia de te transformar? Porque você vai mudar radicalmente, de algo que eu já amo, para algo que apesar de ser eterno, pode de fato me deixar. O meu sentimento não vai mudar nunca, por isso eu vou sofrer. Não será mais minha como é agora. Poderá escolher outro vampiro entre aqueles que já amou em outras vidas.

_ Você está falando do Marcos?

_ Estou falando do Will. E de outro que você ainda não conhece. Você foi esposa do Will em uma vida anterior. O Will te ama como eu. Ele te transformou, mas você morreu.

Amar o Will? Não seria impossível. De fato, seria fácil. Mas o fato também, e muito bem ressaltado, é o de que amo o Lui neste momento. Como o Marcos havia dito, o amor que sinto no momento seria eternizado.

_ Não sente medo que eu escolha outro, Lui. Você apenas duvida que eu te amo. Porque escolhi outro no passado, você tem medo que a historia se repita.

_ Sentimentos humanos não resistem a transformação. Tem que ser real.

Peguei a sua mão e coloquei sobre o meu peito para que sentisse o meu coração.

_ Sente isso? _ suspirei _ O meu primeiro e o meu ultimo pensamento são seus todos os dias, ao deitar e ao levantar. E todo o tempo em que meu coração pulsa desde a primeira batida, desde que eu Helena nasci foram e são seus. Não amei ninguém antes de você, e teria morrido sem conhecer amor algum, se você não tivesse me salvado, de todas as maneiras naquela noite. Você e perfeito, de um modo que ninguém nunca será. Simples e naturalmente perfeito. O meu mundo era cinza, você o coloriu. Não me diga que não e real! Porque se isso não for real, nada mais faz sentido. 

Vi suas lágrimas caírem ao me ouvir. Ele sentiu como eu me sentia. Sei que meu próprio rosto estava molhado.

Seu corpo me envolveu em um abraço ferrenho de possessão. Seus lábios estavam em meu pescoço.

Estávamos acima da água, pairando no ar.

Lancei o olhar para um horizonte de primeiras estrelas, e uma imensa lua alaranjada.

Senti o prazer inicial e medo doloroso da morte em seguida. Fraca... muito fraca...

Dizem que a morte e solitária... Mas eu não me sentia assim... A morte era o meu amante. Sentia seus lábios bebendo-me direto do meu próprio coração. Bebia a alma do meu corpo e minha vida. Gota a gota me esvaí até não restar quase nada de mim. A sensação de morrer era calma... tranquila. Sentia paz.

Vi Lui rasgar acima do peito do lado esquerdo, perto do ombro. Moveu a minha cabeça até minha boca tocar o seu peito ali. Nunca provei nada mais agradável ao meu paladar.

Era como beber vida...

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Numa Noite Sombria Where stories live. Discover now