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Desembarquei em São Francisco por volta das duas da tarde, enquanto esperava na esteira pelas malas, pensava em como seria o meu encontro com meu pai. Ele era a pessoa que mais me conhecia no mundo e eu sabia que não conseguiria esconder os últimos acontecimentos dele embora quisesse muito agir como se os últimos seis meses não tivessem me mudado tanto.

Após a chegada de minhas malas, as apanhei e caminhei pacientemente até a saída do aeroporto. Papai já me aguardava do lado de fora da pickup, ele me ajudou a guardar minhas coisas no carro e só depois me aninhou num abraço apertado que durou menos do que eu realmente precisava. Papai me olhou por uns segundos depois que nos afastamos e eu pude perceber o exato momento em que ele notou que algo de errado havia acontecido.
O caminho até em casa só não foi mais silencioso por causa da coletânea da Aretha Franklin que ele gostava de escutar comigo, eu me sentia em casa, a voz potente da minha cantora favorita preencheu o ambiente e fez o ar pesado evaporar.
Papai me olhava de canto as vezes e acariciava o alto de minha cabeça sempre que possível. Antes de descermos do carro quando chegamos em casa, ele estacionou, respirou fundo e se voltou para mim.

- Papai, eu...

- Eu estava com saudades. - Disse ele, me interrompendo. - Sei que algo de errado aconteceu, mas tenho certeza de que você agiu da melhor forma possível. Quero aproveitar a companhia da minha filha, podemos conversar sobre isso depois, ok?

- Tudo bem. - concordei, a voz denunciando as lágrimas que ameaçavam cair.

Nós fizemos um grande jantar, Call e Bob, seus amigos que me conheciam desde pequena, nos visitaram também, eles me trouxeram presentes dignos de tios. Jogamos Monopoly, The Game of Life e Clue até bem tarde, consegui entender porque sentia que não precisava de amigos quando estava em casa, eu tinha os melhores coroas de São Francisco como parceiros.
Em um dado momento, quando Call e papai foram lavar as louças do jantar, Bob me perguntou sobre Choi.

- Seu pai disse que ele parecia um bom rapaz.

- É, ele parecia. - Murmurei enquanto arrumava os jogos nas caixas.

- Então não era como você imaginou? - Bob me sondava. Ele era o meu tio preferido, sabia disso, mas também era o mais assustador. Era duas vezes maior que eu e um pouco mais que papai, Call era o menor deles, mas tinha os maiores braços. Os três eram militares aposentados e serviram juntos.

- Fiz um bom amigo lá também, vocês todos iam gostar muito dele, se chama Louis. O pai dele também é militar.

- Você mudou de assunto, Pumpkin. - Call falou logo atrás de mim, papai o seguia e me lançou um olhar receoso. Eu sabia que ele não queria puxar o assunto mas seus amigos, que me consideravam como uma filha também, não deixariam passar. Retribuí seu olhar, tranquilizando-o.

- Papai não queria que eu contasse agora, mas vocês não vão me liberar também, não é? - Os encarei e notei em suas expressões duras a confirmação do que eu já sabia. - Ok. Choi me gravou fazendo... coisas com ele sem que eu soubesse. Louis descobriu, me contou e eu terminei com ele. Fim. - Soltei o ar com um pouco de alívio. - Claro que ele apagou os videos antes de me contar, ele conseguiu se livrar de tudo. 

Tentei me manter impassível, mas saltei assustada depois de escutar o som de um vidro se quebrar e notar logo depois de que se tratava do copo que papai tinha em sua mão. Ele estava sangrando, mas não se importava com isso, me dispus a ir até a cozinha para pegar o pano para estancar o ferimento, ele não se moveu quando fiz.

- Esse Louis... - murmurou, apertando sua mão suavemente na minha - Por favor, agradeça a ele por mim.

- Vou fazer, papai. Me perdoe.

- Eu gostaria de ouvir isso do pivete que fez isso com você, Pumpkin - Disse Call, a voz forte ainda mais grave.

- Eu gostaria de ouvir o som dos ossos dele se partindo, isso é o que eu gostaria de ouvir. - Bob rosnou, socando nossa mesa de centro.

Nesse exato momento a tela do meu celular acendeu próximo a ele, a imagem de Mason estampada nela, meu olhar voou de papai para a mesa e ele assentiu para que eu atendesse. Voei até a mesinha e peguei o celular, atendendo logo em seguida.

- Ei... - ele soava apreensivo do outro lado da linha.

- Oi, não é um bom momento.

- Está com seu pai? Ele já sabe? Desculpe não ter me despedido.

Ouvir sua voz me fazia bem, senti meus ombros até então tensionados se relaxarem.

- São muitas perguntas. Tudo bem, podemos nos ver quando eu voltar.

- É o tal do Louis? Preciso agradecer a ele, Ann. - Papai falou alto o bastante. Neguei com a cabeça para ele e fechei os olhos com a certeza de que Mason havia escutado.

- Acho que temos um herói - Ele murmurou. - Concordo com seu pai, talvez eu precise comprar um presente para aquele cara. 

- Não terminei de contar as coisas a eles mas já tenho um ferimento leve para cuidar e uma mesa de centro prejudicada. Meus... tios também estão aqui.

- Você se machucou?!

- Não, meu Deus, Mass, por qual tipo de pessoa acha que fui criada?

- Ah... me desculpe. Bem, volte para o seu pai. Nos falamos depois. Você me chamou de Mass... - Sua voz entregava um sorriso que eu conhecia bem. 

Só então notei que havia verbalizado seu nome com um pouco mais de intimidade. Mordi o lábio, era só um apelido, ele era tão bobo as vezes.

- Isso não foi nada demais. Estou indo. Tchau.

Desliguei antes de escutar sua resposta, papai e Bob me encaravam com expressões interrogativas, revirei os olhos pros dois e me retirei do cômodo a fim de encontrar os materiais para fazer o curativo de um dos gigantes teimosos que me criaram.

Quando os dois finalmente foram embora, papai me deu um abraço apertado e ficamos por horas aconchegados um no outro, ele disse que me amava e que tinha orgulho de mim, eu chorei como se tivesse seis anos e ele me aninhou ainda mais em seus braços. Nossa relação sempre foi muito confortável, papai fez questão de fazer isso acontecer, talvez porque soubesse que eu precisaria disso muito mais do que as outras meninas que eu conhecia. Naquela noite eu dormi como uma filha amada que poderia descansar sem culpa, mas também como uma amiga muito querida.

As três semanas em São Francisco foram deliciosas, Call e Bob não saíam de perto de mim em nenhum momento, nós fomos ao boliche, pescamos e bebemos juntos no bar favorito deles também. Encontrei alguns colegas do colégio enquanto caminhava pelo bairro, eles falavam comigo como se nunca tivessem me ignorado durante todos os anos que vivi ali. Segundo papai, eu era como uma lenda para o nosso ginásio pois havia conseguido passar em uma universidade de prestígio do país, ele fez o caminho de casa de modo que passássemos pela frente do colégio um dia, para que eu pudesse ver a grande faixa com o meu nome que havia la. Era louco imaginar que a um tempo atrás ninguém sequer me lançava um olhar.

No dia em que eu tinha que embarcar de volta para Nova York, Bob, Call e Papai se apertaram na pickup, eles se recusaram a me deixar sozinha e não foram embora até que eu desaparecesse do outro lado do portão de embarque. Minhas bagagens estavam cheias, mas por conta do excesso de carinho e amor que recebi em casa, eu voltava mais leve. Estava morrendo de saudades dos meus amigos queridos. Mas o reencontro com uma pessoa em específico me deixava mais ansiosa e eu sabia que não era a única.

P.S. I Need YouOnde histórias criam vida. Descubra agora