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Cora grudou o corpo contra a parede lateral do El Chupacabras, esperando. Segurava as alças da mochila com força, tentando não tremer muito com o frio cortante de Catslake City. 

Analisou o movimento da rua. Ainda era cedo e várias lojas estavam abertas. Havia gente andando pela calçada, o que fazia com que se sentisse mais segura. Agora que resolvera enfrentar a situação, achava que estava mesmo passando mal. Se soubesse o que iria acontecer, não teria tomado aquela piña colada.

Demorou cerca de cinco minutos para o garoto japonês surgir através da porta, os braços enrolados em volta do corpo. Ele olhou para os dois lados da rua antes de também se encostar na parede. 

"Sei que você deve estar assustada. Mas ainda preciso conversar com você."

"Certo..."

"Como falei semana passada, eu preferia ter essa conversa num lugar mais seguro."

Cora estudou com cautela sua resposta. Não queria estar na capa dos jornais do dia seguinte, a "garota assassinada por levar um estranho para casa". Pessoas idiotas morriam assim.

"Não vou falar com você longe de outras pessoas. Eu não conheço você."

O garoto deu de ombros:

"Podemos ir para um lugar com outras pessoas, mas onde ninguém nos escute. A confeitaria onde você mora ainda está aberta?"

"Provavelmente não. E você não pode ir lá. Chamariam a polícia."

"Bom, temos que ir a algum lugar, antes que seus amigos ou o seu namorado percebam que você ainda está aqui parada na porta."   

Ele falava baixo e observava a rua atentamente enquanto Cora raciocinava. Estava ficando muito frio ali fora. E foi justamente o frio que lhe deu a ideia:  

"Tudo bem, tem uma pista de patinação no gelo daqui a umas seis quadras, onde eles servem sanduíches ou algo assim. Ficam abertos até bem tarde nas sextas e sábados."

"Ótimo." disse o garoto, estendendo o braço à frente num sinal para que Cora começasse a andar.

Os dois caminharam todo o percurso sem dizer nenhuma palavra, apenas ouvindo o barulho das botas na calçada de pedra. Cora ainda se sentia enjoada, e a cada passo esquadrinhava os arredores à procura de rotas de fuga, testemunhas ou policiais em serviço, mantendo uma distância saudável do garoto.

A Ice Cliff Skating Rink não era lá grande coisa. Consistia em uma construção quadrada com uma área aberta no centro, onde ficava a pista. Ao redor dela, separadas por uma parede de vidro, mesinhas e cadeiras plásticas de aparência deplorável. Nos dois extremos do espaço, balcões de atendimento de onde saíam cafés, cervejas, sanduíches e porções de batata assada. A pista estava até bem cheia (Cora estivera contando com isso), com crianças segurando a mão de seus pais, grupinhos de adolescentes risonhas, alguns casais apaixonados aqui e ali. Bem no centro do rinque havia um rapaz, vestido inteiramente de preto, a camiseta de uma banda de rock qualquer aparecendo pela abertura do casaco. Ele estava usando fones de ouvido e patinava quase de olhos fechados, a cabeça balançando freneticamente no ritmo de alguma música que só ele podia ouvir. 

Cora escolheu uma mesa bem na beirada da pista, e o garoto sentou na cadeira de frente para ela. Uma garçonete vestindo um pavoroso uniforme laranja e azul se aproximou perguntando se eles iriam querer pares de patins ou algo para comer. Ela tinha uma voz tão impaciente e parecia tão contrariada por estar trabalhando naquele horário, que Cora não conseguiu fazer mais que pedir um café. A garçonete anotou alguns rabiscos num papel pardo e se retirou.

"Bem bacana aqui." disse o garoto, sorrindo.

"Pelo menos investiram em aquecedores para a parte de fora da pista. Da primeira vez que eu vim, era impossível ficar sentada."

Dons de Inari - Parte IWhere stories live. Discover now