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"Vamos lá, vocês dois. Estamos chegando."

A voz de Fergus afastou os passageiros de seus devaneios. Cora sentiu que a caminhonete diminuía a velocidade, sacolejando por um caminho de cascalho até parar completamente. A claridade quase os cegou quando o homem barbudo abriu a porta traseira do veículo, um sorriso estampado no rosto.

"Pronto. Estão entregues."

Saltando do carro, Cora jogou a mochila por cima dos ombros. A primeira coisa que notou foi o jardim, primorosamente cultivado, que aparentava cercar toda a área de cascalho onde haviam estacionado. Ao fundo, no fim da trilha, havia um portão de ferro desgastado. Mas foi apenas quando virou, de frente para o carro, que vislumbrou a casa.

Apesar de 'casa' ter sido a primeira palavra a se formar na mente de Cora, 'mansão' seria uma definição bem mais apropriada. A imponente habitação possuía três andares e incontáveis janelas com moldura de madeira. A construção era predominantemente retangular, sustentada por grossas colunas brancas enfileiradas ao longo de toda a fachada, criando uma espécie de varanda cuja base era ligada ao solo por três degraus baixos, igualmente brancos. A porta ficava bem no meio, escura e pesada, em formato de arco. Banquinhos e vasos floridos estavam espalhados pela extensão do terraço.

"Uau..." Haru deixou escapar, em pé a seu lado. "Estão realmente investindo em vocês."

"Agora imagine o que elas poderiam fazer se estivessem sempre unidas assim" comentou Fergus distraidamente, colocando as mãos nos bolsos.

Cora ainda olhava embasbacada para o lugar.

"Isso é como...é como estar num livro da Jane Austen."

O barbudo sorriu:

"Apreciadora de Austen, Cora?"

"Bastante."

"Então vamos entrando, a casa é ainda mais impressionante por dentro. Estão esperando sua chegada."

A menina engoliu em seco e sentiu a barriga vazia de repente. Até então, Cora não havia conhecido nenhuma kitsune. Bem, tecnicamente ela era uma representante da espécie, mas não se considerava como tal. E havia criado um estereótipo bastante específico sobre as outras kitsunes em sua mente, mulheres sempre tão inteligentes e donas de si. De alguma forma, sentia-se intimidada pela perspectiva de estar frente a frente com uma delas.

Fergus acionou uma pequena campainha lateral. O som pareceu se expandir infinitamente no interior da casa, ao mesmo tempo em que Cora prendia a respiração. Haru aproximou-se e piscou para a garota, esbarrando levemente em seu ombro:

"Está tudo bem. Boa sorte."

Um rangido baixo foi ouvido assim que a porta entrou em movimento, revelando uma pequena fresta. Um rosto feminino os espiava lá de dentro. Era uma mulher por volta dos 30 anos, cabelos louro escuros presos num coque e óculos redondos de aro grosso. Deu um sorriso amplo para Fergus, escancarando a porta, e se dirigiu aos dois convidados:

"Da última vez que nos vimos você era um garotinho bem menor que isso..." olhou para Haru de cima a baixo, virando-se logo depois com a mão estendida para a menina ruiva. "E então essa é Cora. Fico feliz em conhecê-la."

"M-muito prazer."

"Meu nome é Sofia. Vou ser a responsável por você durante a iniciação."

Cora não sabia que tipo de resposta deveria dar para uma afirmação como aquela, então apenas sorriu amarelo e balançou a cabeça concordando.

"Vamos entrando, vou mostrar os quartos. Fergus, Mahira quer falar com você, está no segundo andar."

O homem revirou os olhos e passou pela porta, deixando o grupo para trás. Sofia fez um gesto com a mão para que os outros dois a seguissem. Suas feições ainda apresentavam o sorriso encantador com que recebera os visitantes.

"Ela é uma kitsune?" Cora sussurrou com a boca quase fechada para Haru.

"Quatro caudas."

O interior do casarão também seguia a proposta vitoriana que Cora encontrara na parte externa. O piso era recoberto por tacos longos de madeira escura, forrado com tapetes. As paredes eram cor de creme, cheias de detalhes e acabamentos intrincados, e a mobília parecia ser bastante antiga. Um aparelho de chá de aparência muito cara estava disposto sobre uma mesinha de canto e um belíssimo lustre pendia do teto, refletindo a luz que entrava pela porta aberta.

"Aqui embaixo temos as salas de convivência, a cozinha e alguns escritórios. A decoração original foi mantida, por isso pedimos que vocês façam o máximo para que continue assim" Sofia riu, alcançando o primeiro degrau de uma escada em mármore. "Mas os andares superiores estão completamente reformados, vocês vão ficar bem confortáveis."

Subir a escada foi como atravessar um portal no tempo. O segundo andar era exatamente o oposto do térreo, com um estilo colorido e moderno, o chão de carpete cinza. Havia uma sala central, aparentemente deserta, e um corredor comprido repleto de portas de madeira. Sofia os guiou com graciosidade até a segunda porta à direita.

"Este aqui vai ser o seu quarto, Cora. Vou dar um tempo pra você se aclimatar, está bem?" disse ela, girando a maçaneta. "Leve o tempo que precisar, tome um banho, tente dormir um pouco. Tem comida sobre a escrivaninha. Amanhã de manhã você será apresentada às outras garotas."

Cora agradeceu e entrou em seus novos aposentos, enquanto Sofia continuava pelo corredor com Haru nos calcanhares, os dois conversando baixinho.

A suíte designada à Cora era ampla, com janelões por onde a luz do sol penetrava com facilidade. O quarto havia sido planejado para comportar duas pessoas, irmãs talvez. Haviam duas camas, duas cômodas, duas escrivaninhas e um guarda-roupa duplo. Como não encontrou sinal algum de uma segunda ocupante, Cora apenas deu de ombros e se acomodou na cama mais próxima da janela, cuja escrivaninha continha uma bandeja tampada.

A menina respirou fundo, absorvendo os detalhes daquele que seria seu novo refúgio por sabe-se lá quantos meses. Brincava distraidamente com a alça da mochila, ainda presa em seus ombros. Estava zonza com o turbilhão de informações que havia recebido, mas pelo menos agora cada fibra de seu ser acreditava piamente nas palavras de Haru. Aquilo tudo era real. Kitsunes eram reais. E apesar de Sofia não ser exatamente o que esperava encontrar, ela havia conhecido uma raposa em carne e osso, bem na sua frente! O que era bem assustador, já que a implicação lógica da existência de kitsunes era o fato de que ela, Cora, também era uma delas.

Toda sua vida até então havia seguido um roteiro, onde Cora planejava cuidadosamente cada passo. Mesmo em suas decisões mais arrojadas, como a mudança repentina para Catslake City, a garota sabia o que estava fazendo, sabia onde pretendia chegar. Só que agora o futuro não passava de uma grande tela em branco. Estava sendo levada pelo fluxo de acontecimentos, uma sucessão de surpresas. E quem seriam as outras garotas? Não sabia se estava pronta para conhecê-las na manhã seguinte.

Cora levantou-se, disposta a tomar um banho, comer e, dentro do possível, pegar no sono. Eram coisas simples e banais, que ajudariam a manter a calma. Mas quando deu o primeiro passo em direção ao banheiro privativo, viu um pequeno vulto através da janela, se movendo nas beiradas do jardim. Aproximando-se para espiar melhor, Cora percebeu tratar-se de um segurança, os braços para trás, o uniforme impecável, andando pra lá e pra cá ao redor do perímetro. Uma arma estava presa junto à sua cintura.

"Estão sempre pensando em segurança" disse para si mesma, lembrando que Fergus ainda não havia devolvido seu telefone. Contra o que diabos precisavam se proteger tanto?

Dons de Inari - Parte IWhere stories live. Discover now