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Já fazia uma semana desde que Cora descobrira a real identidade do tanuki, e o clima entre ela e Haru continuava esquisito. Evitavam ficar no mesmo local e trocavam poucas palavras. Quando o faziam, era apenas para evitar suspeitas, proferindo um "bom dia" ou "obrigado" ocasional.

A situação a incomodava cada vez mais. Sua perna entrara em um ritmo franco de recuperação, e sem a dor para incendiá-la, a garota observava pouco a pouco a raiva se transformar em angústia e arrependimento. Queria pedir desculpas por tê-lo chamado de monstro, queria que pudessem conversar melhor sobre o que fazia dele um tanuki. E acima de tudo, queria perdoá-lo.

Mas o problema era tomar a tal da iniciativa. Amaya tornava-se mais irritantemente brilhante a cada dia que passava, sendo o centro das atenções em quase todas as atividades do treinamento. No jantar, a novata fazia questão de manter Fergus e Haru (mas mais especificamente Haru) ocupados, revisitando cada uma de suas conquistas no dia. O rapaz sempre a felicitava, incentivando seu progresso, antes de acrescentar alguma gracinha que fazia a mesa inteira sorrir. Ou pelo menos, quase a mesa inteira.

Cora prometera a si mesma que não tomaria a iniciativa nesta reconciliação. Baixaria a guarda, falaria normalmente, mas esperaria que o rapaz desse o primeiro passo. Afinal, ele já parecia estar bastante bem, certo?

"E pouco me importa se o nome disso é ciúme" repetia para si mesma.

Naquele dia específico, as meninas estavam na sala de ginástica, as mãos apoiadas nos joelhos, cobertas de suor. Sofia havia acabado de sinalizar o fim do treino, e todas tomavam fôlego antes de juntar suas tralhas e colocar o máximo de distância possível entre elas e aquela câmara de torturas. Mas antes que a última toalhinha fosse recolhida, Mahira surgiu pela porta, caminhando lentamente com os braços pra trás. As garotas se alinharam instintivamente, formando um semi círculo ao redor da tutora. Era estranho que Mahira estivesse ali.

"Tenho um desafio para vocês."

Em outras circunstâncias, a palavra 'desafio' poderia soar tentadora dentro de um grupo de amigas. É o tipo de coisa que instrutores de acampamento de verão falam o dia inteiro. Mas na voz de Mahira a coisa ganhava toda uma nova camada de significados. E ali, cansadas e descabeladas, um desafio era a última coisa de que precisavam.

"Vocês já estão treinando há vários dias" prosseguiu Mahira. "E estão ganhando uma boa familiaridade com a cultura do clã e nossas habilidades. Mas precisamos lembrar que tempo é algo crucial aqui. Vocês precisam concluir a iniciação o quanto antes e ganhar uma nova cauda."

Cora prendeu a respiração. A segunda cauda tornara-se uma espécie de tabu entre elas. Não faziam ideia de como a transformação acontecia, ou o que as instrutoras estavam esperando que as garotas fizessem. Reconheciam que o treinamento as deixava mais ágeis e espertas, conectadas com a natureza e com seus próprios espíritos, mas não conseguiam enxergar o limiar que separava uma cauda de outra. O que precisariam fazer? Era algo que precisavam descobrir sozinhas? Mahira e Sofia nunca comentavam nada. A única pessoa que poderia fornecer ao menos uma pista era Amaya, que aprendera muito com sua avó. Mas Amaya...bem, ninguém queria dar o braço a torcer e perguntar algo a ela.

"Achamos que vocês já possuem conhecimento suficiente para colocar algumas coisas em prática. As raposas iniciadas de modo tradicional costumam acompanhar suas preceptoras no dia a dia, exercendo suas habilidades em cenários reais, aprendendo conforme a necessidade. Pensando numa forma de emular esse conhecimento, já que vocês estão confinadas nesta casa, estabeleci um desafio."

Mahira parecia agora quase ansiosa em anunciar a ideia.

"Cada uma de vocês será responsável por tomar um objeto de valor de uma de suas colegas. Obviamente, devem tentar fazer com que seu alvo sequer perceba a falta de seus pertences, mas é de extrema importância que o alvo ao menos não saiba qual de vocês culpar. Estarei esperando no café da manhã de amanhã que me tragam alguma coisa."

Dons de Inari - Parte IOnde histórias criam vida. Descubra agora