EPÍLOGO

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O jardim carregava o cheiro úmido da terra preta, recém adubada. Sua mão passeava por cada fresta da parede de pedra recoberta pelo musgo, gelada da chuva. As plantas nos vasos cresciam indecorosamente verdes, sem mácula. Folhas e ramos, galhos e raízes, formando um padrão tão intrincado quanto as veias azuladas sob sua pele.

Ela gostava de ir até ali para pensar. Mais que isso, ela ia para relembrar.

Quando o vento atravessou o pátio e veio rolando até o jardim, balançando árvores e arbustos, fechou os olhos, dolorida em ouvir aquela melodia. Sempre que ficava sozinha, reclusa na paz de seu jardim, o sentimento voltava. Será que algum dia seria capaz de lidar com aquela perda? Será que poderia ter feito diferente?

Uma lágrima solitária escorreu por seu rosto, seguindo o rastro das muitas rugas. Limpou-a com um gesto ágil, forçando-se a retomar uma postura digna. Sua posição exigia isso. Ela era a força de todo o resto.

Em tempos de crise, como os que estavam acontecendo, ela não podia se dar ao luxo de demonstrar fraqueza. Se ela não acreditasse, quem acreditaria?

Porém, no fundo da alma, em lugares como seus travesseiros ou o centro daquele jardim, ela só conseguia sentir culpa. Um fardo pesado e frio que carregava havia muitos anos. Tinha certeza de que Inari a estava punindo por suas escolhas, por ter faltado com suas responsabilidades. Ela merecia. Havia feito uma escolha, a melhor escolha. E agora aceitaria sua punição. Mas chorava, em silêncio, pelo destino de todas as outras.

A morte de Narumi mudara tudo. A morte de Narumi condenara o clã inteiro.

"Kyubi Sama?" uma voz fina quebrou o silêncio. Uma jovem pálida num quimono laranja, com os cabelos negros presos em coque, a chamava. Tinha os punhos cerrados atrás das costas e mantinha os olhos grudados no chão, em sinal de respeito. "Sua presença é aguardada."

A velha virou-se lentamente. Seu semblante era terno, equilibrado. Quem a olhasse, jamais imaginaria a devastação emocional que habitava seu interior. Por fora, era uma mulher ancestral, uma raposa prateada. A líder do Clã. A portadora das Nove Caudas. A prova viva do quão refinada poderia se tornar a arte da dissimulação. Seu sorriso era cálido e firme, seus olhos irradiavam benevolência.

"Diga que já estou indo, minha querida."  

Dons de Inari - Parte IWhere stories live. Discover now