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Café da manhã, mesa posta. As meninas desceram aos poucos, trocando olhares acusadores. Mahira e Sofia pareciam ser as únicas a não sentir o imenso silêncio que envolvia a sala. Haru e Fergus limitavam-se a comer sem fazer alarde, numa tentativa de parecerem invisíveis. Amaya tinha os olhos grudados em Cora, que lhe devolvia a expressão com a mesma intensidade e interesse. As duas haviam sentado uma de frente para a outra.

"Todas aqui?" perguntou Mahira, assim que a última das garotas, Eloise, tomou seu lugar à mesa. A menina ainda apresentava um hematoma roxo na maçã do rosto.

"Suponho que todas, com exceção de Eloise, foram bem sucedidas em suas tarefas. Meus parabéns por isso. Agora, antes de começarmos a entregar os pertences, gostaria de saber se alguma de vocês seria capaz de acusar uma pessoa por um furto...Alguém?"

Nova troca de olhares.

"Ela roubou uma fotografia da minha avó" disse Amaya, apontando decidida para Cora. A ruiva sentiu o mundo encolher enquanto todas as atenções voltavam-se para ela. Instintivamente buscou contato visual com Haru, mas o menino apenas desviou o olhar de volta para o prato. Abriu a boca para tentar explicar a façanha da noite anterior, sendo prontamente interrompida por Amaya:

"Você não tinha o direito de pegar essa foto" A novata parecia estar pegando fogo. Seus olhos brilhavam de um jeito doentio e as laterais do maxilar contraiam-se num contraste com o rosto harmonioso.

"Porque não?" perguntou Cora. "Este era o desafio, Amaya. Não fiz nada de errado."

"Era uma coisa muito pessoal. Você tinha o quarto inteiro à disposição, dezenas de objetos. A foto estava bem escondida. Você SABIA que era algo muito pessoal" Amaya levantou-se, inclinando o corpo em direção à Cora, as mãos afastadas pressionando o tampo da mesa. "Você não tinha o direito de pegar algo assim!"

E no fundo, Cora sentia que não tinha mesmo. Desde o momento em que colocara a imagem no bolso, fora inundada pelo sentimento de estar fazendo algo errado. De estar invadindo algo que não lhe cabia ver. Mas a sensação de tantos olhos sobre ela a deixava cega para a culpa. Abaixar a cabeça perante o tom de Amaya faria com que parecesse vulnerável, menos capaz. Ela sentiria vergonha. Seu plano brilhante, o perigo que passara na janela, tudo seria reduzido à um estratagema mesquinho.

Não, aquilo não poderia ser tratado com um pedido de desculpas. Aquilo era uma disputa de dominância. Era puro instinto.

"Mas quanta hipocrisia..." Cora também levantou. "Você também roubou de mim."

Amaya não amoleceu, apenas sorriu de lado.

"Roubei, mas essa não é a questão. Não estou reclamando do roubo em si, estou reclamando do objeto que você levou."

"E porque você acha que a estátua não era importante para mim? Só porque não estava escondida?"

Amaya franziu a testa por um segundo, antes de rir alto, jogando os cabelos pra trás.

"Está falando da raposa em cima da sua cômoda?" ela parecia quase se divertir. "Você acha que foi isso que eu levei?"

Cora foi pega de surpresa, perdendo por apenas uma fração de segundo sua expressão de desafio. Mas Amaya era rápida, conseguindo identificar o breve recuo da adversária. Apoiou os cotovelos na mesa, chegando ainda mais perto da ruiva, e mordeu os lábios com satisfação:

"Não foi isso que eu peguei, Cora. Você faz alguma ideia do que foi que eu levei?"

Cora não fazia.

Amaya tirou uma carteira plástica do bolso da calça e jogou sobre a mesa. Era um porta-documentos. Dentro dele, um tanto borrado pela camada plástica, mas ainda assim visível, estava um passaporte e uma pilha de outros documentos. Um deles com a inconfundível foto de Cora estampada.

Dons de Inari - Parte IWhere stories live. Discover now