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As três primeiras semanas passaram como uma flecha. Todas as manhãs as garotas acordavam cedo, tomavam café e seguiam com o treinamento. Apesar da euforia provocada pelo primeiro Kotai em meio às arvores, as meninas logo descobriram que assumir a forma de raposa não seria sua única atividade.

A maior parte do tempo, na verdade, era gasta com aulas. Ou, na percepção de Cora, com a transmissão de conhecimentos "peculiares". No segundo dia de treinamento, encontraram a sala de meditação repleta de mesas compridas, onde repousavam inúmeros vasinhos de tamanho variado, cada um contendo uma muda de erva diferente. Havia ainda uma mesa exclusiva para cogumelos e cascas de árvore. Mahira passara horas explicando todas as propriedades das plantas, obrigando-as a cheirar, provar e identificar cada um dos vegetais. Cora descobriu possuir uma espécie de talento nato para a botânica, aprendendo rapidamente a produzir diversos tipos de chás e unguentos. Desde então, as meninas eram enviadas constantemente até o jardim lateral da mansão, onde poderiam cuidar das plantas enquanto Mahira as sabatinava sobre o correto uso de cada espécie. Fergus costumava apreciar bastante a atividade. Encostava-se em alguma parede ou tronco e permanecia ali, rindo abertamente das jovens que passavam suando e com as roupas sujas de terra em busca de mais um regador ou de um novo saco de fertilizante.

Quando tornaram-se relativamente hábeis com as plantas, foi a vez de Sofia fazer com que aprendessem conceitos básicos de Política, Artes, Filosofia, Ciência e sobretudo, História. O mais interessante era que, ao contrário da metodologia apresentada nas escolas, Sofia misturava todas as matérias sem ordem aparente, se prendendo apenas a curiosidades e fatos inusitados. Muitas vezes passava horas defendendo com veemência determinada doutrina, para no dia seguinte descontruí-la totalmente, apontando suas falhas. Cora não sabia ao certo qual o objetivo do exercício, mas imaginava que teria algo a ver com senso crítico, pois a cada dia as garotas envolviam-se mais em debates acalorados durante o jantar, sobre praticamente qualquer assunto. Amelia se destacava quanto ao embasamento dos argumentos, mas Leonora irradiava uma atmosfera nata de confiança que seria capaz de convencer qualquer um a acatar suas ideias.

Mahira também as ensinava sobre as lendas das antigas kitsunes, contando histórias sobre raposas cortesãs que manipulavam com maestria homens poderosos. Sobre desventuras amorosas de kitsunes que eram abandonadas pelos maridos quando estes descobriam seus segredos e também sobre lendários Kotais, presididos por mais de cem raposas. Conta-se que a energia era tão grande que afetava os sonhos dos camponeses, e estes praguejavam assustados contra demônios que vinham atrapalhar seu sono.

Era interessante observar como Mahira se transformava ao contar estas histórias. Sua voz, geralmente constante e desapaixonada, ganhava nuances completamente novas. Ela conseguia passar diversas emoções e entonações a cada frase, e seu olhar negro transmitia uma empolgação contagiante. Cora não conseguia deixar de sentir-se como uma criança, ansiosa pelo desfecho de cada lenda, pendurada em cada palavra. Não fazia ideia se o que Mahira falava tinha alguma base histórica ou não passava de puro folclore oriental, mas isso pouco importava.

As garotas também eram incentivadas a fazer exercícios. Geralmente em atividades que exigiam o máximo de equilíbrio, flexibilidade ou resistência. Se possível, as três coisas combinadas. Sofia as havia apresentado a uma nova sala, repleta de aparelhos de ginástica, nos fundos da mansão. Aprenderam rapidamente a odiar o lugar.

"Sinto que estamos para entrar em alguma seita ninja" disse Edith certo dia, enquanto permaneciam dependuradas de cabeça para baixo em uma barra de ferro.

"Tenho certeza de que vamos receber sabres de luz amanhã" respondeu Cora.

Fazia apenas três semanas, mas já conseguiam sentir a musculatura enrijecendo. O apetite de Cora aumentara e seu sono estava mais regulado. Começara a observar melhor os sinais de seu corpo e a sentir-se conectada com seu organismo.

Dons de Inari - Parte IOpowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz