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A manhã de sábado começou para Cora com o toque insistente de seu celular. Lydia estava preocupada com a saúde da colega, e pior, extremamente mal humorada por ter sido deixada sem notícias a noite inteira.

"...e como é que você sai assim sem nem me avisar? Marco não sabia explicar direito o que você estava sentindo. Custava ter me mandado um sinal de vida quando chegou?"

Cora precisou se desculpar uma dúzia de vezes, além de pensar num convincente relato sobre sua suposta intoxicação alimentar.

Quando finalmente conseguiu terminar a ligação, sentou na cama e respirou fundo antes de levantar. Havia concordado em reencontrar Haru naquela manhã e ainda estava pensando se fizera mesmo a coisa certa. Mas também, o que poderia ter feito quando sua vida havia tomado um rumo tão estranho nos últimos dias?

Enquanto separava as roupas do dia, repassou todas as conclusões a que chegara até então. Isso ajudava a mantê-la calma e sã, como se estivesse se justificando para alguém mais sensato do que ela.

Em primeiro lugar, decidira que Haru não era uma má pessoa. Talvez fosse maluco, talvez a tivesse confundido com alguém e talvez não fosse boa ideia apresentá-lo aos amigos, mas não iria machucá-la. Lembrou do sonho de raposa. Kyubi Sama não havia lhe dito que já confiava no garoto mesmo sem saber?

Sua segunda conclusão era ainda mais esquisita. Descobrira que sua mente parecia muito animada em acreditar na história sobre as kitsunes, mesmo que não achasse nenhuma explicação racional para as coisas que Haru dizia. Era como se seu subconsciente estivesse empolgado em crer naquilo tudo. E sempre que tentava dizer a si mesma que kitsunes não eram reais, sentia-se estranhamente triste.

Terminou de se vestir e deu uma última olhada para a estátua de uma orelha só. A raposinha agora repousava na cômoda ao lado da cama, como uma prova de que o mundo de Haru podia mesmo ser verdade. Desceu as escadas para a Sugar Granny, contrabandeou alguns pãezinhos doces de Frank diretamente da cozinha e se pôs a caminho.

A parte comercial de Catslake havia se desenvolvido em volta de três ruas principais que se encontravam em uma pequena praça circular, com banquinhos de pedra e uma fonte central. Nestas ruas, todos os prédios e casarões eram obrigados a manter suas fachadas originais, que era o caso da Confeitaria. Algumas árvores haviam sido preservadas, projetando sombra sobre as mesinhas de um café de esquina. Passarinhos de peito alaranjado esvoaçavam por entre os galhos, aproveitando cada um dos raios de sol para combater o frio.

Cora adorava andar por aquelas ruas. Estavam sempre cheias de gente pelas manhãs, a pé ou de bicicleta, fazendo compras ou lendo jornais na pracinha. Os poucos turistas que paravam em Catslake também se aglomeravam por ali, para tirar fotos ao redor da fonte.

Num dos banquinhos ensolarados, avistou Haru. Quase não o reconheceu sem o rabo de cavalo, os cabelos soltos caindo espetados por cima dos ombros.

Ele sorriu quando Cora se aproximou, fazendo sinal para que se sentasse a seu lado.

"Tive minhas dúvidas se você ia mesmo aparecer por aqui."

"Ah, eu também tive!"

Haru percebeu que Cora estava diferente hoje. Seus ombros estavam menos tensos, os dedos não estavam flexionados e os olhos pareciam bem mais vívidos que na noite anterior. Até a roupa dela estava mais leve, sem o casaco marrom, os cabelos acobreados livres sob a luz do dia. Era a primeira vez que a menina estava verdadeiramente tranquila em sua presença. E isso o deixou aliviado.

"Então você resolveu acreditar em mim?"

O olhar de Cora se perdeu por entre as pessoas que passavam caminhando com suas sacolas, mas ela não estava realmente enxergando. Quando falou, confessava algo para si mesma.

Dons de Inari - Parte IМесто, где живут истории. Откройте их для себя