Converso com uma pessoa morta.

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      ─ Você está bem? ─ Kate pergunta.

      Sentei na cama, levando a mão à cabeça, tentando entender o que aconteceu. Olhei para a pequena janela do quarto e vi que a noite ia solta lá fora. Mirei a porta. Não havia luz e tudo restou silencioso.

      ─ Que horas são...? ─ inquiri.

      ─ Aqui é proibido ter celular, então não sei direito. Não temos relógio, mas deve ser quase quatro da manhã ─ respondi indo para a cama dela.

      Atônita, eu deitei na cama de novo. Para mim, eu tinha dormido apenas alguns minutos. Como dormi até madrugada?

      ─ Não se deixe levar por pesadelos.

      Franzi a testa, respondendo:

      ─ Eu não disse que tive um pesadelo. Como sabe disso? ─ Ela balançou a cabeça, sorrindo de leve.

      ─ Novata, desculpe-me, mas simplesmente tem coisas que você não consegue ver. Não consegue ouvir. Não consegue perceber. Eu consigo. Tem muita coisa que existe que você não iria querer saber. Acredite, não há coisas bonitas do meu lado. Nem nessa casa e se você continuar pensando em se matar, não terá do seu lado também. ─ Ela disse isso com tanta certeza, que eu recuei um pouco.

      ─ Como?

      ─ Eu sei de tudo. Eles me dizem ─ arqueei as sobrancelhas, sentando novamente, assustada. ─ Sobre o que está falando?

      ─ Sei do incêndio. Sei que nem tudo é o que parece nessa história toda. Sei que você irá sair daqui muito antes do que imagina. Sei que você ainda vai encontrar tanta gente... E ser traída por tantas outras...

      ─ Ouço-a falar. Afasto-me a cada palavra, perdendo o ar, às vezes. ─ F... Fique longe... Fique longe de mim! ─ Exclamei quando ela tentou se aproximar. Ela fechou a cara e sentou na cama dela.

      ─ Desculpe-me. Eu não devia ter dito isso. Agora você nunca mais vai querer ficar perto de mim. Como os outros. Vai me descriminar, por eu ser estranha assim ─ franziu a testa, tensa, mas o que ela disse sobre meus pais me preocupou...

      ─ Você... Você não é estranha. Desculpe ter reagido assim. Eu só me assustei. Eu não disse a ninguém do incêndio.

      ─ E que você desconfia de assassinato. Sim, eu sei disso também. ─ Tentei não gritar e sorri sem graça.

      ─ É... Isso também. ─ Ela sorriu, apontando para o canto da sala.

      ─ Quero que conheça Taylor. Ela é a única entidade do bem que habita essa casa. Ela me ajuda quando fico triste. ─ Sigo na direção que ela aponta, mesmo que eu não quisesse ver.

     Olhei para a parede, tentando ver algo de anormal. Não havia nada. Volto-me para Kate. 

      ─ Kate, eu não... Vejo nada ─ sorri forçadamente.

      ─ Não imaginei que realmente fosse querer vê-la. Diga você mesma "Tem alguém aí"? ─ Ela vai aparecer para você. Olhe para a parede. ─ Aquilo era ridículo. Sim, era. Eu me sentia ridícula. Suspirei, virando para a parede.

      ─ Tem alguém ai? Em um momento pavoroso, nada aconteceu. Foi em fração de segundos que a parede adotou uma tonalidade clara e uma cor branca com rosa foi tomando a forma de um delicado vestido, logo depois, apareceram duas mãozinhas e, logo em seguida, os braços. A parede foi se desbotando para um tom amarelo, e logo em seguida, apareceu um rosto suave e alegre.

      E estava na minha frente, uma mulher de cabelos loiros, vestido branco e rosa. Estava descalça.

      Meu sorriso murchou lentamente. Olhei para o fantasma e olhei de novo e de novo sem acreditar.

      ─ Olá, Taylor. ─ Ouço Kate cumprimentá-la.

      Taylor a olhou sorrindo e se aproximou um pouco. Apesar de toda aquela luz ela pareceu angustiada.

      ─ Kate ─ cumprimentou-a com um gesto de cabeça respeitoso. Em seguida se voltou para mim. ─ Sam, não se preocupe tanto. Sua mãe está bem. Ela não disse sobre meu pai, mas também eu não me dava bem com ele. Só não conseguia me importar com ele como me importava com minha mãe, o que rendeu brigas longas e intrigas desnecessárias. Todavia não significava que ele não fosse da família. Tivemos momentos bons também.

      ─ Sabe dos meus pais? Onde eles estão? Podem dizer-me se foram assassinados? ─ Ela ergueu uma mão suavemente, interrompendo-me sem que eu visse.

      ─ Eles estão em bom lugar. Acredite, estive com eles. Estão bem.

      ─ Mas... Foram assassinados? ─ Sam falou.

      ─ Isso é uma coisa que não posso dizer. ─ A entidade enfatizou.

      ─ Se eles tivessem sido você me diria? Eles foram assassinados? ─ insisti.

      ─ Você é uma garota inteligente. Guarde sua inteligência para o que está por vir, e não para o que já passou ─ rebateu, enquanto ergui uma sobrancelha. Ela me passava muita confiança, mesmo que um tanto insegura. Era um conselho inteligente, até. Só um pouco cruel. Eu queria saber se foi afinal um acidente.

      ─ Conselhos são cruéis! ─Taylor me tirou de meus pensamentos. ─ Às vezes eles são tão verdadeiros que desrespeitam nossa dor.

      ─ Eu acho que... Você está certa. ─ Eu disse, apesar de contrariada.

      O fantasma sorriu, voltando-se para Kate.

      ─ Tenho que ir. Não posso ficar muito tempo. Tenho que voltar para aquela... Escola. Estão cada vez mais aprontando por lá.

      Kate contraiu os lábios e respondeu:

      ─ Sim. Vai lá.

      Taylor sorriu dando um suave adeus, enquanto desapareceu lentamente, deixando o quarto escuro de novo. Suspirei, virando-me para a menina.

      ─ Vamos, volte a dormir. Amanhã o seu dia vai ser cheio ─ disse a Sam, sorrindo.

Tem alguém aí? - Volume 1 Where stories live. Discover now