Paredes têm ouvidos

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A foto rara e antiga que segurava em minhas mãos, era um tanto amarelada, um pouco rasgada nas pontas, e chamuscada, denunciando que tinha sido pega de um incêndio.
Meu sorriso alegre e amarelo, denunciava o quão eu estava feliz, ao lado de meus pais, que me abraçavam, também sorridentes.
Desviei o olhar para meu braço, agora enfaixado, da última vez que estivesse com Agatha.
O quarto de Lolla, frio com a presença de Kate.
Ela me observava, pacientemente.
- Hey, será que posso dizer o que tem naquele sótão, na escola? - Ela perguntou, delicadamente.
Dei de ombros, surrando secamente:
- Eu já sei o que tem lá. - Respondi, sem a olhar. Ela se aproximou de mim, ficando na minha frente.
- É mesmo? E o que tem lá? - A mesma perguntou, na expectativa. Ergui os olhos para ela.
- Os piores fantasmas da escola. Não é? - Chutei, a encarando. Pianista e Taylor. Tinha que ser. Porque mais existiria um comodo escondido na escola?
Kate assentiu lentamente.
- Interessante. Sim, são eles. - Ela disse, coçando o cotovelo. A borda esbranquiçada pelo seu corpo, quase se fazia invisível para mim.
- Eles estão presos lá. Mas estão... - Ela ia completar, mas parou na metade da frase, suspirando.
- Eles querem sair de lá. No dia do aniversário daquele cara de preto. - A mesma completou. Franzi a testa.
- Quem prendeu eles lá? - Perguntei. Ela olhou para a foto, de relance, em minhas mãos.
- O pai do cara de preto. - Kate respondeu. "Cara de preto", era a forma que a mesma se referia para com o Logan. Já que ele andava sempre com uma jaqueta de couro preta, os cabelos pretos, e a calça jeans preta.
- Mas o pai do Logan... Ele é mal. Porque prendeu eles lá? Brigas entre parceiros? - Perguntei, confusa. A menina a minha frente, sentou em cima da poltrona de Lolla, onde havia algumas roupas jogadas, que a fantasma jogou para o chão, com o pé, fazendo certo esforço para conseguir pegar o material.
A cor beje da parede, se misturou com a cor de Kate, quase a deixando imperceptível.
- O pai do cara de preto não é mal. Ele é do bem. - Ela cruzou os braços, fazendo cara crítica.
- Mas Logan disse que... - Falei, tentando entender. Ela me interrompeu gesticulando a mão.
- O pai do cara de preto, era perturbado por espíritos, apenas. Fazia as coisas, sem se dar conta, sem conseguir se segurar. Ele era possuído. - Ela disse, soturna.
Fiz uma careta, largando a foto na cama.
- Claro. O pai do Logan, fazia aquelas coisas, porque estava possuído? - Perguntei, com um toque de deboche na voz. Ela assentiu rapidamente, franzindo a testa.
- É sério! Poxa, você mais que todas, tinha que ter se tocado! - Kate disse, com um pouco de irritação. Abri a boca, depois fechei, intrigada.
- Olha Katherine, não tenho culpa se você sabe de tudo, e que quer me mostrar as coisas. Eu não sou adivinha, e se eu demorar para entender o que você quer dizer, por favor, espere! - Exclamei, seriamente.
Ela parou, me encarando. Acho que nunca tinha visto eu falar seu primeiro nome inteiro.
Fechou a cara, levantando.
- Ótimo, então se eu não tenho paciência para te ajudar, tente se virar sozinha ai. - A mesma rosnou. Ia responder, mas um grito irrompeu pela casa, com um barulho de copo se quebrando no chão.
Arregalei os olhos. Quem estava lá em baixo, eram Logan e Arya... Sozinhos. Sim, ela havia o levado para mostrar o notebook que tinha acabado de ganhar.
Sem dar ouvidos a Kate, pulei da cama, abrindo a porta, esbarrando na parede. Cambaleei para o lado, vendo de relance, algo no canto do batente da porta. Algo... Negro?
Me virei completamente para lá, estranhando. Não havia mais nada. Talvez fosse apenas minha impressão.
Dei de ombros, e desci as escadas rapidamente, segurando atentamente no corrimão, com medo de escorregar com minha meia.
Dei a volta na sala, saindo para a cozinha. Vi a sombra de Logan, que encarava Arya, com fingida cara de preocupação.
Entrei na cozinha, ficando afastada dele, e olhando para os lados. Arya estava encostada na parede, e olhava para o outro lado do cômodo, um pouco mais longe da onde Logan estava.
Um copo quebrado no chão, espalhou água pelo mesmo. Tirei o pé rapidamente quando percebi um caco a centímetros de mim.
- Arya... - Perguntei, olhando para os lados - O que aconteceu? Porque fez isso? - Ela voltou os olhos lentamente para mim, com a respiração acelerada. Logan a olhava, sem mais nenhuma expressão no rosto.
- Eu... Eu vi... - Ela começou, gaguejando. - Vi... Uma criança... - A mesma olhava para o chão, do outro lado da cozinha.
- Eu... Estava bebendo água, e vi... Juro que vi! Uma criança agachada, ali, ali! - Ela foi dizendo, gesticulando para o outro lado.
Contrai os lábios.
- Sim, eu acredito que você viu. Agora conte, por favor, com detalhes. - Pedi, a olhando atentamente. Ela se voltou para mim.
- Era uma criança, agachada, com a boca... Rasgada. Até a bochecha. Vestia uma roupa de palhaço, estava suja, e sangrava. Carregava uma bolinha de plástico, acho que amarela... Ela era muito magra... E aquando e-eu olhei para ela, ela sorriu, abrindo a boca t-toda... Saia sangue de lá, eu juro!!! - Ela disse, gaguejando, encostada fortemente na parede, como se quisesse e proteger.
Engoli em seco, levando a mão a cabeça. Olhei para Logan, que sorriu.
Mas... Era um sorriso diferente...
Um sorriso macabro
Perverso...
Assassino...
Me distanciei dele, indo para trás, alguns passos.
- Arya, eu vou subir. Tudo bem, está tudo bem. Não foi nada, esquece esse negócio, ok? - Disse, em tom tranquilizador.
Ela me olhou, aflita, balançando a cabeça.
- Eu não quero mais ficar aqui, Sam... - Ela sussurrou com os olhos marejados, ainda assutada.
Acenti em silêncio, fuzilando Logan com o olhar, que sustentava o mesmo, sem titubear.
Me virei rapidamente, com o coração a mil, tomando cuidado para não bater meu braço enfaixado em alguma coisa.
Subi as escadas, olhando para todos os lados, prestando atenção em cada fresta das paredes.
Cheguei ao quarto, entrando e fechando a porta, me mantendo virando para ela, tentando respirar.
Solteira o ar, mais calma. Me virei, lentamente. Kate não estava mais lá.
No lugar dela, havia um papel amarelado, em cima da cama.
Franzi a testa. Caminhei lentamente até lá, pegando com a mão tremendo.
Com letras afiadas em garranchos, se encontrava a frase:
"Guarda roupas também tem ouvidos, assim como as paredes"
Abri a boca, sentindo meu coração acelerar. Olhei para o guarda roupa, lentamente.
Na frente dele, não havia nada.
Mas meus olhos desviaram para cima.
Entenda como quiser, mas o que eu vi, era indistinguível.
Uma coisa sorria para mim, com grandes olhos negros arregalados, de cima do guarda roupa.
Soltei o papel, que se espalhou pelo chão.














Tem alguém aí? - Volume 1 Onde histórias criam vida. Descubra agora