Vigilância secreta

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Acordei com a minha cabeça latejando.
A claridade do dia, feria minha visão, fazendo eu apertar os olhos para tentar enxergar.
A primeira coisa que eu vi, foi uma árvore. Depois o céu azul. E ai que fui reparar onde eu estava.
Com os olhos arregalados, encarei o "Chão" que eu estava deitada.
Com horror, eu sentei, e li onde minha cabeça estava encostada:
Aqui descansa em paz, Marco Goldman
68 anos de paciência e felicidade
Seja bem vindo aos braços de Deus
--
Fiz uma careta. Eu estava sentada em cima de uma cova.
Com um nó na garganta, sai de cima dela, e fiquei de pé, com dificuldade. O céu estava cinza, mas ainda tinha alguns raios de sol.
Na verdade, tenho que admitir, eu não lembrava de nada. Nem como eu tinha ido parar ali.
Levei a mão a cabeça. Aos poucos, fui lembrando do que aconteceu na noite passada.
Atônita, olhei pelo lugar aonde eu estava. Meus pés tocaram a terra, e tive a impressão de ouvir algo se partindo... Como ossos se quebrando.
Deslizei a mão pelo braço, e olhei ao redor novamente, tentando me tocar da onde eu estava.
No cemitério. Que eu vi a irmã de Agatha.
Por falar em Agatha...
Rodei pelo cemitério, a procura dela, até pousar os olhos em uma sepultura à minha frente. Ela estava lá, encostada na pedra.
Franzi a testa. Ela parecia bem, apesar de estar um pouco pálida. Os olhos semi cerrados, não emitia nenhuma emoção.
Me perguntei o que eu estaria fazendo ali. Eu lembrava de um senhor que entrava na casa, dizendo que ia nos ajudar... Mas poxa, onde ele está?
- Permita-me que eu me apresente. - Ouvi uma voz grossa e áspera atrás de mim. Um calafrio se passo pela minha barriga.
Eu estava com medo de me virar. Ok, pode me chamar de medrosa, mas sério, depois de ter, provavelmente, quebrado o braço, e batido a cabeça, eu já não queria passar por susto nenhum.
Me virei lentamente, sem ter o que fazer.
Vi o senhor que apareceu para nos ajudar, poucos segundos antes de eu desmaiar. Não sei se foi minha falta de atenção, ou porque eu já estava perdendo os sentidos, mas o senhor agora, parecia mais assustador do que eu tinha visto.
Seus cabelos brancos e oleosos, caiam pelo ombro. O capuz preto cobria parte dele. A pele sardenta do rosto, parecia conter algum tipo de câncer de pele.
O capuz descia até seus tornozelos, de forma que eu não conseguia ver muito bem a roupa que estava usando por baixo dele. Mas consegui perceber uma camisa azul marinho, desfiada, parecia feita por crochê, com buracos esfarrapados nas pontas. Pude ver uma calça preta, igualmente desfiada e suja nas barras.
Entortei o nariz, e segurei meu braço. O que um senhor, com aquelas condições, estaria fazendo ali?
- Meu nome é Marcos. Marcos Goldman. Prazer. - O senhor balbuciou, me olhando atentamente. Hesitei um pouco antes de responder. Sorri, sem saber o que dizer, e balancei a mão que estava boa, sussurando:
- Oi... - Eu olhei para Agatha. De alguma forma, o senhor me dava medo, ao mesmo tempo que não dava. O senhor riu, exibindo a boca com dentes podres.
- O que um senhor como você, está fazendo aqui? - Perguntei, sem pensar muito nas consequências. O mesmo se voltou para o cemitério, e disse:
- Olha minha filha, eu sou o vigilante desse cemitério. - Ele falou, entre uma tosse, coçando a mão. Franzi a testa.
- Porque alguém seria vigilante de um cemitério, senhor? - Eu perguntei, confusa. Ele sorriu misteriosamente.
- Sempre tem aqueles adolescentes vândalos que vem quebrar as sepulturas ou fazer outras gracinhas. Nossos antepassados merecem respeito, não acha? - Ele perguntou, com um toque de ironia em sua voz. Pisquei, e senti de novo, meu braço latejar cruelmente.
- Como o senhor nos achou? - Perguntei, olhando para o lugar, e logo depois, voltando os olhos para a porta entre aberta, da casa de Agatha. Senti um calafrio, e desviei o olhar.
- Aquela casa sempre é muito quieta. Mas agora, quando cheguei de manhã, ela estava estranha. Logo depois, ouvi um barulho de algo pesado caindo, e resolvi olhar. - Ele balbuciou, com a voz arrastada.
Afastei o cabelo do rosto, e perguntei:
- E o senhor me deitou em cima de uma cova? - Minha voz saiu com um tom de repulsa e medo, que preferia ter escondido.
- Foi o único lugar que me permiti a colocar. - O senhor respondeu.
- Eu acho que quebrei o braço quando a escada ca... - Eu disse, mas fui interrompida por ele, que esticou a mão, fazendo eu parar de falar.
- Eu sei, minha filha. Quebrou o braço mesmo. Não sei o que causou a queda da escada, mas o seu braço está quebrado. - Ele sentenciou. Assenti, desconfortável.
Me virei para Agatha, e disse:
- Tenho que ir embora. Minha amiga deve estar preocupada. - O senhor anda, sem pressa pelas pontas do cemitério. A cada passo que ele da, ouvimos um barulho sonoro, de ossos se quebrando.
Suspirei querendo sair dali. Olho para a casa, novamente. Meus olhos se desviam para a sacada, do quarto de Agatha. Sinto um calafrio ao perceber que estava olhando para o lugar onde o irmão dela se jogou.
Passo os olhos pela casa. Tudo parece normal. A parede descascada e sem cor, marcas de mão nos parapeitos mais baixos das janelas, um pequeno palhaço sorrindo cruelmente em uma delas, a escada com grandes bura... ESPERA... PEQUENO PALHAÇO SORRINDO?! - Eu penso, sentindo meu coração acelerar, me voltando para o andar de cima.
Lá estava. Um pequeno palhacinho, sentado no parapeito da janela. Ele sorria, mas de seus olhos pretos sem pupilas, saia sangue. O sorriso rasgava o rosto de uma ponta a outra, e a cabeça estava pendida para minha direção. Parecia um boneco de tamanho normal. Mas minhas suspeitas eram falsas. Não era um boneco.
A perna do palhaço se mexeu vagamente, e a mão subiu para o pescoço, onde estava o botão da roupa colorida, porém com manchas de sangue e com partes sujas.
Arregalei os olhos, e abafei uma exclamação de terror. Não era possível que aquilo era uma pessoa! Era horrível!
O senhor percebeu meu espanto, e se virou para mim, logo depois, se virando para onde eu olhava.
Mas bem quando ele olhou, o palhaço sorriu ainda mais, se transformando em uma sombra, e pulado do parapeito, como uma criança sapeca. Quando ele pulou, dei alguns passos para trás. O senhor se voltou para mim, estranhando minha reação. Provavelmente, não tinha visto nada. Segurei meu pulso, com um misto de frustração e susto.
- Está bem, minha filha? - A voz arrastada do homem se fez ouvir. Minha boca entre aberta não se preocupou em responder.
Ouvi um sussurro doloroso atrás de mim, e me virei, vendo Agatha, já acordada, levando uma mão a cabeça. Ela fez uma careta, como se estivesse sentindo uma dor forte.
Me virei, e me aproximei dela.
- O que foi? - Perguntei, tentando disfarçar meu susto. Ela me encarou, perplexa.
- Quem... Quem é você? - Ouvi ela dizer, confusa. A encarei, atônita. Não. Não poderia ser possível, que ela não lembre de mim.
- Eu? Uê, eu sou a Sam. Você sabe, estávamos juntas até agora! - Eu respondi, analisando sua reação. Ela franziu a testa, e se afastou de mim, olhando onde ela estava e fazendo uma careta.
- Eu não te conheço... Nunca te vi na vida... Como eu vim parar aqui? - Ela balbuciou aos poucos, apertando os olhos, com as mãos na cabeça.
Engoli em seco, me afastando dela, atônita.
Será possível, que no meio disso tudo acontecendo, Agatha perdeu a memória?
Me virei para trás, a procura do senhor. Mas ele não estava mais lá.
Juntei as sobrancelhas, o procurando pelo cemitério.
Meus olhos pararam em cima da cova que eu acordei. Confusa, li sem saber porque, outra vez, o que estava gravado na pedra.
"Marco Goldeman..."
Senti um calafrio. O nome do cadáver que estava enterrado ali, era quase igual ao nome do senhor que nos ajudou, e dizia ser vigilante do cemitério.
Mas... Lendo bem, vi que havia uma letra apagada como continuação de "Marco".
Me aproximei, desconfiada.
Com um arrepio na espinha, li a última letra que faltava. "S".
Marcos Goldman.
Era idêntico ao nome do senhor que tinha nos ajudado.
Arregalei os olhos, com meu coração descompassado, e levantei dali, pegando Agatha sem memoria pelo braço, e a puxando para fora do cemitério.


Tem alguém aí? - Volume 1 Where stories live. Discover now