Sou encaminhado para um cemitério

28.7K 2K 204
                                    

O raro raio de sol batia levemente em meus olhos.
Coloquei a mão em meu rosto, tentando me proteger. Olhei para fora, a claridade do dia entrando pela janela. Finalmente fazia um pouco de sol.
Suspirei, jogando a coberta para o lado, levantando lentamente. Ainda deveria ser cedo, pois a casa estava em total silêncio.
Me perguntei o que mais iria acontecer aquele dia.
Encarei a sala. O vaso branco e amarelo em cima da mesa de vidro, no lado da televisão. O tapete áspero cinza com alguns detalhes brancos no centro da sala. O quadro com uma fruteira pintada em seu centro.
O papel que achei em cima da cama de Lolla, amassado no chão, um pouco a frente da estante, que continha a televisão desligada.
Fiz um biquinho, e levantei, indo em direção a cozinha. Agarrei um copo, o enchendo de água, e levando a boca. Eu estava com fome, mas não queria comer.
Depositei o copo na pia, arrumando o cabelo, sonolenta.
Soltei o ar. Eu não sabia o que fazer. Me apoiei na pia, olhando para o chão escuro, que escondia sua sujeira.
Um caco de vidro estava a centímetros do meu pé, refletindo meu rosto intrigado.
Me abaixei, lentamente, para pegar, mas no momento em que ia tocar no vidro, ouvi um sonoro toque.
Ergui o olhar, e reconheci o toque do telefone fixo da casa. Contrai os lábios para o lado, pensando se deveria atender ou não.
Dei de ombros, e corri para atender. No momento em que me mexi, senti uma dor aguda em baixo do meu pé. O vidro.
Trinquei os dentes. Ha, que ótimo. Agora tinha um braço quebrado e um pé machucado.
Ignorei a dor, mancando apressadamente para a sala, onde ficava o telefone.
Peguei ele, hesitante, olhando para o alto da escada. Apertei o botão, e aceitei a ligação.
O levei a orelha, abrindo a boca, mas parei quando ia falar.
Uma respiração ofegante estava na outra linha.
Intrigada, esperei.
- Lo... Lolla? - Ouvi. Cocei o gesso, segurando o telefone contra o ombro, e respondi, reconhecendo a voz de Luke:
- Não, desculpe, é a Sam. Ela ainda está dormindo. - Silêncio. Franzi a testa. A respiração agitada, e burburinho no fundo da ligação, eram estranhas para mim.
- Luke? Está bem? - Perguntei. Ele demorou alguns segundos.
- Não. - Ouvi por fim, a voz rouca responder. Ergui uma sobrancelha.
- O que está acontecendo? Você está estranho. - Ele não me respondeu.
Apenas ouvi um riso de criança, e algo barulhento bater no chão.
Arregalei os olhos. O que Luke estaria fazendo com uma criança?
- Luke, onde você está? - Perguntei rapidamente, tirando o pé do chão, para aliviar a dor que o vidro causava.
- Na... Cada da Agatha. - Ele sussurrou. Gelei. O que aquele maluco foi fazer ali?!
Bati o telefone, cambaleando para trás, contraindo o rosto pela dor agonizante.
Me arrastei até a cozinha, pegando um pano qualquer, e limpando o sangue que escorria do machucado.
Um rastro dele tinha se formado pela casa.
O pedaço de vidro saiu da minha pele, caindo no chão. Fiz uma careta, pulando, e corri com dificuldade para a sala, subindo a escada de madeira, e adentrando o quarto de Lolla.
Vi no escuro, duas silhuetas de garotas que dormiam, uma no chão, e outra na cama. Pulei no colchão do lado de Arya, que acordou em um tranco, assustada.
- O que foi?! - Sussurrou.
- Luke, está na casa de Agatha. - Expliquei.
- E dai? - Ela franziu a testa e me olhou, como se eu tivesse acabado de acertar um soco em sua cara.
- Você conhece a Agatha! Aquela garota que você levou para o hospital! - Falei, aflita.
- Sim, E DAI? - A mesma respondeu, gesticulando com as mãos.
- E dai que acho que o Luke está em perigo, e você vai me ajudar. - Falei, levantando, puxando ela pela barra da camisa.
- Olha, tudo bem que o Luke é um gostoso da porra, mas desculpa. Não vou atrapalhar meu sono para ir salvar ele da casa da bruxa do setenta e um, valeu? - Ela disse, estridente. Fiz cara de tédio, balançando a cabeça, e a puxando para fora do quarto, fechando a porta atrás de mim.
****

Luke

Concentrei meu olhar na criança com um semblante inocente, à minha frente.
Agatha do meu lado, repetia debilmente:
- É minha irmã! Ta vendo, eu disse, ela existe, não está morta! - Gesticulava os dedos à frente do rosto, olhando a criança sentada no crucifixo gigante do cemitério. Ela me olhava com um ar travesso. A seus pés, uma caixinha de música, riscada. Um ursinho pendurado pelo pescoço em sua mão.
Engoli em seco, me virando para Agatha.
- Agatha, é melhor você voltar para o hospital. Vamos, se descobrirem que você fugiu de lá, vão me matar! Você está sobre efeito de sedativos, vamos, por favor. - Balbuciei. Minhas mãos tremiam apenas em estar naquele lugar, em frente a uma... Uma...
- Não! Não, não to! - Ela rugiu, olhando para mim com olhar feroz.
- Eu quero achar Mari agora! Emily já achei, e irei achar Mari, nem que seja a última coisa que eu faça. - A mesma continuou com voz estridente, demonstrando sua loucura.
- Pelo que eu sei, essas suas irmãs estão mortas, Agatha! - Tentei explicar, vendo que a criança, chamada de Emily, abriu um sorriso perverso, lentamente.
Senti meus olhos lacrimejarem coma densa neblina, que não dava total espaço para o sol.
Emily desceu do crucifixo, me olhando. Caminhou para nós, e eu recuei alguns passos, arquejando.
- ESTÁ VENDO?! COMO PODE, MINHA IRMÃ ESTAR MORTA, SE SUA IMAGEM ESTÁ A NOSSA FRENTE? - Agatha gritou, se voltando para para a criança, que exibia um sinistro sorriso nos lábios.
- Isso mesmo, Agatha. Estou aqui! Venha comigo! Vem para minha casa! - A voz da criança, berrante, ecoou pelo cemitério.
O tempo a nosso redor, pareceu ficar mais frio.
Me encolhi no casaco, tentando me proteger. Emily se aproximou mais ainda, estendendo a mão para Agatha, lentamente. Arquejei, cambaleando para trás, quase rezando para agatha não dar a mão a ela.
Eu tinha que fazer alguns coisa, não acreditava em coisas sobrenaturais, mas aquilo era muito estranho!
Agatha levantou a mão, lentamente, sorrindo abobada.
Os olhos de Emily ficaram negros com a aproximação da mão de Agatha.








Tem alguém aí? - Volume 1 Onde histórias criam vida. Descubra agora