• Familia •

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Antonio ajeitou a manga da camisa preta, que apertava seus braços devido a tensão. Sabia que aquela camisa já não estava mais tão boa como quanto comprou, mas era a mais fechada que o homem tinha por hora. O restaurante dos chalés, era aberto e a vista do mar verde, era deslumbrante perto do meio dia. Antonio tomou mais um gole da água que estava a sua frente e sentiu o líquido gelado descer por sua garganta, e a queimação das bolhas. Desviou seu olhar para dentro do restaurante e viu os três vindo. Roberta, Mario e Wilma, que claramente tremia as mãos sendo aparada por Mario. Roberta chegou primeiro até ele, que se levantou abraçando a mulher. O tempo entregava o quão deturpada estava a memória de Antônio. Em sua feição, haviam as marcas do tempo, principalmente as do riso que mostravam a alegria de anos em sua vida.

- Sentimos a sua falta sapatinho!

O sorriso em seus lábios, era genuíno. Mas a lembrança de Antônio, o fez estremecer. Roberta gritando para o mesmo parar, se controlar, era disso que ele sabia ter acontecido. Apenas isto. Roberta o soltou, e Wilma agarrou o filho. Nada conseguia dizer, apenas o agarrou forte. Puxou a camisa dele em suas costas, ao agarrar com força o filho. Nada precisava ser dito. Antonio sentiu o peso sobre os ombros, e a têmpora latejou em faíscas latejantes. Algo estava vindo em sua mente, mas ainda borrado e sombrio sem poder afirmar os rostos que ali estavam, mas a sensação de calor de sua mãe, traziam a Antonio inquietação. Faltava algo, mas sua mãe trazia com si um perfume adocicado que não era dela. Isso pairou na mente dele, mas sem significado infelizmente. Wilma finalmente soltou o abraço do filho, levando as duas mãos ao rosto de Antonio, limpando as lágrimas que desciam por seu olhar, perdido e confuso, mas era seu filho. Não haviam dúvidas.

- Meu amado, eu esperei por tanto ver você novamente. Meu coração em pedaços, quase desistiu de procurar por você, eu sinto muito por ter quase desistido meu filho. Me perdoa? – As lágrimas de Wilma, correram novamente marcando sua feição. 

- Mãe, não tem nada o que perdoar. Eu a amo, e sei o quanto você me ama. Estamos aqui, juntos de novo. E eu não vou embora mais.

Antonio a puxou novamente, depositando um beijo em sua testa. Roberta se aproximou, amparando Wilma que respirava fundo na tentativa de se acalmar e a levou a se sentar na cadeira ao lado de Antonio. Mario, que apenas observava, começou a rir. Se aproximou de Antonio, socando seu braço devagar enquanto já puxava o lutador para seu abraço. Antonio em um leve tropeço, chegou perto do homem e se abraçaram também. Mario riu mais alto apertando Antonio que começou a rir, logo soltando o mesmo.

- Você achou mesmo, que podia fugir da sua família? Uma hora íamos te achar viu?

- Eu meio que não sabia que estava fugindo, não desta forma!

- Eu sei. Mas você nos deu um susto sabia?! Tá achando que é fácil assim construir uma vida e deixar a gente pra trás?!

- Mario! Se controla! – Roberta chamou a atenção do marido, que abaixou a cabeça entendendo o que havia falado.

- Eu construí uma vida? Como assim? O que eu perdi ainda?

- Nada querido. Vamos com calma, tudo bem?

Antonio sentiu, a pontada na cabeça ir para seu peito. O que ele havia construído e o aguardava? O que poderia existir tão forte, ao ponto de provocar dor em seu corpo por não saber o que era? Os pensamentos vagaram enquanto Mario ria, conversando com Roberta e Wilma segurava seu braço, próximo ao punho. Antonio se virou para a mãe, trocando sua mão por cima de seu braço, e sentiu novamente a pontada. A mãe usava uma aliança, e a memória veio. Antonio lembrou do casamento da mãe, da viagem que fez dias depois para uma luta, a volta ao haras, e Nova York, João, uma nova academia. Era confuso, não sabia qual a ordem dos fatores, mas ele tinha uma academia?

- Então Antonio, o que faz aqui?

- Perdão. O que?

- Nessa ilha. É um paraíso, eu entendo você querer ficar! – Disse Roberta, com o tom cauteloso na voz. – Mas qual sua rotina?

- Ah... Sim. Eu pesco e dou aulas para as crianças de jiu-jítsu na praia. Tem muitas crianças talentosas aqui, que gostam de luta, de esportes, mas não havia alguém instruído mesmo. As pessoas vem, conhecem a ilha, e vão. Parece que eu fiquei por uma razão, mas descobri outras.

- E você se sente feliz? Como tem sido?

- Eu me sentia bem, até entender desta situação. O que fez sentido para outras coisas, como a sensação de que faltava algo. Angela me disse, que a minha última memória, era de quinze anos atrás. Mario brigava comigo, por conta de algo que eu disse no casamento de vocês. Eu já me desculpei com vocês?

- Claro que sim! Aquele dia eu queria muito te matar, até te bati. Mas não durou um mês. Você viajou pouco depois, e eu fui atrás. Você pagou nossa lua de mel e foi pra luta. Então sim, se redimiu por tudo!

Mário voltou a rir. A sensação de ter Antonio de volta, poder conversar com o mesmo, rir com ele, tudo fazia sentido para ele de novo.

- Ótimo. Algo de bom eu fiz! Mas me contem, o que mais veio depois?

Foram horas conversando. Almoçaram, conversaram, mas algo não se encaixava para Antonio. Tudo o que falavam, era até aquela noite, em Nova York. Era o máximo que chegavam, a falar. E da sua carreira, sua aposentadoria finalmente e Antonio sentiu, a pontada de dor no peito. O coração sabia ainda, que faltava uma peça e que ninguém queria dizer.

- Eu fico feliz, de ter vocês aqui. De entender um pouco mais do que houve. – Antonio virou novamente para a ame, segurou sua mão a dele, e abaixou o olhar, como fazia quando criança – Mãe, o que a senhora não quer contar?

Wilma abriu o mesmo sorriso longo e bonito, que Antonio via quando a mãe trazia notícias.

- Filho. Ainda é cedo para detalhes. Tudo bem? Mas tudo com o tempo certo, vai ser dito a você querido. Confia em sua mãe?

- Confio.

Antonio soltou a mão de Wilma, um pouco rápido demais para ela. Foi nítido, a decepção do filho, e que não, ele não confiava, mas não era algo para decidir agora a respeito. Como um sussurro, algo chamou a atenção de Antonio e ele virou a cabeça direto para ela. Ele sabia que ela estava lá, que havia estado ou que iria estar. O arrepio no corpo, a garganta seca rápido demais e o perfume que veio com a brisa, deixava Antonio com a dor no peito e a aflição na têmpora.

- Antonio, alguns amigos seus, também estão aqui. Quer ver eles agora?

- Não. Minha cabeça está doendo, acho que foram muitas informações para agora. Tudo bem se for mais tarde? Ou a noite. Aqui mesmo, eu posso vir mais tarde.

- Claro. Podemos dizer a eles sim. As 20? Tudo bem?

- Tudo bem. Eu vou pra casa, volto mais tarde aqui mesmo. Preciso ir agora.

Antonio levantou e foi em direção onde sentia que ela estava, mas nada encontrou. Talvez, tantas informações o deixaram confuso e um pouco perdido. Era uma peça da própria mente, era isso. Antonio foi até o carro, entrou no mesmo e seguiu direção para casa de Ângela, com a sensação do peso nas costas e o coração vazio.

Amanda estava escondida, no primeiro chalé que conseguiu entrar com Yan nos braços. O garoto correu porta a fora, quando viu Antonio sentado com a Avó e os tios. Ela teve de ser rápida para segurar o menina e sair do campo de visão. Antonio estava próximo, em frente ao chalé e Amanda ansiava com todas as forças correr para fora, para ele. Seu corpo todo estava tremendo, as mãos pareciam ter vida própria, mas não podia ainda. O choque, poderia regredir tudo. Paciência, calma e amor. Era isso que eles precisavam agora. E ela teria, por ele e seus filhos.

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