17. the past is never left behind

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"O silêncio é tão alto
As luzes acendem e piscam
Com monstros muito maiores
Do que posso controlar agora
Bem-vindo ao quarto do pânico
Onde todos os seus medos mais sombrios vão vir até você."

— PANIC ROOM, AU/RA

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NARRADORA

Dizem que nada é mais difícil para uma alma do que ver a esperança de viver aquilo que sonham, evaporando. Lentamente.

E, talvez, aquela criança que morreria para deixar aquele homem orgulhoso, estivesse deixando seu espírito em uma escuridão profunda ao perceber que não seria nada do que ele que sempre quis.

Esta criança se desmanchava sobre um amontoado de carcaças humanas em decomposição em algo semelhante a um poço escuro e frio ao escutar pela milésima vez a mesma lenda que escutara desde que era apenas um feto.

Ele realmente nunca seria nada daquilo que era obrigado a ouvir todos os odiosos e sofridos dias de sua infeliz vida.

Seus dedos pequenos eram ágeis sobre as teclas brancas e moles do piano de madeira escura. Aquela melodia melancólica invadia seus ouvidos e se instalava em seus ossos como se fosse o veneno de uma viúva negra.

Se ele odiasse a música como odiava tudo, com certeza isto lhe causaria a morte. Felizmente, aquela sensação de tristeza se esvaziava toda vez que encontrara um objeto como aqueles.

Era o seu maior segredo; gostar de tocar piano e querer ser um pianista.

Seus olhos diferentes se ergueram diante a imagem que todos naquele lugar eram obrigados a adorar. Ou quase todos.

Ele era o único que não se ajoelhava perante aquela mulher que procuravam desde sempre. Aquela criatura glorificada precisava de preces e músicas melancólicas para continuar viva, como o homem dizia.

Aquele menino preferia apanhar do que dobrar os joelhos para aquela imagem.

Ela não merecia a sua adoração.

Ninguém nunca irá merecer sua devoção.

Fora então que ele se lembrou do que aconteceria horas depois. Um calafrio percorreu sua espinha. Uma nova onda elétrica passeou pelo esqueleto praticamente fraco. Os dedos incorporando uma fúria intensa sobre o teclado. Estava trocando as notas. Não gostariam disto, mas este fato não cogitou passar pela sua cabeça, visto que, se estava tocando para aquela imagem que precisava ser adorada, poderia ser ao menos do seu jeito.

Os dedos dançando avidamente por cima das teclas. Os olhos fechando-se enquanto a obra ficava ainda mais intensa.

Tão belo, mas tão doloroso...

Ele despejava toda sua dor e todo o ódio que sentia por aqueles seres terríveis no instrumento em sua frente. Ele queria pensar nela, mas não conseguia quando estava naquele lugar feito para glorificar alguém que nunca encontrariam.

Tolos.

Fora a última coisa que pensou antes que dedos grandes e raivosos segurassem os fios negros de seus cabelos de tamanho médio com poucas ondulações e os puxassem para trás com tamanha força.

A garganta totalmente desprotegida. Pronta para receber um golpe fatal, do jeito que a criança tanto queria.

A criança escutou um grito aterrorizante, e ele sabia bem de quem vinha o som fino e chato. Abriu cautelosamente os olhos, receoso de encontrar aquele par de olhos amedrontadores antes mesmo de fitar a menina.

BORN IN BLOODWhere stories live. Discover now