Prólogo

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A garota estava andando sobre as pedras arredondadas que lhe formavam uma ponte segura para atravessar o pequeno rio doce, com alguns peixes pequenos correndo de um lado para o outro, seguindo a leve correnteza. Ao redor do rio, havia uma floresta com arvores muito bem cuidadas, como se um jardineiro experiente podasse as plantas e flores.

Era o mesmo horário que ambos marcavam para se encontrar no final de todas as manhãs, também era o único tempo disponível que Sana tinha para despistar os responsáveis que a supervisionavam no orfanato. Nunca foi pega visitando a floresta e nem pretendia ser, ou suas chances de participar da prova acadêmica de cavaleiros seriam eliminadas. Na verdade, a próxima semana seria a ultima oportunidade para a garota conseguir passar na avaliação, vinha se esforçando dia e noite para obter sucesso. Seu desespero se dava pelo pouco tempo restante antes do seu aniversario de maioridade, onde seria mandada para fora do orfanato e teria de arrumar um meio para se sustentar sozinha. Abandonada com 8 anos de idade, a garota guardou as palavras da mãe na cabeça.

"- Nunca dependa de ninguém. Veja eu, uma mulher belíssima que tinha tudo o que queria na palma da mão, mas foi amaldiçoada com uma criança bastarda. Se não fosse por você, eu estaria em uma casa quente, com comida em abundancia, mas já fazem meses que não comemos direito, sempre pulamos alguma refeição e minhas roupas...ah! Nem me lembre delas. Parecem trapos. Não aguento mais! Ninguém aceita se casar com uma mulher que já possui uma criança! É como um peso do qual não pedi para levar. Agora, fique aqui e não saia até alguém vir te buscar. Nunca mais quero ver o seu rosto! "

Sana ainda tentou se grudar na mãe e esperneou para que a mesma não a deixasse ali, sozinha, mas a mulher apenas a empurrou, bateu em seu rosto e correu para longe, encapuzada. Naquele momento a criança tomou uma decisão. Ela cresceria e ganharia tanto dinheiro, tanto, que não precisaria de ninguém, absolutamente ninguem! Saberia se defender sozinha, comprar e vender, saberia suprir todas as suas necessidades, para que nunca ouvisse tais palavras novamente.

- Minha Sanay? - A voz suave que espantava os pensamentos angustiantes da mulher, estava escondida entre folhas grandes. Os cabelos loiros e brilhantes por debaixo da luz solar voaram com o vento, mostrando onde o rapaz se encontrava. - Perdida em pensamentos novamente?

- Nunca consigo fingir para você. - Sana sorriu assim que viu o rosto conhecido, pulando mais algumas pedras, antes de encostar na grama. A garota de cabelos castanhos correu com os braços abertos para receber seu amado. - Demorou hoje.

- Ah...me desculpe, eu estava, sabe, lá em casa, hã...me desculpe mesmo, não voltará a acontecer. - Se enrolar nas palavras era um costume do rapaz, quando escondia algo. Era estranho, mas seu amado não mentia, pelo menos, era péssimo nisso quando tentava.

- Qual foi, me conta a verdade! Vai! Por favorzinho. Hein? - As mãos da menina foram rápidas em segurar o rosto entre os dedos, forçando os olhos esverdeados a lhe encararem.

- Ah, não, não faça isso! - O garoto estava se referindo a carinha de olhos esbugalhados e lábios que tremeluziam, uma expressão de fofura, feita para convence-lo a fazer tudo o que a mesma queria. E sempre dava certo. - Ta bom, ta bom. Eu queria fazer uma surpresa, sabia? Não vai me deixar fazer?

- Não gosto de surpresas! Você sabe disso!

- De vez em quando é legal. - O garoto tentava insistir, querendo surpreender a menina, mas com sua expressão emburrada, soube que o melhor era desistir. - Tudo bem, toma. - Suas mãos mostraram uma caixinha dourada, com um símbolo desconhecido por cima.

- O que é isso?! - Os olhos da menina brilharam com tanta beleza e ouro, a caixinha ser pesada apenas confirmava do que era constituído o material. - Oh, meu Deus, Edrian! Você roubou de alguém?!

- O que?! Não! É da minha família. Gostou? - O loiro soube que fez um ótimo trabalho quando os olhos da moça não desgrudaram mais do objeto. Sua atenção estava totalmente voltada para ele. Aquilo encheu seu coração.

- Se eu gostei? Não tenho palavras! Obriado, obrigado!

- Calma aí, o verdadeiro presente está dentro. Abre. - A noticia arrancou um suspiro de Sana, ao imaginar o que poderia se esconder entre aquela riqueza.

- Ta brincando? Meu Deus, meu Deus! Não posso aceitar Edrian! Olha isso...minha nossa!

Dentro da caixinha, se encontrava um anel grosso e dourado, também pesado. Suas bordas continham desenhos ondulados, feitos a mão, e o centro, ao invés de conter uma joia como os anéis comuns, possuía o desenho de um trevo de 5 folhas. Tudo banhado ao mais puro ouro.

- Nem pense em recusar, minha Sanay! Nada disso é mais valioso do que você. Vou ficar muito triste se o fizer. O importante é ter gostado.

- Eu gostei, mas até me sinto mal em usar. Esse anel é feito para combinar com roupas melhores, talvez uma mulher mais...- Sua fala foi calada por um beijo, os lábios do rapaz encostaram brevemente nos seus, apenas para silencia-la. Já fazia uma semana desde que Edrian quase implorou para que ela o deixasse corteja-la. A menina pensou que o assunto se tratava de um namoro, porém, a única coisa que fizeram foi unir seus lábios em um beijo delicado. As vezes Sana se perguntava em que mundo o loiro vivia, pois seus atos e toques pareciam tão inocentes, desprovidos de malicia.

- Não existe roupas melhores do que as suas, muito menos mulheres melhores do que você. És perfeita para mim. O importante é que tenha gostado, minha Sanay.

- Eu amei, amei mesmo! Mas me diga, de onde veio esse Sanay por quem tem me chamado tanto? O que significa.

- Minha mãe me contou hoje pela manhã, sobre uma flor dourada com o nome de Sanay. Eu disse para ela que você se chamava Sana.

- Contou sobre mim? - Por um momento a menina parou de olhar para o anel, preocupada com a noticia que recebera. Era segredo o encontro de ambos na floresta, para não haver mal entendidos. Sua familia poderia odia-la, na verdade, a garota suspeitava de que Edrian fosse um nobre, o que seria pior ainda para ela. Suas vestimentas, modo de andar e falar eram diferentes demais.

- Não se assuste, eu disse tudo sobre você. Minha familia inteira está ansiosa para conhece-la.

- Me prometeu que não contaria!

- Eu prometi que enquanto fossemos amigos, não contaria. Mas somos ligados, minha Sanay, passaremos o resto de nossas vidas juntos.

Sana sabia que seu amado as vezes delirava naquelas afirmações, já que ele mesmo sabia ser impossível, assim que a menina entrasse para os cavaleiros reais, iria embora dali. Mas cortar sua alegria momentânea parecia difícil demais, então ela apenas deixou-o. E essa decisão custou a floresta inteira, pois apenas alguns dias depois de receber o anel, Sana parou de ir aos encontros e quando Edrian a procurou no orfanato e descobriu que sua Sanay havia partido, todo o local, incluindo aquele edifício e as crianças que ali estavam foi destruído pelo poder da fúria de uma fada. Uma raiva que o próprio menino não pode controlar.

O Beijo Da FadaWhere stories live. Discover now