Capítulo 16

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— Você precisa comer, Edrian! — Juro que aquilo não era uma mania comum em mim, mas pela segunda vez eu me encontrava escondida entre as paredes, ouvindo o que acontecia em frente ao meu quarto, na porta mais próxima. Eu não fazia ideia, mas descobri que o 4° Principe dormia quase em frente ao meu quarto. E por coincidência, Diana estava em frente a sua porta, tentando convence-lo a se alimentar. Eu não podia me negar uma fofoca daquelas e só precisava abrir um pouquinho a minha porta. — Por favor, meu irmão. Só um pouco.

— Me deixe sozinho.  — Era a primeira vez que via Edrian falar em um tom de voz alto e nervoso, mas ainda não estava descontrolado. 

— Precisa se alimentar, ultimamente temos percebido certa fraqueza em você. Sem contar que não participou do banquete. — Diana parecia uma pessoa miserável, apesar de sua posição e espécie. Era como se o mundo estivesse desmoronando na sua frente e ela não conseguia fazer nada. — Por favor, por mim. 

— Deixe a bandeja aí na porta. Vou tentar comer depois de dormir um pouco. 

— Tudo bem, tudo bem! Vou deixar aqui. Ainda está quentinha, se ela esfriar, me avise, voltarei correndo com um prato novo. — Uma simples frase transformou a feição pesada da garota, em uma extremamente esperançosa. — Obrigado pelo esforço, irmão. — Uma pequena criatura com asas se aproximou da princesa, carregando uma toalha felpuda consigo e um pequeno recipiente, que eu chamaria de balde.

— Balde, alteza. Para o príncipe. 

— Obrigada, Tilda. Pode entrar, caso Edrian precise usar o balde, me comunique. — Enquanto Diana falava com a criatura, que deveria ser mais um dos empregados, pensei no para que o príncipe usaria aqueles objetos. Não poderia ser para algum banho, já que se até no quarto de hospedes havia banheira, por que faltaria no dos membros reais?

Uma ideia passou pela minha mente, enquanto eu fechava a porta, com medo de que algumas das duas pudesse me ver. Edrian dormiria em breve e ninguém visitava o quarto do príncipe, pelo menos, não o vi receber visitas desde que fui mandada para aqueles aposentos.  Aquela talvez fosse a única chance que teria de descobrir algo fundamental para tirar o anel ou sobre o que ele significava e como algo tão valioso havia parado no meu dedo. Era errado me aproveitar de alguém doente, mas necessário. O 4° príncipe não teria uma reação tão violenta ou desconfiada quanto seus irmãos, se me encontrasse em seu quarto. 

Me arrumei com o vestido mais simples que encontrei entre as roupas que deixaram no quarto, sem ver a necessidade de usar as que estavam dentro da minha mala. Normalmente minhas vestimentas se resumiam em conjuntos para luta, de couro ou metal. Também não queria que o príncipe me confundisse com alguma assassina. 

Quando Diana já tinha saído, esperei confirmar a presença do corredor vazio e me encaminhei para a porta com detalhes dourados. Assim que empurrei o material, percebi que felizmente se encontrava aberto. Eles não tem medo de serem roubados?  Pensei, estranhando a situação. Que bom, isso facilita o trabalho. Quando entrei, pude logo de cara perceber uma cama de casal enorme e de cor branca, com vários edredons de cor branca. A cama possuía uma cabeceira clara com travesseiro cheios e azuis claros. O quarto em um todo tinha as mesmas misturas de cores, que até combinavam com a aparência de seu dono. A parte central do teto, com símbolos esculpidos, possuía um candelabro que iluminava pouco, com algumas velas acesas e outras apagadas, mas que deixava o ambiente confortável. 

Na lateral do quarto, por cima de uma mesa fina e longa, estava um enorme quadro com uma pintura, com as bordas em ouro puro. O desenho estava rasgado, como se alguém o tivesse tentado destruir, mas a metade dele ainda mostrava o corpo de uma mulher, com fios dourados em suas mãos. Seu rosto não era possível ser visto, mas restara um pouco do canto de sua boca, voltado para cima em um singelo sorriso. O príncipe poderia realmente ser louco, talvez tivesse momentos de violência. O que me fez pensar se era realmente seguro ter escolhido entrar ali. 

— Quem é você?  — A voz feminina, mas arrasgatada, como se estivesse rouca, pertencia a mesma criatura que estava conversando com Diana.

— Oh, olá! Til...da, tilda.  — Talvez se eu mostrasse para ela que a conhecia, poderia ganhar sua confiança. — Fui mandada para ajudar vossa alteza, Edrian. 

— Não avisaram, não avisaram. Isso é bagunça! — No meu ponto de vista, seu jeito de falar era fofo, mas também confuso. 

— Vou cuidar direitinho dele, pode deixar comigo. Qualquer coisa, te chamo de volta.  — Eu sorri, me abaixando com as mãos estendidas para pegar a toalha e o balde.

— Tome! Tilda já volta.  — A mulher me entregou de uma maneira bruta os objetos e saiu andando, com os cabelos castanhos mais parecidos com um monte de galhos secos. Sua altura era baixa, mas não tanto quanto anões. Talvez 1,00 ou 1,10. Entretanto sua corcunda era evidente. A empregada poderia muito bem assustar um pouco. 

— Obrigado! Ah! E a princesa Diana já sabe, então não precisa dizer nada a ela.  — Consegui falar um pouco mais alto, me contendo para não acordar ao príncipe que estava deitado por debaixo dos edredons. — Tchau para você. — Sussurrei depois que a serva saiu e bateu a porta. Ser bruta parecia fazer parte de seu "jeitinho amigável".
 
Antes de qualquer coisa, saí rapidamente do quarto para pegar a bandeja com a comida do príncipe, que havia sido deixada do lado de fora, para coloca-la lá dentro. Aquela seria minha desculpa caso a fada acordasse e eu ainda estivesse ali. 

Com tudo pronto, comecei a vasculhar suas coisas, começando pelas gavetas da cômoda a frente da cama e ao lado de uma lareira de pedras brancas. Haviam duas poltronas em couro de uma cor azul claro, junto com uma mesinha de centro. Quando abri a primeira gaveta, consegui visualizar muitas joias de diferentes tipos, com brilho e formatos diferentes das do mundo humano. O que mais me chamara atenção é que havia uma flor, quase morta, dentro de um globo de vidro fechado, em meio a tantas especiarias. O que uma planta tão simples e feia fazia escondida entre aqueles objetos caríssimos? 

Continuei a bisbilhotar, passando para a próxima gaveta, tomando cuidado com a força em que as abria e fechava, para não produzir sons altos. Na outra encontrei apenas roupas dobradas, mas que pelo tamanho, duvidava serem de Edrian. Ele teria algum filho? Em uma criança talvez os conjuntos coubessem. Com um incomodo no peito, balancei a cabeça, espantando tais pensamentos e passei para a outra gaveta. Encontrei alguns cadernos e até mesmo vidros com poções de cores vivas, sem entender do que se tratavam, além de alguns objetos muito peculiares. Isso deve ser coisa de fada. Ali também se encontrava uma pequena caixinha, em cima de uma caderno branco.

Olhando para os lados, abri o feixo que deixava o caderno trancado, olhando para suas páginas macias e igualmente brancas. A letra que enfeitava cada folha era linda, uma caligrafia surpreendente, sem contar com a tinta de uma cor revolucionaria. Mas a língua escrita ali pertencia as fadas e eu não estava entendendo nem mesmo uma frase. Pelo modo como o objeto estava escondido, deduzi que se tratava de algo esquecido, então guardei o caderno em um dos grandes bolsos do vestido, me focando na caixinha. Martin me seria de grande ajuda para traduzir o escrito. 

A caixinha possuía o mesmo símbolo que o anel em meu dedo e por isso decidi vasculha-la, mas dentro da mesma apenas se encontrava uma corrente dourada e fina, além do interior negro aveludado. Era uma embalagem feita para guardar alguma joia. 

— Por que ele teria uma caixa vazia? — Murmurei para mim mesma, sem entender o motivo de manter algo sem valor. 

— Lembranças.  — A voz suave que chegou até os meus ouvidos conseguiu estremecer meu coração em segundos. Rapidamente fechei a gaveta, quase que correndo e me levantei com a caixinha em mãos, sentindo meu rosto quente. 

— Alteza?  — Foi a única coisa que saiu da minha boca, enquanto eu ainda tentava encontrar coragem para encara-lo. 

— Vire-se, Sana.  — Ele ordenou, com uma gentileza que quase me tentou a negar. Mas não podia esquecer que aquele era um príncipe e uma fada. 

— Tudo bem, estou virando.  — Na minha mente, Edrian estaria com uma lança ou flechas apontadas para mim, mas surpreendentemente o homem se encontrava com uma roupa longa e branca, com os cabelos soltos e sem joias enfeitando seus cabelos ou testa. — Me desculpe, vossa alteza.

— O que faz aqui?  — Seu olhos não estavam me acusando de nada, muito menos seu tom de voz, mas ele parecia curioso de uma maneira genuina. Sua atenção desceu de meu rosto para a caixinha em minhas mãos. — Veja o que encontrou. Que grande coincidência. 

— Me desculpe, vossa alteza.  — Curvei meu corpo depressa,  com medo de irrita-lo, caso fosse uma lembrança muito importante. — Juro que não sou tão curiosa, é que é a primeira vez que vejo o quarto de um príncipe fada e achei...tão diferente. Me perdoe! Fui muito arrogante e desobediente! 

— Não se curve para mim, Sana. Por favor, você não. — Quando levantei minha cabeça, endireitando minha postura, vi sua mão se aproximar de modo hesitante, para alcançar minha mão. E quando raciocinei sobre sua atitude já era tarde demais. Suas iris azuis muito claras se focaram no anel dourado, aberto como nunca antes, quase gritando o selo real. 

Agora eu estou ferrada! O que anda acontecendo comigo?! Quando estou perto dele não presto atenção ao meu redor! Fico fora de mim! Burra! Burra! Burra! Comecei a me xingar mentalmente, com uma vontade de me jogar daquele castelo, antes que Forger me jogasse.

— Não se preocupe, Sana. Não me importo que veja meus pertences. — Seus dedos começaram a circular o anel, como se estivesse hipnotizado pelo acessório. — Mas ainda não me contou o que veio fazer aqui.

É só isso? Sem indagações ou repreensões? Eu estava bisbilhotando seus pertences! Tu é louco?! Tentei ao máximo não fazer uma careta mediante meus pensamentos descontrolados, sem acreditar na reação do príncipe. Também não passou despercebida a forma como ele não havia citado nada sobre o anel ou o interrogado.

— Vim ajuda-lo a comer. — Arrepios suaves subiram pelo meu braço, conforme sentia o leve toque de seus dedos em minha mão. 

— Meus irmãos te mandaram? — Seus dedos pararam e sua mão se afastou. — Eu falei para Diana que comeria depois, não podiam ter feito isso. Falei para não fazerem. — Seu tom se tornou mais raivoso e a calma de antes foi perturbada. 

— Calma, alteza. Eu que quis fazer isso.

 — Meus irmãos não estão envolvidos nisso? — Seus olhos estreitaram para mim, com uma expressão desconfiada. 

— Não mesmo! Juro pela minha vida!  

— Por que?  — Apesar de ter voltado a sua careta neutra, havia alguma emoção estranha passeando pelos olhos da fada.

— Eu...— Suas pupilas piscaram e seus lábios se mantiveram em uma linha fina, uma postura ansiosa pela minha resposta. —...estou aqui para prestar serviços a rainha Taliena, ajudar no que posso me parece o certo a fazer. — Seus olhos que ganharam brevemente uma cor mais clara, um brilho vivo, voltaram a escurecer.

— Apenas por isso? 

— Sim, alteza. Por que mais o faria?  — Não conseguia entender o que o príncipe esperava ouvir de mim. 

— Vamos deixar para lá. Agradeço a sua intenção mas não se preocupe, Tilda fará isso por você.

— Sua comida já está ali. — Apontei para a mesa em que havia deixado a bandeja, com o enorme quadro acima dela.

— Precisa dela para me alimentar. Você não entenderia.  — Quando ele estava prestes a se virar, fui tomada por uma emoção estranha e o puxei pela roupa.

— Por que precisa dela para comer?

— A prata...é sensível para as fadas. 

— Mas, se possuem sensibilidade a ela, porque os talheres e taças são desse material? 

— Uma fada saudável consegue lidar com o incomodo que o material causa a nossa pele. Mas eu...no estado em que estou...enfim, preciso de ajudar para segurar algumas coisas.  — Era visível o desconforto de Edrian, e mesmo que não quisesse tê-lo feito passar por aquilo, me senti...irritada em saber daquela informação. Então todos os dias ele era alimentado pela empregada? Todos os dias suas mãos chegavam perto daqueles lábios? Daquele rosto angelical? 

— Posso fazer isso. — Minhas palavras o impediram de continuar andando, após o príncipe se desvencilhar do meu toque e se direcionar para a cama. 

— Não se sinta pressionada, Sana. Não deve prestar serviços algum a mim. Sua obrigação é para com minha mãe.

 — Ah, qual é? Estamos sem fazer nada e me sentiria entediada em meu quarto. Por favor, me deixa ajuda-lo. — O momento no festival, em que ele saiu apressado e sem me dar a oportunidade de auxilia-lo, ainda me incomodava. Não queria que as fadas pensassem que nós humanos apenas estávamos usufruindo de sua generosidade. — Por favor, Edrian. — Dizer o seu nome fez com que o príncipe se voltasse para mim, com os olhos levemente arregalados.

— Tudo bem.  — Foi o sussurro que saiu de seus lábios vermelhos. 

 
















 


O Beijo Da FadaWhere stories live. Discover now