Capítulo 23

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Sana.

Completou-se uma semana desde que eu acordei e fui tratada com medicamentos mágicos e particularmente de gosto até que suportável. E durante todos os dias consciente, Forger e Rachel me passaram várias informações essenciais para que não pudessem me culpar sobre a saúde do 4° Principe. 

O que mais me preocupava era que mesmo após tantos dias, Edrian não havia acordado, e até mesmo o clima estava estranho, sem chuva ou calor. As nuvens negras tinham coberto parte do reino, enquanto a família real nem dava as caras. Todos estavam preocupados e a floresta parecia apenas reproduzir o sentimento das fadas. 

E mesmo que eu quisesse adiar o momento, o dia de me encontrar com Diana havia chegado, mais rápido do que previ. Minhas costas ainda continham pequenos arranhões e cicatrizes, mas estavam intactas. Meu ossos, mesmo que tenham sido esmagados, pareciam novinhos em folha. Senti como se a gravidade me jogasse de um lado para o outro, quando presenciei a princesa loira descer as grandes escadas dos quarto, em um vestido azul escuro e comprido. Sua elegância a acompanhava a cada passo, realçando a beleza de seu corpo delicado e com curvas suaves. 

Os olhos azuis como o puro gelo me encararam, quando ficamos de frente uma para a outra. Eu me curvei levemente, mantendo uma expressão neutra, ou a melhor que conseguia manter. Mesmo com meu coração a mil, minhas mãos se agarraram ao vestido marrom claro que havia sido forçada a vestir por Luara, e me foquei ali para descontar meu nervosismo. 

— Bom dia, vossa alteza.

— Olá, Sana. — Era engraçado o fato de que a princesa nem se esforçava para ser formal comigo. — É bom vê-la recuperada. — Eu tinha minhas duvidas de que permanecer viva realmente era algo bom para ela. 

— Nada seria possível se não fosse vossa ajuda e socorro. Soube que me trataram da melhor maneira possível, mesmo enquanto dormia. 

— Claro.  — Ela disse aquilo somente, me deixando bem constrangida com o silencio que se seguiu, até que Diana decidiu quebra-lo e ir direto ao ponto. — Acredito que já deve estar sabendo da situação infeliz em que meu irmão se encontra. O príncipe Edrian. 

— Eu soube, e sinto muitíssimo. Fico muito grata que ele tenha cuidado de mim e me salvado quando fui resgatada. Se não fosse por ele, estaria em uma situação muito complicada, se não morta. Obrigado por...

— Eu realmente gostaria que seus agradecimentos fossem feitos de uma maneira diferente e não apenas por palavras. — Ela me cortou antes que eu pudesse continuar a falar. 

— Claro, alteza. Faço o que for necessário para demonstrar minha gratidão!

— Preciso que cure o meu irmão. 

 — Curar? — Não consegui entender o que ela queria dizer com aquilo. — Acredito que eu não tenha as habilidades mágicas de vocês para tal feito...

— Não precisará fazer nada! Apenas fique com ele! A magia que reside em Edrian se encarregará do resto. 

— Mas como isso pode ajuda-lo a melhorar? Ficar ao lado dele durante o dia inteiro?

— Assim como ele fez com você! Fique com ele, no quarto. Cuide dele como se fosse alguém precioso. Alimente-o, deixe-o limpo, mantenha-o aquecido nos dias frios e refrescado nos dias quentes, toque-o com amor e carinho, coisas assim. Cureo. — Aquela palavra pesou em meu coração, principalmente com o tom desesperado de Diana. Até parecia que a criatura poderosa ali era eu e não ela. 

— Mas alteza...

— Por favor! — Sua voz tremeu, enquanto um trovão soava sobre as nuvens. Chuva se aproximava. Meus olhos arregalaram quanto enxerguei as lagrimas transbordando nos olhos marejados da princesa. — Por favor, fique com meu irmão. Sua presença...apenas a sua presença poderá fazer alguma coisa. Não a convoquei aqui como princesa, a chamei como uma irmã desesperada para salvar o irmão. Por favor, Sana!

— Claro, claro alteza. Farei o que puder fazer. — Seu tom choroso e angustiante me deixou sem reação, enquanto ela abraçava os próprios braços, para conter a onda de soluços. Eu deveria abraça-la? Conforta-la? Eu podia toca-la? Não sabia o que fazer naquela situação e infelizmente estava sozinha. — Se posso ajuda-lo, com certeza o farei. — Quando fiz aquelas perguntas, estava apenas curiosa. Mesmo que fosse algo impossível, tentaria ajuda-lo. Eu realmente devia minha vida a ele. Mas talvez a princesa tivesse entendido minhas indagações como resistência. 

— Obrigado. Obrigado. — Diana não olhava para mim, perdida em pensamentos. Ela parecia muito diferente do normal, como se nem estivesse presente naquele momento. No que ela pensava? — Por aqui. 

— Agora?! — Tentei segurar minha pergunta, mas era tarde demais.

— O mais rápido possível. — Diana nem se virou para me encarar, apenas se moveu e começou a subir as escadas em uma velocidade muito difícil para eu acompanhar, mas me  esforcei bastante. 

Quando chegamos no corredor, mesmo que meus pulmões reclamassem de tanta pressa e eu estivesse ofegante, não paramos de andar até nos depararmos em frente ao quarto de Edrian. Alguns homens fada saiam de dentro do quarto, com bolsas e poções, porém com rostos preocupados e deprimidos. Eram médicos. Eu já tinha visto outros enquanto ficava em repouso na tenda. 

— Não podemos fazer muito mais, vossa alteza. — Um dos homens se aproximou de Diana ao avista-la, arrancando um sorriso de gratidão, mas com uma melancolia escondida, da princesa.

— Obrigada pelos seus esforços. Mas a partir de agora, nós cuidaremos dele. — E com as palavras dela, o homem me encarou, arregalando levemente os olhos. Um brilho de esperança parecia tomar conta de seu rosto. 

— Devemos ter fé, vossa alteza. 

— Devemos sim. 

E assim, sem entender nada do que estava acontecendo entre aqueles dois, Diana seguiu para dentro do cômodo e eu fui atrás. Já no quarto, fui pega de surpresa ao encontrar outros príncipes e a rainha em pessoa. Rosetta, Hollen e Elleniz se resumiam nos rostos conhecidos por mim. 

— Diana! — Rosetta levantou os olhos para a irmã, que tinha um semblante triste e olhos vermelhos de tanto chorar. Mas assim que me viu, seu lábios tremeram e ela correu em minha direção. Pensei que sofreria algum tipo de ataque e me lembrei dos dentes de tubarão finos em sua boca. Mas, felizmente, senti seus braços rodearem meus ombros. — Sana! Sana! Você veio! Eu sabia que você viria! — Ela não parava de gritar, enquanto dava pulos curtos no mesmo lugar. 

— Então temos uma chance. — Elleniz olhava para mim como um curandeiro experiente e avaliativo. Me senti uma cobaia nas mãos de um doutor louco. — É bom te-la aqui, Sana. 

— Agradeço muito a sua presença! Não sabe como Edrian ficaria feliz em receber sua visita.  — Hollen sorriu para mim, se aproximando. 

— Não tinha como recusar a convocação de vossa alteza. E se posso retribuir o favor, bom, não vejo problemas. — Eu sorri de volta, mas minhas palavras parecem ter tido um efeito diferente no príncipe herdeiro. 

— Pedido?  — Os olhos verdes de Hollen exigiam uma resposta de sua irmã.

—  Eu a convoquei para um conversa, não a forcei a vir para cá. — Diana se encolheu mediante a acusação na expressão do irmão. 

— Olá, Sana.  — A rainha se pronunciou, fazendo todos ficarem calados. Sua voz harmoniosa chegou aos meus ouvidos como a brisa da manhã, trazendo uma refrescante sensação. — É bom saber que está completamente recuperada. Acredito que a experiência com o Londors não foi nada agradável, mas olhando pelo lado bom, você conseguiu derrotar uma espécie muito feroz. Garantirei que sua coragem seja recompensada devidamente. — A rainha tinha um tom contido, era como se estivesse com pressa, mas não deixasse a elegância e os bons modos de lado.

Enquanto conversávamos, Edrian soltou um gemido de dor, se mexendo brevemente sobre a cama, enquanto uma médica humana tirava um pano com liquido rosado de cima de sua testa. Seu resmungo causou certa comoção entre os irmãos que olharam preocupados uns para os outros e depois se focaram em mim.

— Iremos nos retirar, para que possa fazer um bom trabalho. Obrigado, Sana...  — A rainha pegou em minhas mãos, com delicadeza, me deixando sentir a macies de seus dedos e o conforto que me traziam. —...por aceitar estar aqui. Sua atitude vale mais do que pode imaginar, e não me esquecerei de sua bondade. — A sinceridade estava brilhando como a maré nos dias mais quentes do verão, em seus olhos azuis. — Se precisar de qualquer coisa...— A rainha colocou um pequeno sino de prata em minhas mãos. Como o 4° príncipe uma vez me disse, ela não parecia se importar com o material em contato com sua pele. —...toque o sino e um servo virá a seu socorro.

— Eu que agradeço...majestade. — Respondi, envergonhada por tanta atenção e sabendo que eu permaneceria sozinha naquele quarto, com Edrian. 

Todos, até mesmo Diana que era cutucada por Hollen, saíram. Algo me dizia que o príncipe herdeiro daria um belo sermão na princesa, pela atitude de me convocar.

Quando me virei para supervisionar Edrian, me deparei com uma situação no mínimo apavorante. Aceitei cuidar do príncipe, mas como?! Ele estava muito mal e a curandeira mágica ali não era eu. Mas segui o que minha intuição me dizia, pelo menos da ultima vez ela estava certa. 

Não precisei me aproximar tanto, para que Edrian gemesse novamente, e se contorcesse, respirando de uma maneira muito ofegante. Não consegui ver manchas ou sangue em suas roupas, então deduzi que a dor fosse interna. Quando me sentei ao seu lado, quase imediatamente, o 4° príncipe se virou para mim, de olhos fechados, e estendeu a mão, procurando-me. 

Eu sorri, não pelo seu sofrimento, mas algo dentro de mim ficou feliz em saber que mesmo naquele estado, Edrian me queria por perto. Mas logo desmanchei o sorriso, me repreendendo por demonstrar alegria perante um momento tão angustiante. 

A mão descoberta e com unhas finas chegou a minha perna nua, graças ao vestido que eu usava, e ao sentir minha pele, ficou ali, repousando. Edrian estava mesmo muito quente, se comparado a temperatura da rainha. Entretanto, sua expressão de agonia se suavizou ao me tocar e pude ouvir um suspiro de alivio deixar seus lábios sem cor. 

Eu estava com muito sono, já que não havia dormido direito, ansiosa e preocupada com a convocação de Diana. Sentindo o que deveria fazer, de maneira inexplicável, me deitei ao lado de Edrian, levantando sua mão sobre mim, com cuidado. Assim que fiquei ao seu lado, pude perceber como aquela cama era mesmo um presente dos anjos! Seu conforto e qualidade nem se comparavam aos de uma habitação humana. 

— S-Sana...— Edrian sussurrou, entre gemidos de dor, quando não sentiu mais minha pele debaixo de seus dedos. Mas logo resolvi o problema quando me aproximei e deitei minha cabeça ao seu lado, descansando meu braço sobre seu peito. 

Se o que Diana disse estava correto, toca-lo iria ajuda-lo, de alguma maneira. Revirei os meus olhos ao me encontrar naquela posição e situação, como se fossemos casados. Vai entender essas fadas! São tão emotivas e sensíveis que um toque parece ter propriedades curativas. Mas por que eu?! Por que é  preciso que seja exatamente eu aqui? Minhas perguntas ficariam sem resposta, até que o príncipe acordasse e eu pudesse questiona-lo. Também desejava saber o que ele havia feito dentro da tenda em que fiquei após o acidente com a criatura selvagem. 

Edrian parecia incomodado com algo e segurou minha mão sobre seu peito, com seus dedos nus, antes de descansar a expressão e adormecer. Parece que o contato precisa ser pele a pele, pensei, sentindo minhas bochechas esquentarem como uma chaleira no fogo.  Se eu contar isso para Luara, ela não acreditaria. E então o sono também me capturou, de pouco em pouco, conforme o quarto parecia ficar ainda mais silencioso, com apenas uma brisa leve entrando por uma das janelas minimamente aberta. Aquele foi o melhor sono da minha vida.




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