Capítulo 29

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O dia estava raiando, perfeitamente estável e claro, sem nuvens para tampar a luz do sol. O clima não era seco ou calorento, mas podia sentir os raios solares sobre a minha pele, me esquentando, mas não de forma desagradável. O vento balançava as folhas das arvores, gelado como a brisa do mar. Não queria sair dali, nunca. Onde mais poderia vivenciar aquele momento?

Edrian segurava meu braço com uma força controlada, firme, mas sem me apertar ou realmente prender. Suas mãos estavam agarradas a minha, fazendo movimentos circulares. Uma debaixo da minha palma e outra sobre ela. Seus dedos transmitiam emoções fortes e carinhosas, como amor e paixão, nas carícias vagarosas. Tinha sérias duvidas se homens humanos poderiam proporcionar o mesmo afago. Não era um toque malicioso ou com segundas intenções. Na verdade, parecia natural.

Uma mulher com um pano sobre os cachos dourados pediu desculpas, ao quase esbarrar em mim. Ela parecia apressada e carregava nos braços várias flores de um tamanho realmente grande, mas sem caule. Foi depois dela que percebi certa correria por entre a cidade comercial, que já era agitada, mas daquela vez parecia pior e não com a intenção de venda.

— O que está acontecendo?

— Todos estão usando de suas melhores habilidades para arrumar o baile. — O principe não olhou para mim, mas detinha uma expressão aliviada.

Era muito bom saber que de algum modo eu o estava ajudando a lidar com sua doença, mas aquele era o máximo de aproximação que poderia dar, até decidir o que realmente eu queria. Ficar com ele ou ir embora, de uma maneira sã e segura. Precisava colocar ordem nos sentimentos que aquela fada fabricava em mim e saber decifra-los.

— Que baile?

— Avisamos ontem para o capitão Forger. Ele não a comunicou? — Isso chamou a atenção de Edrian para me encarar. Como eu poderia dizer que provavelmente ele havia me procurado, mas eu o estava evitando?

— Não nos encontramos ainda.

— Não queria que soubesse da surpresa através de mim, mas planejamos um baile de despedida. Daqui quatro dias vocês irão embora e não podemos deixar de agradece-los por sua presença.

— Não fizemos muita coisa para tamanha honra!

— Fizeram muito mais do que pensa. Todo o povo se sente grato pelo cuidado e o interesse com que vocês trabalharam. Ajudaram a concertar casas, resolver conflitos, melhoraram medidas de segurança e lidaram com criaturas selvagens.

— Não sabia que estava acompanhando tudo. — Ao perceber que o príncipe parecia ter muita informação, me senti impressionada. Mesmo doente, ele demonstrou que se importava com o tratado.

— É o mínimo que posso fazer, nesse estado. — Seu pequeno sorriso vacilou, mas logo se recompôs. Seu rosto virou para frente, cumprimentando todas as fadas que alegres o saudavam.

Depois de um tempo somente o acompanhando e andando por entre os vendedores, percebi que Edrian não expressava se sentir enjoado ou mal com a presença de muitas fadas, como da ultima vez. Isso me deixou mais a vontade para conversar e talvez fazer perguntas mais diretas, que me ajudassem.

— Quando nos encontramos na fonte, não tinham aquelas flores brancas no muro. — Comentei, querendo começar a conversa.

— Pensei que não as notaria.

— Nada escapa dos meus olhinhos! — Brinquei, piscando rapidamente algumas vezes.

— Claro que não. Olhos tão lindos devem ser excelentes caçadores! — Sua resposta me deixou envergonhada o bastante para que ele soltasse uma baixa gargalhada. — As flores são chamadas de Sanay, graças ao perfume único que produzem e as cores brancas puras. Mesmo quando morrem, diferente das outras, não perdem a cor e a beleza. 

— Você já me chamou disso. Algumas vezes. 

— Chamei? — Edrian virou o rosto para olhar por onde andávamos, com um sorrisinho discreto. Tentando se fazer de desentendido? Essa fada gosta de brincar comigo!

— Sim! Chamou sim!  — Dei um leve puxão em seu braço, para chamar sua atenção, mas a fada se desvencilhou da conversa.

— Olhe! Frutas cristalizadas! — Seus olhos azuis se arregalaram levemente, enquanto seus passos se adiantaram para chegar até a cabana, muito conhecida por mim.

— Sana! Bom te ver!  — Martin estava sem o irmão, mas a cabeleira verde continuava inconfundível. 

— Eu disse que voltaria! — Mesmo que tivesse sido muito mais cedo do que eu pretendia. 

— Pensando em você deixei uma cesta sepa...— O rapaz finalmente percebeu a presença quase impossível de se ignorar de Edrian, quase derrubando a cesta que pegava no chão, ao curvar a cabeça. —...alteza! É muito bom te-lo aqui!! — O rosto dele se iluminou como nunca tinha visto nas duas vezes em que nos encontramos. 

— Olá! É Martin, não é?

— Malehimbg, na verdade.  — Eu falei, chamando a atenção da fada por conseguir produzir seu nome. 

— Conseguiu falar nosso idioma! Parabens, bela Sana! 

 — Bela Sana? — Edrian arqueou uma das sobrancelhas para mim, indagando o apelido, mas decidi ignora-lo naquele momento.

— Levou um tempo, mas consegui pronunciar. A língua das fadas é um pouco complexa. Luara foi minha professora particular. — Sorri sem graça para os elogios que saiam da boca de Martin sem parar. Ele era muito falante e gostava de bajular, aparentemente. Mas não para o lado malicioso dos humanos, com segundas intenções. 

— Minha companheira se sente facilmente constrangida com elogios, Malehimbg. Peço que a entenda e que possamos iniciar uma outra conversa. — Ao falar aquilo, de alguma maneira, Martin me encarou fixamente, parecendo assustado. Havia sido graças a palavra "companheira"? Deduzi que sim.

Me voltei para Edrian ao ver a fada de cabelos verdes se calar imediatamente e se afastar para pegar a cesta. O príncipe somente sorriu para mim, sem mostrar os dentes, enquanto escondia a verdade por detrás de um olhar cumplice. 

—  Aqui está! Separadas e escolhidas a dedo! — Martin colocou uma cesta com algumas frutas de formatos e cores diferentes. — Pode pegar, senhorita Sana! Preciso arrumar algumas bandejas para o baile! Não se incomodem comigo! — Enquanto a fada se afastava, me virei para Edrian, sem conseguir conter minha pergunta. 

— Vocês podem conversar telepaticamente com seus súditos? 

— Creio que telepatia não está entre os meus dons. Allan, talvez a tenha. — Ele se referia ao pequeno príncipe, que mais se assemelhava a um humano do que a uma fada. — Por que pergunta isso?

— Em uma simples frase, Martin mudou o jeito de falar. — O apelido havia ido embora, tão rápido quanto chegou. 

— Quer que ele continue a chamando de bela?

— Não! Quer dizer...não é sobre eu gostar ou não, ele...enfim, não me importo. 

— Então gosta do apelido?

— Gosto, não é ruim, sabe? Ele só estava sendo gentil. 

Olhar para aqueles olhos tão claros como o céu limpo, me deixava um pouco tremula e fora de mim. Não sabia como reagir ou me manter forte perante eles, sentindo arrepios sobre meu corpo. E o príncipe sabia o que causava em mim, a julgar pelo modo como se aproximou, abaixando mais seu rosto para perto do meu.

— Minha bela...— Seu sussurro sedutor era como o ronronar de um gato em meu ouvido, como a própria tentação me circulando. —...Sana. — Não conseguia escapar dos olhos gélidos, enquanto sentia seu hálito quente acariciar o meu rosto. O cheiro de alfazemas era forte, e gostoso.  

— Alteza, por favor. — Pedi, sem folego de continuar falando. — As pessoas vão comentar.

— Olhe para os lados, Sana. — A rdem foi leve, mas imediatamente eu estava observando nossos arredores. — Meu povo não parece infeliz, não é? — De fato as demais fadas olhavam discretamente para nós, com grandes sorrisos nos lábios, enquanto outros nem mesmo nos davam atenção, atarefados. 

— Por que?

— Aqui em Yssaya, o amor é cultivado e incentivado. Demonstrações de afeto publico são bem-vindas e nenhuma fada tentaria nos interromper. Foi por isso que seu amigo saiu. Não precisei fazer nada para que ele mesmo decidisse nos deixar sozinhos. — Olhei para Malehimbg que também estava ocupado, mas nos lançava olhares sorrateiros, escondendo uma expressão de satisfação. 

— Mas...você é o príncipe...e eu sou só uma cavaleira e ainda humana. 

— E por que isso seria ruim?  — A expressão confusa em seu rosto foi tão genuína, que por alguns segundos senti o fogo dentro de mim abaixar. — O amor não olha raça ou status. Ele vem, forte como uma tempestade descontrolada, obsessivo por apenas um só alvo. Não é algo do qual alguém possa escapar. Cedo ou tarde, todos amam. — E logo meu corpo foi incendiado novamente por suas palavras e a sinceridade profunda contida nelas. 

—  No mundo humano isso seria considerado um escândalo.

— No mundo das fadas, isso... — Ele levantou a mão para acariciar uma mexa rebelde de cabelo minha. —...é chamado de carinho.

 Edrian estava tão próximo do meu rosto que um alerta começou a soar na minha cabeça, me avisando de que se eu não fugisse, poderia me arrepender futuramente. O problema foi que ignorei o aviso e continuei hipnotizada por aqueles olhos, pelos lábios levemente avermelhados, pela pele branca e suave e pelos braços fortes que me circulavam, impedindo meu afastamento. Uma fada deveria ser mais ingenua, ele parecia mais ingenuo, mas conforme sua saude se restaurava, a fada ficava mais ousada. Ou talvez fosse porque o dia em que nos separaríamos estava cada vez mais perto.

Um pigarrear leve nos separou, eu diria que quase dificilmente. Meus olhos ainda não conseguiam se desviar dos de Edrian nos primeiros segundos, mas finalmente juntei forças para encarar quem havia nos interrompido. Para minha sorte ou azar, uma Luara chocada e com as bochechas levemente rosadas pela cena que presenciou, se encontrava de mãos dadas com Erdem, a fada de cabelos azuis e asas a mostra.

— Luara? — Meu tom timido piorou a situação, demonstrando que eu sabia o clima que estávamos criando.

— Sana. — E o de Luara entregava seu constrangimento quanto ao fato de ser a espectadora.

— Luara...— Repeti seu nome,m sem saber como me livrar da tensão no ar. —...o que faz aqui?

— Eu fui colher algumas...gemas...na floresta. — Minha amiga tentou formular as palavras, mas ainda desviava os olhos de mim para Edrian. — Vossa alteza. — Ela se curvou levemente, se lembrando de que eles não gostavam daquilo. Pensando bem, era a primeira vez que ela o encontrava sem ser no nosso fatídico encontro na fonte.

— A cavaleira se chama Luara.  — Edrian ajeitou a postura, voltando-se para a direção da loira, com a postura impecável retornando. — É um prazer conhecer uma amiga de Sana. Principalmente uma amante das flores. — O sorriso da menina foi tímido, enquanto suas bochechas coravam mais. Algo que fez Erdem olha-la com um brilho diferente e um sorriso modesto.

— Oh, não sabia que era esse o meu apelido. Mas preciso agradecer pelos livros da floresta viúva! Erdem me mostrou ela a alguns dias e me senti maravilha em ver aquelas nuvens e teias tão brilhantes! Um espetáculo, com certeza! — Me senti um pouco de fora da conversa, mas fiquei impressiona com a forma como Luara se prendeu e se entusiasmou com a fala do 4° príncipe. 

— Eles estavam pegando poeira, guardados por tanto tempo. Imaginei que ficariam melhores nas mãos certas, do que parados em uma velha estante. 

— Livros? Que livros?  — Perguntei, querendo entender do que raios os dois conversavam tão animados. 

—  O príncipe Edrian me pediu pessoalmente para que levasse alguns livros para Luara, visando ajuda-la com suas pesquisas e estudos de nossa flora e fauna. — Foi Erdem que respondeu.

— E não tenha palavras para agradecer a gentileza. Eles me foram muito uteis e descobri algumas matérias que talvez possamos usar em nossas missões, quando voltarmos para Deworend. 

— É...quando voltarmos. 

Por algum motivo, as expressões antes tão vivas de Edrian e Erdem, aos poucos começaram a murchar, como flores no inverno. Luara ao perceber o que havia dito, também ficou um pouco cabisbaixa, apesar de tentar esconder sua emoção. Iriamos embora. E seria dali quatro dias. 

— Ãh... — Tentei voltar para o clima animado e falante de segundos atrás. — Que bom que está se divertindo! Eu não estrava fazendo nada e nem vossa alteza, então, pensei aqui comigo, por que não vamos para essa floresta? Tenho certeza que gostaria de ve-la!

— Você não iria gostar. — Tanto Luara, como Edrian, disseram juntos.

— E por que?  — Fiquei constrangida que os dois me conhecessem tanto assim, Também percebi certa comoção em Erdem, que observava ambos. 

— Aranhas. — Os me responderam novamente em conjunto e se entreolharam como cúmplices fariam. 

— Aranhas.  — Sussurrei, já visualizando o inseto asqueroso de quatro olhos e oito patas, andando sobre os troncos das arvores, com seus dentes a mostra para mim. Um arrepio subiu pelos meu braços. Coisinha nojenta! — Eu posso tentar suporta-las.  — Tentei segurar minha careta, mas aparentemente não havia tido sucesso em esconder meu repudio.

— Elas são muito, muito, muito maiores do que as do nosso mundo, Sana.  — A informação de Luara me fez arregalar os olhos e procurar pela mão de Edrian de volta, para distrair a ânsia que parecia transbordar na boca do meu estomago.

— É! Tem total razão! Eu odiaria! Esquece!

— Tem medo de aranhas?  — Erdem fez a pergunta, de modo inocente e curioso, mas Luara olhou rapidamente para ele, assustada e depois retornou para mim. Mas era tarde demais, e eu ja estava com os braços cruzados, encarando a fada azul de pertinho.

— Não é medo! É nojo! Não sou uma meninha medrosa!

— Eu nunca quis dizer isso! — Erdem levantou as mãos para o alto, sem entender nada do que estava acontecendo, muito menos minha explosão de raiva. Já Edrian parecia estar segurando um sorriso. — Foi isso que pareceu? Mil perdões cavaleira Sana! Me desculpe mesmo! Te acho uma guerreira corajosa e muito habilidosa! Nem pensei em uma ofensa dessa dimensão.

— É bom mesmo!  — Retornei para o meu lugar, ao lado do príncipe, me sentindo completamente derrotada depois da reação desesperada da fada. Nada como um humano. Da ultima vez que Ramom me chamou de medrosa, nós dois saímos descendo um monte abaixo, brigando. Eu batia e ele se defendia, porque não queria ser conhecido por "bater em uma mulher". Não foi preciso muito para ele se arrepender de não ter batido de volta. Mas isso tudo foi no começo da minha trajetória como cavaleira real, quando conheci o grupo sem Meg e Alef ainda. 

— Não fique assim, querido.  — O modo carinhoso com que Luara o tratava sempre me deixava mais rancorosa ainda contra o azulado. — Sana é um pouquinho explosiva quando a chamam de medrosa. 

— Me desculpe, eu realmente não sabia! Se soubesse...

— Tudo bem, tudo bem! — Luara levantou a mão para apertar os braços da fada, enquanto ria de sua expressão preocupada. 

Era você que deveria se preocupar! E se ele resolve levar sua afronta a sério? Não conseguiria escapar ilesa! Observei o corpo de Erdem da maneira mais sorrateira possível. Apesar das roupas largas que todas as fadas pareciam gostar de usar, não poderia dizer que ele era fraco ou magricelo. Por baixo daquelas roupas, com certeza se encontravam músculos definidos e por debaixo daquele rostinho inocente e educado, algo me dizia que o cara sabia sim se defender. Vai saber quais são seus poderes. Quase posso ter colocado o tratado de paz no lixo! Tomei cuidado por todos esses dias, não vou colocar tudo a perder agora! Se controla! Saí dos meus pensamentos quando Edrian deu um passo a frente, tendo de abaixar um pouco a cabeça para se comunicar com Luara.  As vezes me esquecia de que ele era maior do que nós duas. 

— Conheço um local ideal para se passear, que a deixaria muito exultante! Podemos nos reunir para comermos lá. O que me diz, cavaleira e amiga, Luara? — Edrian levantou a cesta com frutas cristalizadas para que ambos vissem ao que ele se referia.

— Com prazer, vossa alteza! — O brilho nas iris da garota se acenderam como farois ao ficar entusiasmada com a ideia.

— Sana? — O príncipe se virou para mim, esperando uma confirmação. Demorei um pouco para concordar, hesitante e com medo de tomar atitudes erradas. Aquela fada mexia comigo o suficiente para isso. Mas graças aos olhos pidões de minha amiga, aceitei o convite para o passeio. Também fazia parte do meu plano de deixar Erdem o mais longe possível dela. — Me sigam, por favor. 

...

— Você viu aquilo? Ele me chamou de amiga! — Luara sussurrava para mim, conforme seguíamos as duas fadas machos por entre plantas altas e cheias de cabos azulados fluorescentes. 

— Sério mesmo que se sentiu bem com isso? Muito pouco para ficar tão feliz. 

— Ele também te chama pelo nome. — Seu tom mudou e pude entender a leve acusação e malicia em sua fala. 

— Não tem nada de especial nisso. Eles não gostam que o tratemos como no mundo humano tratamos a realeza. 

 — Também não o chamou de alteza. 

— Você tá observadora esses dias, não tá?  — Luara normalmente não agia daquele modo. Algumas vezes fiquei em sérias enrascadas graças a falta de atenção da menina. Era uma ótima pesquisadora, mas em quesito luta, não se saia muito bem e perdia rápido o foco.

—  Erdem tem me dado algumas aulinhas contra animais selvagens. 

— Ele tá ficando louco?! — Minha voz aumentou de volume, o bastante para que Edrian olhasse para trás, checando minha segurança e depois retornando sua atenção para o caminho pelo qual seguíamos, ao confirmar que eu estava bem. 

— Shhh!! Mais baixo!! — Luara me repreendeu, puxando meu braço para que aproximasse os lábios do meu ouvido. — Lembra que ele é professor das pequenas fadinhas daqui? Ensina elas a controlarem seus poderes quando eles despertam. As vezes elas precisam lidar com criaturas mágicas selvagens, mas não muito perigosas. Faz parte do treinamento. E também, estive grudada nele em todos os momentos, então não precisa ficar preocupada.

—  Preciso sim! Um descuido dele e você viraria comida de bicho mágico.

— Está exagerando um pouquinho. Estudei sobre as feras e elas são mais perigosas para as fadas do que para humanos.

 — Isso é impossível. Eles possuem poderes! Nós só temos as armas. 

— Eu também imaginava isso, até que Erdem me explicou. Existe por exemplo a ave Apucaran. Ela tem um bico muito grande, parece até que vai te engolir inteira. Mas a passagem da comida para o estomago é muito curta, por isso ela caça somente crianças mágicas.

— E o que a impede de comer crianças humanas? Ou um ser humano pequeno? Só a Meg consegue ser menor do que eu! Tem noção disso? — Já estava imaginando como seria virar papa de pássaro.

— Calma, amiga! — Ela riu do meu crescente desespero. Mas era por ser mais alta do que eu, caso contrário, também deveria estar apavorada com a ideia. — Você já vu um bebê fada? Erdem disse que eles são protegidos com unhas e dentes quando nascem, mantidos escondidos dentro das casas das fadas.

O que ela dizia fazia sentido, já que mesmo andando muitas vezes pela cidade comercial e pelas floresta ao redor, nunca consegui encontrar um neném, a não ser a pequena criança que se comunicou com Edrian, no dia do festival. 

— Ainda não pude ver uma. 

 — Nem queira! Ou vai se apaixonar! Elas não nascem maiores do que a palma da nossa mão! Isso se for um bebê saudável, caso o contrário, pode ser do tamanho do nosso dedo mindinho. Elas só começam a desenvolver o tamanho de forma natural, como as crianças humanas, depois do primeiro ano de vida! 

— Graças ao tamanho delas, são caçadas por essas aves?

 — Exatamente! Quando um Apucaran aparece, vigias que ficam em torres altas soam um alarme, algo parecido com uma grande trompa. Isso alertas o povo para esconderem seus nenéns, mas as vezes...acidentes trágicos acontecem. 

— Deve ser difícil.  — Não sabia o tamanho da dor que uma mãe poderia ter ao perder o filho, mas imaginava que fosse pior do que a morte de um amigo. Bom...uma boa mãe. A minha talvez nem se importasse. — Mas por que não caçam elas ou as matam antes que possam pegar os bebês?

— Se o que eu observei esses dias em que estivemos aqui for verdade, acho que o povo das fadas é muito...como posso dizer?

— Ingênuo?

— Demais! Apesar de terem poderes, eles não gostam de machucar nem mesmo seus inimigos. Já a família real parece completamente consciente da maldade desse mundo e da necessidade de segurança. Os soldados também. — E então ela olhou para Erdem, como se estivesse insinuando que o homem não era tonto.

— Eu percebi isso. — Tive um aperto no peito ao admitir, mas não por causa do comportamento do povo e sim pela conversa de Edrian e Diana e pela conversa que tivemos enquanto eu o alimentava, pela primeira vez. Mesmo depois de toda dor que o causei, ele nunca pensou em me deixar ou em me culpar. O príncipe tentou fazer de tudo para me encontrar, até desistir, e quando estava perdendo as esperanças...

" — Diana me dizia sobre ter esperanças e devo admitir que permanecia cético, mas agora, com você aqui, acho que deveria ter acreditado. "

As palavras de Edrian reverberaram meu coração. Quando ele perdeu as esperanças, sua irmã, a pessoa que havia me tratado com visível rancor, o animou. Nem mesmo o rancor das fadas podia se comparar ao dos seres humanos. Ela me odiava? Talvez, mas não o bastante para agir contra mim! Diana assistiu seu irmão alegre e vivo definhar em vida, enquanto eu, a responsável por sua doença, vivia feliz em terras distantes. Não conseguia ter palavras para descrever como me sentia culpada por aquilo e entendia o tratamento dela em relação a mim. Eu faria pior, muito pior. 

Mas agora posso mudar tudo. Tenho o poder de ajudar Edrian, de livra-lo dessa maldição! E mesmo assim, eu hesito. Tantos anos de dedicação para alcançar meu lugar, minha posição! O reino conta comigo para manter a paz! O que devo fazer?!  Eu queria chorar com meus pensamentos tão confusos. 

— Assim conseguimos ver que os Apucaran são um tipo de monstro prejudicial somente para fadas e não para humanos. É isso...que coisa, né? Bom, nem tudo é perfeito. — Luara que percebeu meu silencio repentino, finalizou sua fala, mantendo-se quieta, enquanto seguíamos caminho. 

O Beijo Da FadaWhere stories live. Discover now