Capítulo Trinta e Cinco 2°PARTE

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Rol Fisher:

Enquanto o barco funerário se afastava lentamente, a chama dançava sobre as águas escuras, iluminando brevemente os rostos dos presentes. Uma atmosfera de pesar e despedida pairava no ar, enquanto lágrimas se misturavam com as águas salgadas do mar, testemunhando silenciosamente a partida daquele que partiu e levando consigo uma parte daqueles que ficaram para trás.

Um silêncio solene envolveu a multidão enquanto o barco desaparecia ao longe, levando consigo as memórias e os momentos compartilhados. Cada batida do meu coração ecoava como um lembrete da fragilidade da vida e da inevitabilidade da morte.

À medida que a noite avançava e as estrelas pontilhavam o céu, a comunidade se unia em sua dor, encontrando consolo na presença uns dos outros e na promessa de que, apesar da escuridão da noite, o sol ainda nasceria no horizonte, trazendo consigo a esperança de um novo dia.

Mas eu não consegui ficar ali por mais tempo e me afastei quando as pessoas começaram a voltar para suas casas. Minha mente estava um caos, tentando compreender como aquilo poderia ter acontecido tão facilmente. Aquela maldição estava se revelando um ser vivo tão forte que conseguira reescrever o feitiço de um Feiticeiro com tanta facilidade e destruir uma pessoa como se fosse nada. Vi como Carmuel ficou, parte de sua essência destruída e incapaz de se curar como um lobo deveria fazer. Era preciso ser muito poderoso para realizar algo desse tipo.

Olhei uma vez mais para a multidão; todos já haviam se distanciado então me virei e andei para longe. Eu iria ao lugar onde poderia ter a localização exata do lobo das sombras de Carmuel.

******************

Ao me aproximar do velho cemitério da alcateia, onde alguns eram enterrados - na verdade, mais para que seus familiares pudessem homenageá-los a cada ano - ouvi as vozes se elevarem em um coro irregular: uivos de dor e súplica, gritos e rosnados. Não era uma necrópole serena, mas desde que descobri que posso falar com os fantasmas, esta não era minha primeira visita ao cemitério. Fiz o melhor que pude para bloquear os ruídos, arqueando os ombros e desejando apenas ouvir o que desejava.

Além dos portões, uma aura sombria se elevava do chão como vapor, obscurecendo o brilho do osso contra o solo acidentado. Lentamente, a bruma começou a se fundir, adquirindo um estranho brilho cinza. Parei e coloquei as mãos nas barras do portão; o frio do metal infiltrando-se pela minha pele, penetrando nos ossos, e eu estremeci. Era um frio mais intenso do que o normal, e desde a última vez que estive aqui com Valmir, queria apresentá-lo aos demais fantasmas que não foram afetados pela maldição, ou que tinham assuntos pendentes ainda em vida, ou se arrependeram do que fizeram em vida.

Quando os fantasmas se levantam, extraem energia dos arredores, privando o ar de calor. Os pelos na minha nuca se arrepiaram quando a bruma cinza assumiu lentamente a forma de uma senhora de vestido esfarrapado e avental branco florido, com a cabeça abaixada.

— Olá, Margarete — eu disse. — Posso pedir um pequeno favorzinho?

A fantasma levantou a cabeça. A velha Margarete era um espírito forte, um dos mais fortes que já encontrei aqui, e uma das mais antigas do cemitério. Ela era uma cozinheira/guerreira dos primeiros líderes dessa alcateia, e viveu e lutou até o final de sua vida. Mesmo com a luz do luar se espalhando por uma brecha entre as nuvens, ela mal parecia transparente. Seu corpo era sólido, o cabelo retorcido em um penteado grisalho ruivo sobre um dos ombros, as mãos ásperas e vermelhas apoiadas nos quadris. Apenas os olhos eram ocos, chamas cinza idênticas ardendo nas profundezas.

— Devo dizer que já esperava que precisasse da minha ajuda — Margarete disse e sorriu para mim.

Ela deu uma volta ao redor de mim com um movimento deslizante peculiar dos fantasmas. Seus pés descalços estavam imundos, apesar de nunca tocarem o chão.

O Jovem Soldado(ABO/MPreg)Where stories live. Discover now