Capítulo Vinte e Nove (início da 2° parte)

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Carmuel So-jeff:

Meus tios se entreolharam, como se estivessem tendo uma conversa silenciosa.

— Anúbis, que desapareceu há muito tempo. — Responderam juntos, suas vozes carregadas de solenidade.

Tri engasgou, e os olhos de Alana se arregalaram em choque. Rol, por sua vez, parecia incapaz de processar o que acabara de ouvir, e isso me levou a estender a mão em sua direção, apertando-a firmemente. Percebi que ele retribuiu o gesto, e nossos dedos se entrelaçaram. Nesse momento, uma onda de felicidade me invadiu, embora eu tentasse esconder.

Não era o momento para entrar em pânico por um gesto tão pequeno.

— Entendo que existem inúmeros deuses ligados ao caminho dos mortos. — Rol disse calmamente, e percebi que ele adquirira uma expressão intelectual que combinava tanto com ele que eu queria poder pintá-la. — Mas por que isso está sendo tratado como uma grande coisa, ou soando como um grande perigo? Se foi rude, é só uma dúvida que estou tendo mesmo.

Tio Leonardo olhou para ele como se fosse um professor esperando que um aluno fizesse esse tipo de pergunta.

— Pensei que o mundo fosse como uma máquina, que precisa de todas as suas peças funcionando em perfeito estado. Se uma dessas peças falha nisso ou simplesmente para de agir como deveria, faz com que tudo fique em desordem e não cumpra o que precisa ser feito — Tio Leonardo explicou, estalando os dedos, que brilharam. Uma enorme máquina a vapor surgiu diante de nós, funcionando perfeitamente e depois parou, até que explodiu com tudo, e tivemos que fechar os olhos. — O mundo é assim. Quando Anúbis desapareceu, a magia dos mortos se descontrolou, pelo menos no mundo espiritual. O mundo físico ainda vai demorar a sentir.

— Os outros que estão ligados ao mundo dos mortos só têm capacitação para cuidar do seu próprio território e não o do outro. Seria como dar mais do que é possível aguentar. — Tio Klauons disse, soltando um suspiro. — O caminho de Anúbis fica parado, e os mortos que passam por ali poderiam ficar sobrecarregados. Sua magia se descontrola sem o seu dono e impede os mortos de seguirem para o mundo espiritual ou terem seu descanso merecido através da crença em Anúbis. Mas já está causando algo horrível para o mundo dos vivos.

Tio Leonardo estalou os dedos, e a cena seguinte foi a de um casal sendo sepultado pelos familiares. Quando ergui o olhar, quase pude vislumbrar um lampejo prateado no ar, um fio de luz que surgia sobre os corpos e, em questão de segundos, desaparecia após penetrar neles.

O casal arfou, uma chama subitamente se acendendo das brasas. Não, das cinzas dos mortos, como minha mãe disse que acontecia quando alguém morria e se permitia seguir para o pós-vida. Os fios emergiram como água jorrando de uma represa rachada, envolvendo os corpos como braços ferozes e protetores. O homem e a mulher respiraram pela segunda e terceira vez. E entre cada inspiração e expiração, os cadáveres do casal voltavam à vida. A carne voltou a preencher os espaços em torno dos ossos, a cor invadiu seus rostos. Rapidamente, eles reviviam, todos os sinais de dor e tensão se amainando numa máscara de calma. O peito subia e descia com o ritmo gentil de um sono profundo.

Alguém ali perto parecia ter gritado, quando o casal abriu os olhos e se sentou, confuso, olhando para os familiares. Alana e Tri tamparam as bocas horrorizadas, mas foi Alana quem pareceu mais chocada.

— Praticamente, os mortos mundanos estão voltando à vida com tudo — disse Tio Leonardo enquanto observávamos as imagens, completamente chocados. — Os guardiões sobrenaturais e os ceifeiros pediram para que ninguém falasse sobre esse assunto, mas está sendo complicado quando mundanos voltam à vida e temos que separá-los de suas famílias. —Uma expressão de culpa passou pelos olhos do meu tio, mas ele tratou de escondê-la. — Apenas eu, Klauons e meu amigo Maxuel sabemos disso, e tivemos muita coisa para decidir até onde poderíamos esconder sem trazer caos para cada canto do mundo."

O Jovem Soldado(ABO/MPreg)Where stories live. Discover now