UM

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Algum tempo depois

Eu costumava passar os fins de semana na casa de praia da senhora Rute, nós não tínhamos muito dinheiro, na verdade não tínhamos nada além de uma bicicleta velha e uma casa surrada do tempo. E depois da morte do papai e de Lucas, tudo piorou. Enquanto muitas meninas da escola viajavam nas férias, eu tinha a sorte de poder passar o verão com Mia. Eu só ouvia minha mãe reclamar que era uma época difícil de emprego. Nossa casa estava hipotecada, mamãe não admitia, mas eu sabia das dificuldades que enfrentava, afinal eu já era grande o suficiente para entender certas coisas.

Um ano depois, os tempos foram mudando para os jovens, era mais fácil ter um emprego e seus direitos garantidos sem ter que deixar a escola. E foi nessa época que arrumei um emprego na padaria, o que permitia-me ajudar mamãe a pagar as contas de casa. A senhora Rute empregou minha mãe na farmácia, dizia que ela não precisava se preocupar, aquela mulher era como um anjo.

A senhora Rute faz um gesto para que Mia volte e pegue seu chapéu, íamos saindo sorrateiramente para a praia, o sol ardia, pude sentir ao pôr meu braço para fora da varanda.

- Acho que devíamos levar o guarda-sol. - digo preocupada com minha pele branca. - É quase meio dia. - tentei, mas foi inútil.

Existem algumas pessoas que não ligam para o que os outros falam e Mia era uma dessas pessoas. Lá fora o sol estava derretendo e ela exibia seu corpo bronzeado.

Era nossas férias, e naquela semana fomos à praia todos os dias, seguimos um ritual imposto por Mia. Praticamente no horário em que o sol estava escaldante, o que me preocupava de verdade. Não queria ter que antecipar minha volta para casa por insolação. A praia ficava lotada nesse horário, então, decidi que viria a praia no final da tarde, e se ela não quisesse assim, que viesse sozinha. Eu ainda podia decidir aquilo.

Ela deitava sobre o sol e ficava esticada na areia em cima da toalha, eu me negava a fazer o mesmo, definitivamente não combinava comigo. Então, eu me sentava embaixo do guarda-sol, levava meu livro a tiracolo e passava o tempo lendo. Repetia novamente a leitura até que chegasse a hora de voltar para casa.

A senhora Rute gostava de mim, dizia que eu tinha juízo, coisa que sua filha não tinha. Não que eu achasse que Mia fosse desajuizada, nunca achei, e até a achava bem semelhante a mim, em algumas situações. Quando a noite caiu, ela começou a ficar agitada, andou de um lado para o outro, me irritava estar ao lado dela nesses momentos. Tinha dentro dela uma pulga que a picava a cada segundo, só podia ser.

- Acho que devíamos dar uma fugidinha, ir até lá dar uma olhadinha no mar. - ela espia pelo buraco da fechadura. - Minha mãe deve estar dormindo, pois as luzes já estão apagadas. - cochichou Mia.

- Ver o mar? - pude pressentir que vinha confusão.

- É. Nessa hora a praia é cheia de surfistas... e podíamos levar uma garrafa de bebida. - falou bem baixinho. Fiquei de queixo caído quando ela mencionou bebida, ela era menor de idade e eu não estava disposta a compactuar com aquilo.

- Você vai beber álcool? - falei de forma rápida.

- Nós vamos. - colocou-me como cúmplice.

- Eu nunca bebi, não vou beber! - Abaixei o livro que lia.

- Ok. Tudo bem. Esqueça a bebida. ­- percebi a insatisfação em sua voz.

Saímos às escondidas, pé por pé, sem acender a luz. Eu não havia concordado com aquela fuga no meio da noite, mas não me restou outra escolha. E normalmente ela daria um jeito de ir sozinha caso eu recusasse. Saímos pela janela e deixamos a porta trancada com a chave. Esperava que a senhora Rute não desse por nossa falta. Era a primeira vez que eu fazia aquilo e confesso que até gostei da emoção que senti por estar infligindo às regras. Mia parecia saber muito bem o que estava fazendo, comecei a suspeitar que estivesse habituada a sair às escondidas. No passado eu teria dedurado ela, mas eu havia me tornado fiel a ela. Somente alguns minutos depois é que reparamos que havia muitas meninas na praia, fiquei imaginando se elas teriam feito o mesmo que nós.

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