EPÍLOGO

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Quatro anos depois




Caminho com energia, a cabeça erguida é para mostrar o quanto me sinto feliz pelo filho que carrego no colo. Os carros percorrem a avenida sem parar nas faixas de pedestres, estamos em Teresópolis, numa tarde embaçada após um rápido temporal ter desabado por menos de cinco minutos. Só assim pude descobri que o garoto do guarda-chuva era ele, Pedro. Quando passamos pelo mesmo lugar ele estacou e me olhou, e olhou para frente e foi aí que tudo se esclareceu. Nós rimos muito!

- Era você desde sempre. A menina marrenta do livro.

Aquilo parecia um tanto absurdo. Era coisa de outra vida só podia, mas era de verdade. Ele era o garoto do guarda-chuva, parecia visivelmente deprimido, mas só parecia. Pensara tanto naquele garoto, por muito tempo, sem imaginar que era ele.


Era um sábado de primavera, sentei-me na primeira fila de bancos, meu cabelo estava tão esticado num coque bem preso no topo da cabeça que chegava a doer até o menor fiozinho. A maquiagem feita para aquela ocasião tinha me rejuvenescido uns dez anos e o sapato no meu pé estava uma pluma de confortável, descobri que valeu cada real pago nele. Meu vestido ia até os pés, num tom azul que reluzia com a luz do sol, ainda eram 17 horas, então o sol ainda estava lá, mesmo depois da chuva, entrando pelas pequenas frestas da vidraça que se estendia de fora a fora.

Comecei a sentir uma angustia conforme os minutos iam passando. Eu respirei e notei que suava, respirei de novo bem... bem fundo, puxei o ar sufocado no peito e joguei para fora. Eu já estava bem, não sentira quase as pontadas, era um pouco complicada a recuperação emocional pelo fato de que eu tinha vivido e Mia morrido. Embora eu soubesse que tinha ganhado mais alguns anos de vida, tivera perdido outros, pois eu quase precisei começar uma nova vida. Como se estivesse nascendo agora. Tudo era muito lento. Eu nem mesmo pude engravidar de novo e foi então que descobri que ser mãe não é só gerar em seu ventre. Vem do coração. Embora o meu coração fosse frágil para amar ele é invencível. Tinha ainda muito pela frente. Se eu tivesse 15 anos seria bem diferente.

Olhei ao redor e agradeci a Deus por essa nova vida. Exceto as dores noturnas que surgem do nada, o resto eu tiro de letra. Vi Pedro andar nervoso de um lado para o outro, ele estava lindo, usava um belo terno cinza. Na mão carregava uma pequena rosa. Fiquei me perguntando por onde devia estar Antônio, quando pensei em ir até lá o vejo com Brita, nossa babá e meu braço direito. Vejo que ela o entrega para minha mãe que chegou acompanhada de Romeu. Faço um sinal para que mamãe o traga para junto de mim.

De repente levanto meu olhar e me deparo com Adam, entrando em passos largos, não tinha música de fundo, ele me avista e acena com um levantar de mão. Nem parecia mais com aquele mesmo homem de anos atrás. O cumprimento mexendo apenas a cabeça, por fim, ele virou-se para frente e seguiu seu caminho. Os murmurinhos espalharam-se pela igreja. E eu podia imaginar quais eram.

Depois de tanto tempo eu o vejo andando sozinho, firme, sem nada para apoiar-se, pelo o que diziam os médicos ele nunca mais voltaria a andar, sua mãe parece mesmo radiante, talvez feliz por ele, por ter voltado a andar. Acredito também que a felicidade dela esteja relacionada à sua neta. Eu tinha que admitir, eu nunca tinha sido uma esposa perfeita, nem mesmo pude ser a nora que ela um dia desejou que eu fosse se é que ela chegou a desejar. Mas para ela Sofia era tudo. Quando todos sentam avisto de longe caminhando pelo canto da igreja, Lucas, de cabeça erguida e sorriso aberto. Enfim ele entra de mãos dadas com seu pai e sua mãe. Tudo foi acontecendo.

Os padrinhos vieram, Kate era uma delas. Ela mora com a senhora Rute que se casou com o gringo Josef, mas tem passado longos dias lá em casa. Depois vêm os pajens e por fim o sino toca e a melodia entra pelo alto-falante da igreja, a canção não podia ser outra, a marcha nupcial.

As portas se abrem e lá está Sofia, radiante, com o esplêndido pôr do sol atrás do seu véu, parecendo ter menos do que seus vinte anos, com um buquê de copo de leite jogado em seus braços, ela dá os primeiros passos rumo ao altar onde Lucas a espera ansioso. Pedro segurava uma mão dela e a outra estava no bolso. Parecia estar nervoso. Eu vi em seus olhos quando as portas se abriram. Sofia adorava o fato dos dois estarem ali presentes. E dos olhos de Pedro, transcendia plena felicidade. E não é que o namoro virou casamento. Claro que eu tentei fazer com que ela não se casasse assim cedo. Mas ela que decidia se era ou não cedo.

Ela passa seu olhar pela igreja, parecia procurar algo, e logo avista Adam, pára no caminho e lhe dá um abraço apertado, segura firme em sua mão e lhe pede para que a acompanhe. E de um lado Pedro segura sua mão e do outro Adam. Eu derramei algumas, muitas, lágrimas. Eu sabia o quanto os dois significavam para ela.


A imensa casa me olhava de longe, depois de tantas andanças eu estava de volta para onde sempre quis voltar. A casa estava silenciosa, lá fora os pássaros voavam livremente, pousando em pequenos galhos, ciscando ainda os farelos de pães que restam sobre o gramado verdinho.

Estou parada há algumas horas em frente à pequena casa que abriga um acervo invejado de livros. Observo de longe milhares de livros expostos nas estantes, são todos meus!

Olhando daqui, bem agora, olhando as janelas que eu abri e para todas que deixei de abrir. Descobri que nunca é tarde para olhar para fora e abrir cada uma delas, sentir a brisa do vento, muitas vezes forte e tantas outras, leves. Aliás, descobri tantas coisas que não acreditariam. Claro que muitas no meu lugar, talvez tivessem feito tudo diferente. Teriam sido bem mais forte e enfrentado as dificuldades que viriam sem ter que as incumbir a alguém. Eu nunca disse que não tinha sido fraca, eu fui sim. Para falar a verdade, eu acho que fui uma mulher sem atitude. Fui, porém não sou mais.

Há quase 1 ano, adotamos Antônio, o que não tinha sido nada fácil. Cheguei a ouvir que não conseguiria pegá-lo no colo, colocá-lo para dormir... Que eu deveria pegar um bebê, seria mais fácil educar. Mas isso eu deixei para trás. As pessoas não amavam mais, era simples assim. Amar quase não significava muita coisa. O que para mim era uma pena. Por que é a única maneira de você sobreviver num mundo com tantas diferenças é amar, meramente amar. Nosso filho daqui há uma semana completará 4 anos.

Minha mãe e Romeu por fim decidiram juntar as canecas. Hoje moram em Salvador, vez outra eles vêm ou nós vamos visitá-los.

- Eu te amo. – Pedro sussurra, leio seus lábios.

Caminho com Antônio ao redor do lago e contemplo Pedro, que vem de longe com Bela, Aron e a pequena Julie soltando-se das coleiras. Ele me olha como ninguém jamais fora capaz de olhar um dia. Olhei para ele e estiquei a mão livre, ele avança em minha direção acolhendo-me num abraço. Não sinto mais culpa pelo passado. Aquela era a vez do amor.

- Papai... - Antônio dá um gritinho doce.

Pedro o levanta nos braços rodopiando ele no ar, ouço gargalhadas e me deito sobre o gramado macio repousando o meu olhar céu a fora.


Não tenha pressa. Não limite sua vida. A vida acontece agora.
















FIM

A Vez do AmorWhere stories live. Discover now