Vinte Quatro

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Pensar em Mia me deixava um pouco entristecida, eu a queria ao meu lado. Quem sabe desfrutando minha nova fase. Meu entendimento era de que poderia reconstruir minha família. E Mia não tivera a mesma chance.

Os dois meses seguintes mudaram significantemente toda minha vida.

Acordei com o barulho dos pingos de chuva caindo sobre o telhado. Espiei pela brecha da cortina, vi as nuvens cinza encobrir o céu que até ontem, estava estrelado. As folhas gotejam lentamente os pingos da chuva, nem mesmo os pássaros se atrevem a pousar na janela, ouço as buzinas dos carros que percorrem as ruas paralelas, sinto um cheiro de café, de fritura, tudo misturado. Há muitos anos não se via um inverno tão gelado.

Há princípio, eu pensei em recusar, não que eu não quisesse a companhia dele, mas não era uma situação muito normal, ir ao ginecologista comigo. Logo depois de me vestir desci para tomar café com Pedro, abri a porta e senti um vento forte trazê-la de volta, assustei-me, senti um calafrio percorrer meu corpo. Ui. Uma sensação estranha predominou. Ocorreu-me que talvez a mãe dele não estivesse feliz lá em cima. Ou talvez estivesse. Eu nunca saberia. O senhor Claiton mantinha certa distância, me perguntei tantas vezes se ele me evitava por uma decisão dele ou da nova esposa. Ele ainda era um homem jovem e era de esperar que refizesse sua vida. Pedro não aceitou muito bem, era muito cedo para ele ter outra, dissera. Vezes outra, nós íamos até lá fazer uma limpeza. Os móveis da casa pareciam novos depois do lustra móveis. Tinham muitos armários vazios. As cortinas ficavam sempre fechadas, os quadros espalhados pelas paredes brancas pareciam caros. Pedro, ainda não estava convencido se queria ou não vender a casa. Seu pai disse que era o melhor a fazer. Ele quase não estava lá. Passava dias na casa de Neusa.

- Oi, pai.

- Oi filho. Não pensei que vinha hoje.

- Sim, eu vim. Alicia está lá em cima, terminando a limpeza dos quartos. O senhor poderia colaborar e ao menos abrir as janelas, a casa está cheia de mofo. – resmungou Pedro.

- Eu as abro quando estou aqui.

- O problema é que quase não está! – disse duro.

O cabelo do senhor Claiton estava bagunçado, os fios brancos se destacavam mais do que os que ainda restavam dos fios pretos em sua cabeça. Desci tirando a luva e apoiando o balde no chão. Dei-lhe um abraço em cumprimento. Depois disso, preparei um café e pus a mesa. Era de se notar que as refeições não mais vinham sendo feita naquela casa. Não tinha quase nada na geladeira e nem na dispensa. O senhor Clayton se aproximou da mesa, esforçou um sorriso, e eu não pude deixar de notar sua roupa amarrotada. Fiquei um pouco apreensiva, mas tratei de dizer a ele que poderia lavar suas roupas. Deixaria tudo lavada e passaria para passá-las assim que a chuva parasse. Ele apenas concordou mexendo a cabeça. Assim, senti que estava me aproximando dele.

- Obrigado. - ele se esforçou em dizer.

Eu quis dizer mais alguma coisa, mas as palavras não surgiram, e eu nunca sabia se ele queria ou não ter uma conversa.

Logo depois tomei um banho e vesti a roupa limpa que eu tinha levado. Saímos e antes, eu lhe dei um beijo na testa. O que fez arregalar os olhos. Senti que ele ficou petrificado. Pedro não teve qualquer reação, apenas pegou a chave do carro e disse um até logo para ele. Perdida em meus pensamentos chegamos ao consultório. Acomodamo-nos na saleta pequena com algumas revistas espalhadas sobre a mesa e um vaso com orquídeas brancas. Pedro pegou uma revista e folheou rápido parecendo um pouco agitado. Retirou o óculos do bolso e colocou, e ele ficou ainda mais irresistível. Reparei que as duas mulheres sentadas bem perto da gente o olhavam de soslaio. Peguei firme em sua mãe.

- Senhora Alicia. - chamou a moça de terninho cinza com um lenço azul no pescoço.

Levantei o pescoço.

A Vez do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora