QUATRO

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Ainda era inverno, podia sentir uma brisa gelada que vinha de longe. Naquela noite, soube o que era de fato sentir as dores de um parto, passei onze horas sentindo pontadas em minha barriga, sentindo o que chamavam de contração. Posso dizer que foi uma experiência nada boa. Penso nas dores terríveis que minha mãe sentiu. Eu queria, queria que fosse parto normal. Mas depois de tantas horas em sofrimento, implorei para que Adam me levasse depressa para fazer a cesárea, até chegar à clínica senti muitas dores. Foi só entrar na sala de cirurgia que, minutos depois, Sofia estava em meus braços e foi de parto normal, então soltei o choro que estava preso dentro de mim há dias. Não tinha visto, até então, a cena mais linda. Eu não sei explicar o que senti. Mas sei que foi o melhor sentimento de toda minha vida. Sabia que o que resumia aquilo era amor. Aquele sentimento sim era amor. Minha mãe flutuou por dias com sua neta nos braços. E quando Sofia estava com quatro meses, fomos morar na nossa casa nova. Era um condomínio de luxo, a casa era simplesmente linda, na entrada tinha um gramado bem verde, sem mencionar o tamanho, com quatro suítes, e em nosso quarto tinha uma banheira, foi um pedido meu não sei porque, mas eu quis ter uma banheira. O quartinho da Sofia eu decorei todo em rosa, ela era o bebê mais lindo que já tinha visto. Aquela agora seria minha casa, dali em diante, minha nova vida, o que por um tempo me deixou meio perdida. Tudo ali me pertencia, os móveis, os tapetes, as louças... Eu não tinha escolhido nada, Adam tinha cuidado de toda essa parte com uma arquiteta, sua prima Karina. Claro que depois eu fui mudando algumas coisas, cores e até algumas mobílias.

No começo tive que ficar sozinha, não sabia ainda se queria ou não ter uma empregada que fizesse as coisas por mim. Não estava acostumada com aquela vida. Mas minha mãe estava ali todos os dias, fazia os serviços da casa e cuidava de nós duas. Teve dias em que eu me via perdida quando ela demorava a chegar, não entendia como um ser tão pequeno podia chorar tanto. Ela era uma vó perfeita, fazia tudo com muita compreensão, sua expressão cansada entregava o quanto ela estava precisando de uns dias longos de sono. Sofia já estava com oito meses, tudo ia entrando no eixo. Adam havia parado o estágio, e começado a trabalhar no consultório com o auxílio de seu pai, ele vinha de uma família de médicos e o consultório foi de herança. Aquele seria o último ano dele na faculdade e logo estaria trabalhando sozinho, porém teria que fazer residência no hospital por mais dois anos.

- Mãe, por que a senhora não vai para casa e descansa. Pode ir. Eu me viro com ela.

- Estou atrapalhando filha? - perguntou receosa.

- Não... claro que não, mãe. Mas é que é tão longe e está aqui há dias.

- Estou bem aqui, posso descansar a noite quando for dormir. - finalizou com a voz cansada.

- Pensei que quisesse ir para casa, sei lá. Passa dias a fio aqui, e sua vida ficou em segundo plano. Preocupo-me que esteja te sobrecarregando.

- Estou bem, querida. Já disse. – o seu sorriso vez ou outra aparecia, sem que ela pudesse notar.

Obviamente que ela não queria ir para casa, pois não tinha mais ninguém lá. Àquela altura, tudo que ela precisava estava ali, bem longe de Teresópolis.

- Mãe, desculpe se falei algo errado.

- Não se preocupe filha, não falou nada de errado. - fez uma pequena pausa. - Temo que minha vida sem vocês não tenha tanta alegria. –admite, seus olhos encheram-se de lágrimas.

Senti meu coração se afundar em tristezas. Ela tinha mudado toda a sua vida por mim, por nós.

- Ai mãe, não precisa ir para casa, pode ficar aqui o tempo que quiser. Está bem? Não pense que estou lhe mandando embora. Só quis que não se sentisse na obrigação comigo. Vejo você tão cansada.

Desde que soube da minha gravidez ela havia desistido de vender a casa, quis que Sofia aproveitasse cada cantinho daquela casa que eu tinha sido criada, queria ter espaço suficiente para que ela gostasse de visitá-la. E tinha as fotos do papai e de Lucas, elas tinham sumido da parede. Eu quis perguntá-la. Mas fazer aquilo não seria delicado. As fotos pertenciam a ela, então ela tinha todo direito de tirá-las. A casa era grande demais, dava muito trabalho e precisava ser reformada e minha mãe não tinha o dinheiro. Talvez eu pudesse ajudá-la, Adam não recusaria. O que eu pretendia mesmo era que ela viesse morar perto de mim.

Depois de um longo silêncio, disse ainda:

- Parece que estamos dando voltas sem sentido, eu estou aqui porque quero estar. Nunca pensei que fosse uma obrigação. É minha neta e sei que tanto ela, quanto você precisa de mim. -

Era verdade, eu precisava dela. Precisava desesperadamente dela, agora que Adam estava mais tempo em casa eu não sabia de que forma deveria agir. Ninguém melhor que ela para me entender naquele momento tão novo para mim. E eu não poderia a deixar sozinha, não depois de ela ter dedicado sua vida a mim. Não casou novamente, escolheu assim. Ela era tão forte e eu não conseguia ser nem um pouco parecida com ela.

Ao longo dos dias seguintes, enquanto minha mãe cuidava da Sofia, fui até o centro da cidade, visitar Adam no consultório. Pude conhecer um pouco melhor o local onde ele passava a maior parte do tempo, quando não estava na faculdade. Na verdade, o que eu queria era sair um pouco de casa, desde que minha filha nasceu eu não tinha sequer desgrudado dela. Tinham dias que eu queria afundar minha cara no travesseiro e gritar, pois, quando ela estava dormindo era fofinha e até parecia ser calma, mas quando estava acordada se colocava a chorar de uma maneira que só minha mãe a acalmava. Era como se ela estivesse me dizendo "preciso da vovó", eu ficava nervosa e acho que tudo que sentia era passado para ela.

Seus olhos tão pequenos me olhavam firme, ela era tão pequena, mas parecia saber tanta coisa. Parecia que sempre me dizia algo, na verdade ela sempre dizia, mas eu ainda não conseguia entendê-la. Teve forte cólica e Adam havia prescrito um chá que estava fazendo efeito com o tempo. Com certeza eu nunca imaginei que viveria esses dias de loucura com uma criança em casa, e se não fosse minha mãe eu tinha enlouquecido. Quando dava um tempo bom, eu a levava até a praia no carrinho de bebê e minha mãe nos acompanhava. Eram as tardes mais agradáveis que tínhamos passado juntas nos últimos anos.

Ao notar que Sofia entendia o que eu dizia tudo foi ficando mais simples e logo ela começou a andar. Foi nessa época que percebi o quanto ela se parecia com Pedro, seus traços eram marcantes demais e seu sorriso me fazia lembrar o dele. Sabia que não tinha esquecido, mas de fato eu não queria lembrar. Estava muito claro em minha cabeça que ele tinha seguido em frente. Como minha mãe disse que eu devia fazer, olhar para frente sem pensar no que passou e seguir, mesmo doendo, mesmo chegando a ponto de meu coração parar de bater. E foi isso que fiz, eu segui, segui em frente todos os dias, ao lado de Adam. E nossa vida seguiu em torno de uma rotina normal.

Assim, os anos foram passando e tudo parecia estar dentro do padrão que a sociedade dizia ser uma família. E de fato éramos uma família. Pensei em voltar a trabalhar, pois aquilo poderia me ajudar em tantas dúvidas, preencher um espaço vazio dentro de mim. Adam começou a viajar quase que mensalmente, participando de seminários em vários lugares do mundo. Por fim me rendi a vida de madame como dizia minha mãe, e contratei uma diarista, eu tinha que deixar minha mãe viver a vida dela, o que tinha sido bom, ela voltou a estudar e fez faculdade de psicologia.Um sonho de garota que agora, com minha ajuda, pôde realizar. E como a casa era muito grande precisava mesmo ter alguém para ajudar. Sofia já ia para a escola. Fui trabalhar na clínica de estética que tinha montado com Mia, que havia sido deserdada por sua mãe quando se casou com Joel, a desgraça de sua vida, mulherengo e não gostava de trabalhar. Fiz um bom curso de esteticista e Mia era massagista profissional. Desde lá, temos tido um bom lucro com esse novo empreendimento. Não que aquele dinheiro fosse fazer tanta diferença em minha vida, talvez na de Mia sim, no entanto eu podia ajudar minha mãe, mesmo que ela não quisesse.

Houve um tempo, em que eu achei que nunca conseguiria gostar de Adam, mas mesmo assim eu persisti e comecei a gostar dele. Não era o mesmo sentimento que eu havia tido por Pedro, mas já era alguma coisa. E ele sabia desde o começo que eu ainda amava Pedro, mas que tinha jurado esquecer. E eu fiz com que aquele sentimento não mais vivesse entre nós. Ou eu achava que tinha feito! Achava que tinha apagado todo amor que sentia, mas não, de fato aquele sentimento ainda estava ali, em algum lugar do meu coração ofuscado pelo tempo, mas permanecia vivo. 

A Vez do AmorWhere stories live. Discover now