SETE

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Passei aquela noite em claro apesar da exaustão que sentia, as palavras de mamãe pipocavam dentro da minha mente. "Sofia está crescendo, e logo não estará mais com vocês". Já tinha ouvido tanta coisa dela, mas isso não. De qualquer maneira, eu já estava me preparando para aquilo.

No outro dia quando me levantei da cama o dia ainda não havia clareado, podia ver que o céu ainda estava cinzento, com aquelas pequenas fagulhas meio azuladas, dando sinal que logo o sol apareceria. Coloquei a água do café a ferver. Sentei-me silenciosa na varanda, olhando para a mata que tinha bem em frente a nossa casa, na verdade era a área verde do condomínio. Nossa casa tinha uma vista privilegiada. Logo que a chaleira apitou corri para cozinha e preparei o café, olhei novamente para o céu e lá estavam os raios surgindo, devagar, saindo de trás da sombra das nuvens. Tomei meu café e voltei meu olhar para o horizonte, era sufocante não ter muito que fazer. Adam não deu sinal de vida, não ligou, nem mesmo mandou mensagem. Sofia passava horas no quarto, não sei ao certo o que tanto lhe prendia lá dentro.

Bati na porta do quarto antes de entrar e pedir para que ela abrisse a janela, eram quase 11 horas da manhã.

Sofia disse que faria um bolo de chocolate, era receita da mamãe e foi uma boa surpresa. Enquanto esperava que o forno apitasse, avisando que estava aquecido, comi uma torrada com geleia de laranja. Decidi ajudá-la pegando todos os ingredientes e fervendo a água. Ela gostava de fazer bolos, quase todos os sábados. Quando não fazia eu então fazia. Era como se fosse algo que eu tivesse ensinado a ela.

Morávamos numa casa grande, com as janelas até o teto e diria que temos uma imensa cozinha e que quase nunca recebemos visitas de amigos. Na verdade, quase não temos amigos. Salvo vez ou outra uma amiga de Sofia aparecia para tomar um lanche com ela e depois se trancavam no quarto para fazer os trabalhos da escola. Sofia amava fazer bolo, amava sujar a mão de massa, adorava a ideia de eu e Adam comermos seus bolos e elogiar.

- Pronto, agora é só levar para o forno e esperar.

- Qual recheio vai fazer?

- Brigadeiro – disse com a boca cheia – estou com chocolate até na testa. – riu de si mesma.

Eu sabia que tinha que sorrir mais. Lembrei do quanto a morte do papai e de Lucas me atingiu com a falta do sorriso de mamãe. E o quanto aquilo tinha me deixado cicatrizes. Toda dificuldade que minha mãe passou eu achei que era por minha culpa, por ela me ter. Depois, só depois que virei mãe que fui entender que não, que para nós mães, não tem isso. Não é por obrigação, é por amor, só por amor. Dali uns dias Sofia completará quinze anos. E já estou imaginando como será essa data. Sentia que ela tinha mudado alguns hábitos no último mês. Talvez pudesse estar apaixonada, quem sabe até já tivesse namorando. Embora achasse cedo, é nessa idade que as garotas descobrem a paixão. Talvez não fosse nada daquilo! Se fosse só ansiedade pela festa de seu aniversário? Eu tentava a deixar calma, ainda estava num processo de transição, seu corpo estava mudando, a voz ainda meio indefinida. Eu sabia como ela se sentia. Eu já tinha me sentido assim.

Esperei que o bolo esfriasse e que ela dissesse que eu podia comer. E aquele suspense todo era preciso.

- Então mãe, o que achou? – perguntou e fez uma careta.

- Hum...

Esperei que ela mesma dissesse que ficou muito bom. Mas desta vez ela não fez.

- Uma delícia.

- Mãe... fala sério!

- É sério. Sério, filha. Todos os seus bolos são bons. – lambi a ponta dos dedos.

A Vez do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora