quarenta e cinco

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INGLATERRA, BRIGHTON

TERCEIRA PESSOA

ATUALMENTE.


A figura tão cheia de si que tenta ao máximo se reencontrar novamente, chega mais uma vez em seu apartamento depois de um longo dia de trabalho.

Um lugar nada familiar que mesmo morando lá por exatos dois anos não o faz se sentir em casa. Ele sente que falta algo. Como se existisse um vazio dentro de sua cabeça, um espaço em branco. Uma parte que falta de sua vida.

Sente um cheiro bom vindo da cozinha e mais uma vez sabe que ela chegou primeiro e está tentando o agradar. Mas é incrível como ela não consegue.

— Amor? É você? — ela fala vindo na direção da sala de estar, onde o homem está olhando pela janela.

— Sim, sou eu. — ele fala se virando em sua direção e a abraçando em seguida dando um beijo em seus lábios.

— Resolvi vim mais cedo para preparar um jantar pra você, afinal, hoje é o nosso dia. 7 anos juntos não é pouca coisa. — diz, beijando-o novamente.

O homem a observa se perguntando porque não consegue se sentir bem com ela, tantos anos juntos, como ela diz, e mesmo assim, é como se não a conhecesse.

— Você fica estranho do nada. Está bem? — ela pergunta sabendo porque ele a olha estranho, ela o conhece bem, muito bem.

— Só te olhando... Realmente 7 anos juntos não é pouca coisa. Pensei em sairmos amanhã, você mal tem tempo para sair, as vezes me parece que tem medo de por o pé fora de casa comigo. — ele diz desconfiado. Como sempre.

— Claro que não amor! Você sabe que só não tenho tempo, meu trabalho puxa muito de mim, assim como o seu. — ela diz o beijando e seguindo novamente para a cozinha, claramente fugindo do assunto, como normalmente faz.

O homem segue para o quarto para tomar um banho enquanto reflete sobre sua vida.

Não é nenhum pouco ruim, tem um bom emprego, uma boa esposa, mas sente que falta algo. Não se sente bem com ela. Não se sente bem com seu emprego. Não se sente bem com a imagem que ver no espelho.

Vive se perguntando quem é esse homem. O que aconteceu antes de tudo. Ele só queria se lembrar. Simplesmente. Queria se lembrar de seu antigo eu. Ele sente que no fundo esse antigo eu de fato é o seu eu verdadeiro. Ele só precisa se achar. E principalmente, descobrir se ela existe. A mulher de seus sonhos, aquela que parece um anjo. A que ele aparentemente era tão feliz.

Ela.

Tudo parece girar em torno dela, somente dela.

Tudo pode ser só coisa da sua imaginação, ou não.

Ela realmente pode existir. Se ela existir, com certeza é a sua felicidade.

Enquanto a água desce por seu corpo ele sente que o peso não sai de suas costas. Que toda a vida de merda que ele segue levando não vai mudar. Que ele continuará vivendo uma vida, que no fundo, ele sabe que não é dele.

De banho já tomado, segue para o closet a procura de uma roupa. Até isso o faz se sentir estranho. As roupas. Nada o agrada, nada faz parte de seu estilo. Mas a pergunta que ele sempre se faz. Qual é o seu estilo?

Nem isso se quer ele sabe responder, tudo parece ser uma grande interrogação em sua vida. Sem fotos. Sem memórias. Sem nada. Absolutamente nada. Apenas as palavras que sua esposa o disse.

Como acreditar apenas nisso? Como confiar em alguém toda sua memória sem nada que comprove o que são de verdade?

Sua vida é cheia de questionamentos, desde o fadíco dia em que acordou. Se lembra como nunca, paredes brancas e lisas, com a visão meia turva e o corpo todo sem comando.

Foi isso que o fez acreditar nela. Gratidão. Ela estava lá quando ele não conseguia se segurar em pé. Quando mal conseguia falar direito. Mas apenas isso. 1 ano inteiro de terapia para conseguir voltar ao normal e ainda sim, não consegue sentir nada mais que gratidão por ela.

Ao chegar na cozinha do seu amplo apartamento ele a observa. Linda. Cabelos loiros e longos, pele bronzeada e um corpo estonteante, mas mesmo assim, ele não consegue sentir nada por ela. Como isso é possível? Não se lembrar de nada da própria esposa? E principalmente, como não sentir nada por ela?

As vezes ele se sente péssimo por isso, se sente o pior ser humano do mundo, por agir na maioria da vezes distante e friamente com ela. Por não conseguir retribuir todo o amor que ela transmite para ele.

Quando ela se vira em sua direção com um sorriso perfeitamente alinhado e olhos verdes tão brilhantes ele se dá conta que pode tentar, como todas as outras vezes ele disse que iria.

Ela vem em sua direção mais uma vez, o abraçando e avisando que o jantar está pronto.

Ao olhar em seus olhos ele se dá conta que pode sim tentar, mesmo sabendo que essa não era sua vida. Porque lá no fundo de sua alma, ele sabia que não pertencia aquele lugar.

Ele sabia que não pertencia a aquele abraço.

Ele sabia que aquele não era o seu mundo, porque o seu mundo estava do outro lado do planeta, precisando de sua ajuda.

FRAGILE | ✓Where stories live. Discover now