Capítulo 62

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Corvo

O relógio marcava meia noite.

Ela estava ao meu lado, dormindo profundamente. Como a cama era espaçosa, tornava quase impossível nos tocarmos acidentalmente. Não a convidei para se juntar a mim naquela noite para que rolasse algo entre nós, não tinha cabeça para sexo. Só me acalmava estar com ela. Era estranho.

— Está sem sono? — murmurou, ainda de costas.

— Pensei que estivesse dormindo.

— Eu estava, mas sua respiração descontrolada me despertou.

Virei-me de barriga para cima, observando atentamente o clarão infernal e brilhante no teto.

— Quer que eu pare de respirar para a donzela dormir? — Dei brecha para uma resposta maldosa.

Farah virou e aproximou-se.

— Você faria as honras?

Sua perversidade me levou a rir. Ela tinha um veneno suficientemente forte para me matar, se quisesse.

— Se prometer sonhar comigo.

— Desde que possa ser em forma animal.

— Um grande, valente, fugaz, e forte demais para controlar.

— Espero que ainda estejamos falando de animais. — Esperou que eu terminasse de rir para perguntar: — Encontrou alguma pista sobre seus pais nesses hospitais?

— Não, e acho que não quero mais descobrir. Já se passaram tantos anos.

— Você tem todo o direito de querer saber quem são eles. É a sua identidade.

No meio da lamúria e desventura, senti seus cabelos escuros e lisos com meus dedos. Seu respirar sobre o meu rosto.

— Obrigado por estar aqui, Farah.

— Eu disse que sempre estaria quando precisasse. Posso não ter cumprido algumas promessas que fiz ant...

Shhh, não existe o antes. Existe o aqui e o agora.

— O que quer dizer, Damon?

— Que eu q... — Seu poder hipnotizante quase me fez dizer tudo;

Cuspir as tripas;

Colocar todas as cartas na mesa. Mas eu engasguei, porque antes de tudo, eu precisava me confessar. E seria foda sair daquela fantasia pacífica e deixar Farah ver a semente podre que eu era.

Tentei esmagar tudo o que me acovardava, mas sofri uma dose agressiva de vergonha e insegurança. Rastejei para uma lembrança horrível que deturpou a minha mente e não pude esconder a minha desgraça estampada no rosto, arqueando as minhas costas.

A maldição repousou em mim.

Solidão, tristeza, amargura e o fardo que eu levaria para sempre.

Tudo que eu suportava e carregava me fizera chegar à conclusão de que a morte seria pouco para mim. Eu merecia ser esmagado, sufocado, apedrejado...

Em que eu me transformei?

Eu podia culpar o mundo, culpar meus pais, os orfanatos. Mas foram as minhas mãos que derramaram o sangue dos fracos. Fui eu quem não quis parar o ciclo de destruição que comecei.

A violência se encontrava em mim e eu me tornei obsessivo por ela. Estava escrito nas estrelas e em cada linha na palma das minhas mãos...

Eu sou um demônio.

O Corvo das Ilhas Gregas (DEGUSTAÇÃO)Wo Geschichten leben. Entdecke jetzt