54| O xeque-mate das peças Pretas

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Eu ainda estava inconsciente enquanto era arrastada por um corredor.

Tudo que eu enxergava eram paredes brancas, que refletiam a luz forte e ofuscante, com piso de cerâmica encerada branca também, e uma figura de preto em minha frente, guiando os dois homens que seguravam meus braços, me arrastando.

Uma porta se abriu, e então uma luz mais forte veio na direção de meus olhos.

Adormeci, novamente.

°°°

Quando acordei, abri os olhos lentamente, porém, uma lanterna examinava minhas pupilas.

Pisquei algumas vezes; meus olhos ardiam, minha cabeça ainda doía.

— Ela está retomando a consciência. Devemos aumentar a dose do sonífero? — Ouço alguém perguntar.

Tentei levantar, entretanto, quando percebi, meus pulsos e tornozelos estavam presos por fivelas, em uma cama.

— Bem vinda, Joy, a minha prisão privada favorita. Não adianta gritar, se debater, tentar fugir ou pedir ajuda. Agora você é meu brinquedo, e eu posso fazer o que eu quiser com você. — A Primeira Dama parecia estar ao fundo da sala, quando disse essas palavras. — Quero que entrem na mente dela, podem fazer isso de qualquer forma, desde que apresentem resultados. Todos os equipamentos, incluindo as salas especiais, estarão disponíveis — completou.

— Sim, senhora! — Disse outro homem.

Eu apenas olhava de um lado para o outro freneticamente.

— Bons sonhos — disse ela.

Senti uma agulha penetrar minha veia do braço. Fria, grossa.

Parei de tentar levantar e fechei os olhos.

Caí no sono.

°°°

Quando acordei novamente, eu só ouvia ruídos. Minha visão estava turva, embaçada e caótica.

Eu tinha uma sensação que iria cair a qualquer momento.

As vezes eu conseguia levantar, porém, acordava novamente e estava deitada. Esse ciclo não parava; de novo; de novo; de novo.

°°°

Sangue pingava em meu rosto, se misturando com as lágrimas que escorriam.

Levantei da cama desesperada.

Saí da sala de cirurgia, que estava vazia.

Abri a porta e no final do corredor havia um elevador. Corri até ele o mais rápido que pude.

Quando ele se abriu, Erick avançou em minha direção, carregando um corpo, uma garota, totalmente ensanguentada. Sua blusa branca estava manchada de sangue, o mesmo que pingava conforme ele se aproximava.

Recuei um; dois; três; quatro; cinco passos, até que encostei numa parede.

Quando ele agachou para por o corpo no chão, a cabeça virou para mim. Era eu, quem ele carregava.

O peito sangrando com um buraco, as mãos pretas, os olhos sem brilho, a pele pálida. Ela, eu, segurava um coração nas mãos, o meu coração, o coração dela.

Ele o deixou no chão, diante de mim. Em seguida, pegou um punhal, o meu punhal, e sem nenhuma expressão no rosto, caminhou em minha direção.

Tentei recuar mais, contudo eu já estava escorada na parede.

Ele cravou o punhal na altura de meu abdômen.

Quando retirou a lâmina, senti um frio percorrer por todo meu corpo.

Caí de joelhos no chão, ao lado da minha outra eu.

Ela me encarou, enquanto eu gritava de dor, sentindo o gosto de ferro em minha boca, do sangue que subia.

Ela deu um largo sorriso.

Erick se ajoelhou, pegou a outra Joy nos braços, e disse olhando para mim:

— Nosso amor é uma mentira. Nunca será de verdade, Joyce.

Quando ele encarou a outra Joy, ele a encarou com amor, tristeza e dor.

— Eu amo você, a fantasia de uma garota perfeita. Eu te amo, Joy, "A Campeã" — falou ele, para ela.

Ela sorriu.

°°°

Reuni fôlego, para conseguir enfiar mais uma garfada de frango assado na boca.

Estava sentada diante de uma mesa longa, de carvalho escuro encerado, adornos dourados, e muitas comidas ao longo dela. Eu ocupava uma das pontas da mesa, em uma cadeira da mesma madeira,  esculpida perfeitamente. Na outra extremidade, o mesmo menino de meus sonhos — cabelo igual ao meu, do mesmo tom, pele pálida, olhos felinos e corpo magro.

Comíamos e bebíamos o vinho da mesa, até estarmos fartos de todas as delícias.

Havia uma grande janela ao nosso lado, iluminando o jantar com a luz da lua que parecia sorrir para nós. Estávamos em uma espécie de salão de algum castelo, julgando pelas cortinas pesadas de veludo vermelho, a magnitude da mesa e das cadeiras, os candelabros de ouro, e o grande lustre que pendia do teto, em cristais e muitas velas.

Conforme o tempo passava, e a noite deixava de ser noite, tomando a forma do dia, com o céu rosado alaranjado, a comida apodrecia rapidamente. O frango murchava, as frutas e pães se enchiam de bolor e um odor péssimo perfumava o ambiente.

O menino se levantou, me deixando sozinha novamente, em meio a comidas estragadas.

Uma mulher entrou na sala. Seu vestido era pesado e dramático, de seda lilás e contornos brancos. Muitos babados, perolas e cristais. Seu cabelo voava, até mais ou menos a altura dos quadris, e por fim, algumas mexas abraçavam seus chifres.

Kaira.

— Acorde! Agora!— disse ela, sentada na mesa, apenas me encarando profundamente.

Fechei os olhos suavemente.

°°°

— Diga boa noite, querida — ouço minha mãe dizer.

— Boa noite, papai. Boa noite, mamãe — digo.

Ela deu um sorriso largo e orgulhoso.

— Venha Iryn, vamos deixar nossa pequena descansar. Boa noite, pequena heroína — disse ele.

— Já sou grandinha papai, posso ser uma grande heroína! — retruco.

— Com certeza! Mas, agora vá descansar, amanhã é um grande dia para salvar os animais na fazenda de sua tia. Precisa de energia para ser uma grande heroína — falou a mamãe.

— Tudo bem — cedi, com um bocejo. 

Com isso a porta se fechou. E eu dormi.

Deadly Mirrors - 1° Rascunho - CONCLUÍDAOnde histórias criam vida. Descubra agora