20| Diplomata

10 5 1
                                    

Passei o resto da noite em claro. Não tive coragem, não ousei dormir de novo. Não arriscaria o mesmo pesadelo.

Não importava quantas vezes ele aparecesse, cada vez piorava. A angustia aumentava, a brutalidade também. Cada vez a dor no meu pescoço aumentava e eu começava a sentir aqui, do lado de fora.

Talvez seja psicológico, ou talvez eu esteja tão impressionada que parece real. 

Nas primeiras vezes, eu ainda conseguia correr, me esconder, conseguia reagir. Mas agora, só ficava parada esperando, como se eu estivesse anestesiada.

Apressei o passo para encontrar Kimmy e Carter. Precisava da opinião deles.

— Achei menos suspeito se você estivesse presente — anunciei minha chegada, referindo-me a Kimmy.

De fato, quem olhasse acharia que estávamos tendo uma conversa cotidiana, apenas descontraindo a tensão do dia a dia.

— O que houve, você dormiu essa noite? — pergunta preocupada.

— É sobre isso que eu quero falar. Tenho tido uns pesadelos muito estranhos — conto.

— Defina estranho — diz Carter.

— É sério, Carter. Eu acordo, daí está um frio horroroso e consigo ouvir a madeira da lareira crepitando. Vejo garoto perto da lareira, e assim que ele vira a cabeça vejo meus pais mortos. Uma cena horrorosa também. Uma sombra entra no quarto e me estrangula; em seguida, não acordo, mas sim fico apenas ali, esperando ela voltar, aí sim eu acordo.

— Uau, isso é péssimo — afirma Kimmy.

— E preocupante. Tem tido esses pesadelos a quanto tempo? — completa Carter.

— Não sei, talvez uns dias, uma semana ou mais. Mas, não é todo dia. Apenas aparece.

— Já tentou algum remédio? — pergunta Kimmy.

—  Sim, já tentei vários, tentei até chá, meditação, mas nada funciona — afirmo.

— Podemos procurar algum psiquiatra — diz Carter.

— Não estou ficando louca — digo.

— Não, mas, seria bom uma opinião profissional e, além do mais, você sonha que morre, com frequência, isso não é normal — completa Kimmy.

— Kimmy tem razão, pode ser bom — concorda Carter.

— O.k. 

Kimmy voltou aos seus afazeres e eu aos meus. 

Ainda faltava a corrida matinal com Carter, mas estava exausta então reduzimos a uma leve caminhada.

— Desculpa por ontem, eu só estava estressada com toda aquela situação das crianças e joguei a culpa em você. Sei que não poderia mudar nada — digo por fim.

— Tudo bem, você foi posta naquela situação, eu também estaria furioso — disse ele.

— Alguma novidade, continuou com a "jardinagem" — prosseguiu com a conversa, fazendo aspas com os dedos no ar.

Escapo uma risada.

— Sim, a final de contas tenho que sustentar minha mentira, não é?

Ele ri também.

— Precisamos passar mais um tempo juntos, estou com saudades — diz ele quase como um sussurro.

— Concordo — sussurro.

— Podíamos sair da embaixada, ir a algum lugar. — sugiro.

— Conheço um bom lugar. Hoje a noite, vá com um motorista até a Boate Celeste e entre. Vou estar te esperando lá dentro. De lá a gente vai para outro lugar.

— Hmm, entendi. Boates são ótimas para despistar qualquer coisa.

Ele concorda.

Vamos para a sala de treino; ele mexe em uns papéis como se estivesse marcando algo, para disfarçar qualquer coisa que não seja profissional entre a gente e em seguida nos despedimos formalmente.

A caminho do meu quarto, um dos seguranças da Primeira Dama diz que a mesma me convoca.

— Sim? — digo, anunciando minha entrada.

— Pensei no que disse ontem, e nas maneiras indiretas como insultou o governo — começa ela, — e cheguei a uma conclusão, na verdade, uma solução.

Abro a boca para falar mas ela prossegue.

— Não tem sido uma boa campeã, Srta. Ayales, não mesmo. Tem sido um grande problema na verdade, para mim e o concelho. Mas, devemos reconhecer, a senhorita tem uma boa mente e é uma boa diplomata. Sabe expor suas ideias. Daria uma ótima governanta.

— Aonde a senhora quer chegar com isso — falo, temendo algo.

— Decidi que deveria usar esse seu talento, para benefício do país. Deve embarcar para o Sul, para tentar um acordo diplomático, evitando as guerras — explica.

— Sul do país? — pergunto.

— Sul do continente. — corrige — Serão seis meses em Conrad, para tentar o acordo. Este é o prazo estabelecido. Embarca amanhã cedo.

— Mas, e as guerras no Sul do país? — pergunto.

— Não se preocupe, até lá eu resolvo estas — fala graciosamente.

Soa falso.

— Está tudo decidido, as passagens também já estão compradas. Faça as malas e não esqueça das roupas de frio — diz como uma despedida.

Inspiro fundo.

Não era o que eu queria, nem de longe.

Serão seis meses longe de tudo que aprendi a considerar como vida. Só conheço Kimmy, Ben, Carter, Celine e Hester, sem eles praticamente não sei como viver. Não sei como me guiar nesse novo mundo.

Também tem os pesadelos que nem tive a chance de tratar.

Inspiro novamente.

Deadly Mirrors - 1° Rascunho - CONCLUÍDAWhere stories live. Discover now