34| A fornalha

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Joy

Já estava na metade da semana lavando pratos e talheres. Eles tinham cometido um deslize ao me colocar para lavar talheres, peguei algumas facas escondida e guardei no bolso, para caso de uma emergência precise usa-las.  Minhas adagas foram apreendidas assim que cheguei no aeroporto, como já era de se imaginar.

Não conversei mais com Eric, nem cheguei perto da dispensa. Fiquei apenas lavando e secando louças. 

Faltavam mais algumas facas e garfos para lavar quando a pouca luz existente no lugar apagou. Uma fumaça densa subiu, criados começaram a correr e um alarme tocou.

No meio da correria, a faca que eu lavava deslizou sobre minha mão gerando um corte.

— O que está acontecendo? — perguntei, para uma criada ao meu lado.

— É a fornalha, está sobrecarregada de novo —  explicou.

Eles chamavam de fornalha um grande disjuntor que aquecia a parte superior do prédio, coordenava as luzes e a água.  

Segui os criados e minha mão ardia.

— Dayse — ouço alguém chamar, e lembro que a única pessoa que sabe desse nome é o Eric.

— O que aconteceu com a fornalha, é algum curto circuito? —  pergunto.

Ele parecia calmo.

— Por aqui — foi a única coisa que respondeu.

Entramos numa sala. Parecia um abrigo. Notei que outros criados e operários também entraram em outras salas.

— A fornalha está sobrecarregada de novo, vão arruma-la em alguns minutos. Enquanto isso, esperamos aqui — disse ele.

— De novo? Isso acontece sempre, tipo, todos os dias? — perguntei.

— Não sempre, mas geralmente — respondeu.

Peguei um lenço do bolso e tentei limpar o sangue no corte da minha mão.

— O que aconteceu aqui? — perguntou pegando minha mão.

O toque dele era diferente.

—  Eu estava lavando facas, quando a confusão começou — digo.

Ele pega uma caixinha com vários potes de ervas e alguns cremes.

— Essa é minha sala e a de mais alguns operários —  explica.

Eric também pegou um recipiente com agua e uma chaleira.

— O que vai fazer? — pergunto.

— Um chá — disse irônico.

Ele pega minha mão novamente, mergulha o lenço na agua e começa a limpar decentemente o sangue.

— Seu corte pode infeccionar se não tratar, e já que a previsão para sair daqui não é tão cedo, precisa de um curativo — explicou.

— Como sabe quais ervas usar? — pergunto.

— Minha mãe é curandeira e meu pai é botânico. Agora eles trabalham no campo, numa fazenda de milho em pandora. Por isso vim para cá, para tentar ganhar mais dinheiro e ajuda-los. — contou.

Assim que olhou minhas pequenas cicatrizes no pulso, levantou a manga até o cotovelo e perguntou:

— Como você, uma dama, pode ter tantas cicatrizes de arranhões e cortes? 

— Longa história — digo desinteressada.

Ele levanta e vai esquentar a agua na chaleira.

— Temos tempo —  diz insistindo.

Inspiro fundo.

— Minha historia envolve coisas que não sei se devo contar a você, me de um motivo para confiar em sua pessoa.

Ele vira para mim e semicerra os olhos.

— Garota, estou cuidando do seu corte e em segundo lugar, algo me diz que pode me tirar daqui, então, prossiga com sua longa história — disse ele.

Por essa eu não esperava.

— O.K., acho que deve saber que não sou Dayse, sou a Joy. E também sou a estrangeira. —  puxo uma mecha do meu cabelo para comprovar — Fui enviada para cá por uma armação, eu não sabia que viria para este fim de mundo conservador. 

— Sabia! Seu pandorano é perfeito demais para uma Hyntzna.

Ele caminhou com a chaleira até mim, e posicionou um balde embaixo da minha mão.

— Bem, provavelmente isso vai queimar um pouquinho, mas para cicatrizar e desinfetar mais rápido é sua única opção —  avisou.

Eric virou a palma da minha mão para cima, e despejou a agua quente.

Soltei um gemido de dor. A água estava muito quente.

— Pronto, agora só vou usar algumas pomadas e enfaixar — prosseguiu.

— O.K.. Continuando minha "história", eu trabalho no governo e recebemos algumas "missões". Com o tempo, os treinos e outros motivos eu adquiri esses arranhões e cicatrizes — finalizei.

— Sua história nem era tão grande assim — afirmou.

— Quando você mencionou que eu poderia te tirar daqui, o que quer dizer com isso? — questionei.

— Meu trabalho aqui não é dos melhores, e também não tenho dinheiro para voltar a Pandora. Recebi uma carta preocupante do meu pai mês passado e preciso voltar para resolver pendências familiares — explicou.

— Aonde eu entro nisso?

— Você conseguiria me colocar dentro de um vôo — falou.

— Eric, eu fui obrigada a estar aqui. Qualquer um da comitiva que me ver num vôo de volta para Pandora, vai me mandar pra cá imediatamente. Eu pretendo fugir como desconhecida daqui, não como Joyce Ayales.

— Eu te ajudo a sair daqui e você me ajuda a chegar em Pandora.

— Então temos um trato? — estendo a mão boa.

— Aparentemente, sim — ele ignora minha mão e vai guardar a caixinha de ervas.



Deadly Mirrors - 1° Rascunho - CONCLUÍDAOnde histórias criam vida. Descubra agora