6| Confiança

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O dia começou cedo. Segundo Ben, eu precisava recuperar minha habilidade com armas.

A avaliação da minha "situação" seria feita pela Hester, segundo Kimmy, uma amiga.

— Que demora! — Esbravejou irritada.

— Bom dia pra você também, Hester — retrucou Ben.

Ela revirou os olhos e me entregou várias facas. Elas eram totalmente de metal e bem leves.

— Mostre o que conseguir. — Hester apontou para o alvo. — Postura! — Esbravejou, puxando meus ombros para trás.

Inspirei fundo e mirei no alvo. Joguei a faca que acertou bem próximo ao centro. 

— Nada mal! — Elogiou Ben.

Sorri.

— Você já foi melhor! — desdenhou Hester, com um olhar de reprovação.

Enquanto ela caminhava até o alvo, joguei a faca que atingiu bem pertinho de seu rosto. Arquei uma das sobrancelhas, em seguida ela deu um breve sorriso e disparou:

— Sabia que não iria me decepcionar! Parece que a antiga Joy está de volta, não é?!

Ben ficou boquiaberto.

Treinamos arco e flecha, luta corpo a corpo, espada e bastão, armas de fogo e outras coisas mais. Dentre elas, eu sou pior em luta corporal; por isso, planejo me assegurar que não vou precisar chegar a essa fase em um combate.

— Bem, vamos treinar todos os dias a este horário, a partir de agora. Vou pedir para que Carter te ajude no quesito resistência, para melhorar sua luta corporal — falou enquanto anotava em sua prancheta.

— Carter? Por que não Ben?— Pergunto inquieta.

— Ben? Hahaha, Ben é péssimo nisso também. Algum problema com Carter?

— Na verdade... Tem sim! Ele disse que tentei mata-lo da "última vez que nos vimos"! Óbvio que tem um problema nisso! 

— Eh verdade, eu me lembro. Mas isso é literalmente passado. Além do mais, foi um mal entendido. Acredite em mim, não foi nada de mais — argumentou calmamente.

— É, ela tem razão Joy. Carter jamais tocaria em você. Vocês só estavam no lugar errado e na hora errada — concordou Ben.

Reviro os olhos.

— Seja o que for, ainda não confio nele, nem em vocês. — Deixei a sala com passos apressados, ainda frustrada e confusa.

Após tomar uma ducha e vestir roupas limpas e sem suor, deitei na cama com um caderninho e comecei a rabiscar algumas anotações sobre o dia e as conversas que tive. Meus avanços e detalhes sobre lugares a conhecer na Embaixada.

Por mais incrível que pareça, não tive um episódio de amnésia desde que cheguei aqui. Consigo me lembrar claramente de tudo o quê aconteceu desde a travessia no espelho, até os momentos com Ben e Hester horas atrás.

Kimmy surgiu pela porta, após bater nela sutilmente e eu abri-la. Ela carregava um saco de papel com a marca da cafeteria.  

— Trouxe os seus bolinhos favoritos. — Anunciou ao entrar.

— Por que bateu na porta? Você nunca bate — admito.

— É mesmo, porém vim te fazer companhia. Fiquei sabendo que está estressada.

Fiquei calada, mas foi em vão. Só faltava estar escrito na testa dela: "O que foi agora?"

— Hester sugeriu que eu treinasse minha resistência com Carter — comecei.

— E...

— E que eu não confio nele, não confio em vocês. Ele me disse que tentei mata-lo. Como posso confiar nele assim? — Falo por fim, não conseguindo evitar as palavras e soando, talvez, um pouco rude.

Sua expressão facial mudou. Passou de curiosidade para, provavelmente decepção.

— Sim, você tentou matar ele. Você suspeitava que estavam tentando te eliminar do mapa; ficou em alerta. Quando Carter chegou para dizer o que sabia, você entendeu a situação toda errada e tentou matar ele. Foi isso, Joy, o que aconteceu — disse ela, soando irritada.

Pela primeira vez ela parecia estar incomodada com algo.

— Joy, nunca passou pela sua cabeça o que a gente viveu, enquanto estava sendo dada como morta? Você está há semanas aqui, vê como te olham, escuta sobre seu passado o tempo todo e continua sendo... Assim?— Ela levantou da cama e caminhou até a porta.

— Para alguns, você tinha falecido. Haveria um funeral em sua memória; eu e Ben acreditávamos que estivesse viva, então não permitimos que isso acontecesse. Chorei semanas por você, Ben surtou e ainda lida com isso! Sabia que ele veio até mim chorar, quando descobriu que você não se lembrava dele?! — fez uma pausa — Você voltou, e não se lembra de nós, da sua família, das nossas boas memórias. Estamos tentando te dar espaço, respeitando seu tempo. — Ela hesitou em continuar; abriu a porta — Mas, mil desculpas Joyce, você também tem que nos entender, entender nosso lado. Não estou falando para criar confiança na gente, apenas para ser menos ignorante e nos ouvir! — conclui. Vejo uma lágrima despontar de seu rosto.

Sem mais nenhum comentário, ela saiu e bateu a porta.

Não tinha percebido, não tinha nem se quer parado pra pensar no que ela havia dito. Estava tão preocupada com meus problemas, que deixei de lado todos os outros. Talvez eu realmente estivesse sendo ignorante com eles. Quantas, e quantas vezes eu evitei Ben? Apenas para evitar as milhares de histórias sobre mim, que eu não lembrava. Me sinto péssima com isso, sinto que deveria falar com eles, e também esclarecer a situação.

Deadly Mirrors - 1° Rascunho - CONCLUÍDAWhere stories live. Discover now