QUINZE

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Juliette Freire.

Na sexta-feira eu me sentia cansada e dolorida. Nunca fiz tanto sexo em uma noite só, intercalando cochilos com momentos arrebatadores nos braços de Sarah. Rodolffo me deixara em casa às seis da manhã. Sarah se despediu fria, dizendo apenas que manteria contato. Assim, não sabia se ela ia querer me ver naquela sexta-feira ou não.

Mary cuidou de Bil, sem ter muito que fazer além de virá-lo de vez em quando, mantê-lo limpo e observar o soro. Aproveitei a presença dela para dar um banho melhor nele, sobre a cama, conseguindo até segurar a sua cabeça na beira e lavar seus cabelos. Fiz uma sopa bem rala e forte, com vários legumes, e eu mesma quis alimentá-lo pelo dreno em sua garganta. A sopa ia direto para o estômago.

Embora Mary fosse experiente e garantisse que não precisava de mim, toda hora eu vinha ao quarto conferir o soro e perguntar se ele estava com a fralda limpa ou com a posição trocada.

A enfermeira matava o resto do tempo lendo romances, fazendo tricô e batendo o maior papo com Ceci, que adorava conversar e vinha fazer companhia a ela a todo momento. As duas se deram muito bem.

Eu havia conseguido algumas encomendas de vizinhos para passar roupa e não podia dispensar dinheiro. Não sabia se precisaria ter mais gastos dali para frente e precisava guardar o máximo que eu pudesse. Os cinco mil que Sarah me daria dali um mês não durariam para sempre.

A sala ficou cheia de mudas de roupa e eu fiquei passando-as, mergulhada em pensamentos e lembranças do passado e atuais. Minha vida parecia uma novela, que eu rebobinava e adiantava em minha mente, sem ordem e sem uma perfeita cacofonia. Meus pais, mãe de Bil, Bil, Sarah, o Evandro, pai de Sarah que se casou com a mãe de Bil; Cecile, em diferentes fases de sua vida.

Todos eles iam e vinham em lembranças diversas durante aqueles meus vinte e oito anos de existência. Sentia-me velha, como se já tivesse vivido muita coisa, uma eternidade. Colegas de trabalho e da faculdade também surgiam e às vezes eu sorria sozinha, lembrando de um tempo em que eu só me preocupava em estudar, ter uma boa profissão, ter um filho com Bil e ser feliz.

As coisas não saíram exatamente como eu queria, mas não podia reclamar. Eu tinha Cecile. Se Bil não estivesse doente, o resto não teria importância.

Indaguei-me se Bil, naquele estado de semicoma teria lembranças ou consciência do que estava acontecendo. Os médicos haviam dito que não. Mas eu sofria com medo de que ele sentisse dor, desespero e estivesse consciente de que estava preso dentro de um corpo acabado, imóvel e praticamente sem vida. 

Angustiada, desliguei o ferro de passar roupa e fui até o nosso quarto. Fazia um dia bonito e a janela estava aberta, deixando entrar a claridade e o ar fresco. Bil estava bem cuidado sobre a cama e tudo brilhava, muito limpo.

Sentada em uma cadeira, Mary usava seu uniforme branco impecável e fazia tricô, enquanto Cecile estava sobre uma almofada no chão, brincando com dua bonecas e falando sem parar.

- Mamãe! A tia Mary está fazendo um vestido para Anne e para a Hannah! - Mostrou-me as duas bonecas, feliz da vida.

- Cecile por que não deixa a Mary quieta e vai brincar um pouco lá na sala?

- Deixa a menina aqui. - Mary sorriu, com as bochechas gordinhas bem coradas. - Ela é uma graça e está me fazendo companhia, não é Cecile?

- É. - Cecile respondeu com o queixo erguido, satisfeita.

Sorri para ela. Era um doce de menina. Depois olhei para Bil. Cecile cresceu vendo o pai na cama e não estranhava muito o fato. A princípio eu não queria que ela ficasse muito ali, com medo que fosse afetada psicologicamente. Mas não tive  coragem de impedi-la, pois teríamos pouco tempo com ele.

CHANTAGEM - SARIETTEOnde as histórias ganham vida. Descobre agora