Capítulo XXVI - 1975

87 7 29
                                    

━━━━━━━━━━━━━━━━━━━━
Um Ômega-Beta
━━━━━━━━━━

     A bandeja prateada minuciosamente polida foi posta à mesa de centro por um par de mãos direitas de uma velha mulher que, apesar do problema congênito raro, era bastante habilidosa não quebrando uma louça sequer, e Dio apreciava em demasia a dedicação, verdadeira adoração dela para consigo.

No entanto, a empregada não trouxera o chá; embora fosse o costume de qualquer britânico bebericar um pouco dessa famosa infusão de ervas com leite e biscoitos à tarde, o que se via sobre a bandeja era uma garrafa de um bom vinho Pouilly-Fuissé com saca-rolhas fincado no topo e duas taças de vidro.

— Ótimo, Enya – disse Dio enquanto passeava com os olhos por cada linha do contrato e, eventualmente, para a porta. — Tá liberada por hoje... Não, hoje, não. Talvez... devesse voltar somente semana que vem.

— Folgas remuneradas, Lorde Dio? – indagou Enya numa voz pigarreada.

— Folgas remuneradas... – repetiu numa afirmação, erguendo o olhar sobre os papéis que segurava.

Achou uma tremenda ousadia a mulher fazer exigências, mas Dio não estava disposto a discutir leis trabalhistas sabendo que o dinheiro gasto com o serviço não era o seu. Isso era problema do alfa. Enya fora contratada para não lhe dar dores de cabeça e assim era feito com excelência.

Enya acenou com a cabeça, mas olhou para a visita sentada na poltrona e depois voltou para Dio, franzindo a testa já enrugada por alguma ideia ter passado em sua mente – sagaz e inconveniente – para, então, deixar surgir um sorriso banguela indecifrável e nada agradável aos olhos.

Dio teve dúvidas quanto a real motivação daquela horrenda contração dos músculos faciais de uma boca sem dentes da mulher; se era por poder receber sem trabalhar ou uma insinuação de cumplicidade entre patrão e empregada, como se confidenciassem um segredo que seria "período fértil chegando e ninguém mais além de um alfa deveria permanecer no apartamento", como passaria acontecer a cada seis meses.

Ele não se explicaria para uma subordinada que, fosse lá o que ela estivesse pensando, continuaria sendo Jonathan e ninguém mais a resolver esta questão hormonal, e que nada disso era assunto que uma reles empregada deveria se envolver.

Como ela permaneceu parada expondo aquela coisa desagradável na face, Dio abaixou os papéis e disse:

— Deseja mais alguma coisa, Enya, ou precise que eu diga com todas as letras para ir embora?

A reação da velha foi imediata; ela curvou-se diante de Dio, sussurrando pedidos de perdão enquanto saía da sala a passos ansiosos, como se temesse a ira de um deus egípcio.

Assim que ela sumiu ao virar-se para outro cômodo, pegar as suas coisas e ir embora acenando com uma mão que deveria ser a esquerda, Dio descambou-se a rir escondendo o rosto atrás dos papéis do contrato.

— "Lorde Dio"? – Ouviu Enrico perguntar, também em meio a risos.

— Ela sempre me chamou dessa forma – respondeu assim que se recompôs, dando uma espiada na porta, voltando a olhar para Enrico depois, achando curioso o fato de ele não ter feito qualquer comentário sobre a deficiência da mulher, primeiro. — Não será eu, Dio, a corrigi-la se é o que espera. Mas adoro quando ela faz essas bobagens... Ela salvou a minha vida e eu a dela de certa maneira – justificou, lembrando-se de quando precisou de resgate, Enya foi quem lhe oferecera. — Por isso essa "gratidão" eterna por parte dela que eu, Dio, chamo de lealdade e subserviência. Algo raro hoje em dia.

Âmbar No Azul-Celeste [✓]Where stories live. Discover now