CAPÍTULO 17

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SALVATORE


Maria Clara escondia algo sério.

Não faço ideia do que seja, mas a merda é muito mais profunda do que eu imaginava. Seu desespero foi assustador. O medo estampado em seu rosto, a vulnerabilidade. E a necessidade de proteção. Agora, cada poro meu exala a necessidade de protegê-la, inclusive dela mesma.

A intensidade de sua presença na minha vida e os sentimentos que ela vinha trazendo eram assustadores. Ela estava, de alguma forma, em cada detalhe ao meu redor, mencionada em cada conversa, conjurada em pensamentos. No café perfeito das manhãs, ao cheiro de floresta que irradia de seu corpo, até a voz sensual no telefone e o corpo gostoso que fazia meus funcionários babarem. Ela estava se infiltrando em tudo.

Por isso, nem mesmo me surpreendo quando minha Mama começava a falar de Maria Clara enquanto corta o cabelo de meu pai, que parece mais do que feliz de ter a cabeça acariciada por sua esposa.

- Ela é tão boazinha, querido. – Minha mãe diz, em italiano. – Tem um coração tão bonito. Pena que possui tanta tristeza. – suspira.

- Ela comentou alguma coisa? – Pergunto, alarmado e minha mãe sorri docemente para mim.

- Não, querido, só consigo notar, está nos olhos dela.

- Deixem a menina quieta, quando se sentir pronta vai compartilhar suas dores com algum de vocês. – Meu pai diz, soprando os picotes de cabelo que caíram em seus braços.

- Seu pai tem razão, devemos respeitar sua vontade.

- Mesmo se isso significar que ela viva em sofrimento sozinha? – Pergunto, odiando aquela ideia. Eu sabia respeitar limites, mas cada músculo do meu corpo se contorce com a ideia de assisti-la viver em tanta dor.

- Meu filho, às vezes, tudo que podemos fazer por quem amamos é garantir que eles saibam que são bem-vindos para compartilhar seus fardos e que a porta sempre estará aberta para isso. – minha mãe diz, ficando na ponta dos pés para conseguir beijar meu rosto.

Eu concordo com a cabeça porque não sei o que falar. Minha mãe era uma mulher sábia, e tinha razão. Eu precisava dar um passo para trás e permitir que ela viesse até mim, se fosse sua vontade.

-Prontinho, Mama Helena. – Alex surge pela porta, limpando suas mãos com um pano. – A secadora está instalada. – ele estala um beijo no rosto feliz da minha mãe.

- Muito obrigada, querido.

- Imagina, ficamos felizes de poder te ajudar. – o idiota diz, abrindo caminho para que Nina passe pela porta também.

- Sou sua filha favorita agora? – Nina pergunta, indo abraçar Mama.

- Vocês precisam parar com essa competição de quem me dá mais coisas. – Minha mãe resmunga e eu reviro meus olhos, entendendo tudo.

- Foi o idiota do Salvatore que começou quando te deu a máquina de lavar, como se nós não quiséssemos te mimar, Mama! – Nina diz, emburrada.

- Cresce, Marina. – digo e recebo seu olhar mortal de sempre.

- Cadê minhas sobrinhas? – Indago.

- Susu está com Aninha e Dan, Vi e Mel foram passear no shopping com Gabriel. – Alex diz, roubando uma maçã da cesta de frutas da mesa.

- Cadê sua futura esposa? – Nina pergunta naquele tom insolente que me faz querer esganá-la. O sorrisinho em seu rosto só me deixa mais irritado.

- Morreu na semana passada, uma pena. – Solto, ácido e Nina abre a boca em choque.

- Que horror, Salvatore! Não sei como Maria Clara aguenta conviver com você e seu mau humor.

- Acredite, perto dela eu sou educado.

- Por isso vocês irão casar. – Ela diz, com uma risadinha.

- E é por esse tipo de comentário que eu me limito a duas horas de convivência com você desde que comecei a dar aulas para Maria. E olha só – digo, enquanto checo meu relógio – já bati meu limite, preciso ir.

- Babaca. – Ela me dá língua.

- Marina. – Mama repreende e Alex e meu pai riem.

- É verdade. – Ela diz, dando de ombros.

- Ela aprendeu comigo, viu, Alex? – ironizo, dando um tapinha no ombro do meu cunhado, que segura o sorriso como o bom marido esperto que ele era.

Nina solta um grunhido e eu rio. Me despeço de todos com um beijo e sigo em direção ao meu bar favorito no centro, onde Diego me espera para tomarmos uma cerveja. Não nos víamos desde toda a merda que aconteceu com Ana e Danilo, e apesar de ser desconfiado do mundo, o cara era um ótimo amigo.

Nos conhecemos há três anos, logo antes dele virar delegado, quando ele quis se tornar meu aluno. Entre uma cerveja e outra após o treino, acabamos nos aproximando. Eu sabia quase nada sobre sua vida pessoal, mas imaginava que deveria ser difícil para ele se abrir, principalmente quando estava sempre em perigo.

- Fala, cara. – Digo, batendo em suas costas assim que caminho para nossa mesa de sempre. Ele não se levanta, apenas me cumprimenta com a cabeça, como sempre. Eu era bom em leitura corporal e Diego era quase melhor, seu corpo nunca entregava nada sobre seus pensamentos.

- E aí? – Ele pergunta, acenando para Jeferson, nosso garçom. Diego está vestido de preto como sempre, mas dessa vez está de blusa social.

- Como está o trabalho?

- Cheio como sempre. E o complexo? – ele pergunta.

- Caótico como sempre.

- O que você anda fazendo andando para cima e para baixo com sua nova funcionária? – Diego pergunta, dando um gole longo em sua cerveja.

- Já falei para você parar com essa merda de ficar me seguindo, porra. – resmungo, bebendo minha cerveja também.

- Estou sempre mantendo um olho na sua família, você não pode me culpar depois de tudo. – ele diz, o tom sombrio por detrás de suas palavras fazendo com que ele franza o cenho.

E ele estava certo. O irmão de Ana vinha nos observando há anos sem ninguém perceber. Agora todo cuidado era pouco.

- Obrigado. – agradeço.

- Quer que eu dê uma olhada nela? – ele pergunta, se referindo a Maria, e a checar seus antecedentes. Travo meu maxilar com o pensamento.

- Não. – digo, enfático. - Não quero ninguém invadindo a privacidade dela. Ela não é perigosa.

Diego me olha, claramente vendo todo o meu desconforto com a menção de Maria Clara e me lança aquele maldito olhar de delegado que parece saber todos os meus segredos.

- Você gosta dela? – Ele pergunta e eu engasgo.

- Ah caralho, pelo amor de Deus, você também não! – exclamo e vejo os cantos da boca de Diego tremularem num sorriso.

- Gosta? – Ele insiste.

- Claro que gosto, porra! Ela é da família e é minha aluna e funcionária.

- Por isso não seria muito esperto da sua parte se envolver.

- Diego, você tem tempo pra ter uma mulher agora? – pergunto, já sabendo a resposta.

- Nem agora, nem nunca. – Ele resmunga.

- E eu te encho o saco por isso?

- Não estou enchendo o seu saco, seu fodido. – Diego fala, me chutando por debaixo da mesa. – Fiz apenas uma pergunta, e por toda a atitude defensiva, já até sei que tá mentindo na minha cara.

- Vai se foder. Não tenho nada com a Maria Clara e fica longe dela. – Mando, apontando meu dedo em sua direção.

- Muito sensato. – Diego resmunga, cheio de ironia.

Eu viro minha cerveja, porque é a única coisa que faz sentido.

Foda-se. 

REDENÇÃO - Irmãos Fiori: Livro III - COMPLETOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora