CAPÍTULO 4

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Maria Clara

Eu já havia quebrado muitos ossos, levado muitos pontos e apanhado muito, e eu podia falar com toda a certeza do mundo que nada, absolutamente nada é mais irritante do que a recuperação de um pé torcido.
Aquela dorzinha chata que te pega desprevenida a cada vez que você esquece de tomar cuidado, e os roxos doloridos que fazem seu pé parecer um peixe morto, todo inchado e molengo.

Então posso dizer com tranquilidade que a última semana havia sido um pequeno inferno que tinha me deixado com o humor mais agradável do mundo - e como podemos perceber, meu humor ficava ainda mais sarcástico quando eu estava irritada, o que não era uma surpresa para ninguém. Eu havia feito as compressas como Salvatore havia falado, tomado minha combinação de chá de eucalipto e erva-doce para ajudar com a inflamação e ficado de repouso. Não havia muito o que fazer além de esperar.

E é por isso que agora, podendo encostar meu pé no chão sem fazer uma careta e caminhando no shopping com uma Mariana feliz ao meu lado, eu estou quase radiante. Ficar olhando para as paredes estava me enlouquecendo. O silêncio me deixava sozinha com meus pensamentos, o que nunca era bom. Principalmente quando na última semana, o rosto de um moreno alto e familiar vinha sendo o personagem principal de cada uma de minhas divagações.

Eu ainda não havia me decidido sobre as aulas. Eu não sabia se seria uma boa ideia entrar em contato com esse meu lado adormecido há tanto tempo. E fazer isso com Salvatore, tornava toda a situação ainda mais complicada. Eu sabia o que me esperava em suas aulas, eu teria que abaixar minhas guardas e me tornar vulnerável e não há nada que eu odeie mais no mundo do que essas duas coisas - talvez apenas pés torcidos.

— Eu achava que Ana pensava muito até te conhecer. - Mariana diz, me tirando das minhas divagações.

Eu pisco e a encaro, me surpreendendo como sempre com o quão bonita ela é de perto. Hoje, sem maquiagem nenhuma e usando jeans e camisa branca, ela parece ter acabado de sair de um ensaio da Calvin Klein. Os cabelos ruivos balançam até sua cintura, contrastando com o branco pálido.

— Desculpa. — Eu peço, com um sorriso. — Só muita coisa na cabeça.

Ela concorda em silêncio e não faz mais perguntas, me lembrando do porque gosto tanto dela: ela nunca me pressiona a falar. Mari para no stand de sorvetes e paga uma casquinha de baunilha para mim, e uma de chocolate para ela. Viemos ao shopping almoçar com Aninha, mas ela ainda não havia chegado.

— Você já pensou sobre a proposta de Salvatore? — Ela pergunta, piscando para mim.

— Não sei, Mari. Acho que não é uma boa ideia. - Digo, respirando fundo, e sinto seus olhos verdes em mim, me analisando de verdade. Não a olho de volta porque sei que ela é observadora e tenho medo que ela enxergue demais.

— Posso te fazer uma pergunta? — Ela indaga, e franzo meu cenho, mas aceno com a cabeça, concordando.

— Do que você tem tanto medo?

Sua pergunta me pega completamente desprevenida e acho que ela percebe o meu choque porque logo emenda, tentando se explicar.

— Não estou te chamando de medrosa. - Ela diz, piscando os olhos verdes gentis para mim. — É só que você tem essa coisa que eu não sei explicar, como se você estivesse sempre pronta para receber o pior das pessoas. Como se nunca pudesse confiar em nada e nem ninguém.

Eu pisco, tentando acompanhar todos os sentimentos e o impacto de suas palavras, e principalmente tentando organizar meus pensamentos para formar uma resposta que tenha sentido e que seja sincera, mas que não mostre ainda mais pontos-fracos.

— Coisas aconteceram, Mari. Coisas do meu passado que não posso e nem quero revirar. Só me tornei mais... Dura, eu acho. Como se apanhar tanto tivesse criado essa casca dura ao meu redor.

Mariana me olha, me olha de verdade, como se realmente me compreendesse, o que me surpreende, mas não mais do que as palavras que saem da sua boca no instante seguinte, e que, irremediavelmente, mudariam a minha vida para sempre:

— Você não acha que está na hora de começar a bater de volta?





Naquela mesma noite, lutando contra todos os meus instintos que dizem que isso é uma péssima ideia, abro o aplicativo de mensagem e acho o contato que nunca recebeu nenhuma mensagem minhas nos últimos quase cinco anos que nos conhecemos.

Maria Clara Lima: Eu aceito. Ser sua aluna. Se a proposta ainda estiver de pé.

Salvatore Fiori: Está. Posso perguntar o que te convenceu?

Maria Clara Lima: Está na hora de lutar contra as coisas certas.

Ele demora a responder e isso me faz pensar se falei algo tão errado que ele está repensando se realmente quer me aceitar. Quando seu nome pisca na tela, dez minutos depois, percebo que meus dedos estão trêmulos.

Salvatore Fiori: Segunda, 05h no complexo.

Maria Clara Lima: Eu não ia ficar com seu horário de almoço?

Salvatore Fiori: Perdi o almoço ontem e percebi que não posso abrir mão dele, espero que você goste de acordar cedo.

Maria Clara Lima: Detesto.

Salvatore Fiori: Que bom. Boa noite.

Encaro suas últimas palavras, quase podendo escutar seu tom grave completamente indiferente. Ácido. Como eu. Por um segundo, quase tenho vontade de sorrir. Essa experiência seria no mínimo... Interessante.

REDENÇÃO - Irmãos Fiori: Livro III - COMPLETOTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang