Capítulo 15: Safira da Água.

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Kayla

Encarei a Cidade do Porto, engolindo em seco ao perceber que estava prestes a pisar em terra firme, quando minha ideia era ficar longe dela pelo maior tempo possível. Com uma respiração pesada entalada na garganta, ajeitei o diário do rei dos mares dentro da minha jaqueta e segui até a rampa para descer.

—Fique com o navio por perto do porto. Não sei quanto tempo vamos demorar. —Afirmei, olhando para Kaiser, que balançou a cabeça afirmativamente. Então estendi a mão na direção dele e deixei que a safira da água surgisse ali. —Se Devlon aparecer, pode transforma-lo em uma pedra de gelo.

—Capitã! —Ele segurou a ponta do chapéu e acenou com ele. —Ficarei de olhos abertos.

Desci a rampa, vendo Axel me esperando já em terra firme, com uma careta ao observar a cidade ao seu redor. Parei ao lado dele, entendendo perfeitamente o porque da sua careta. A Cidade do Porto era muito rica. Mas agora estava mais cheia, mais caótica e com uma sensação sombria.

—Vamos pegar um trem até a Cidade da Esperança. —Afirmei, vendo ele girar a cabeça para me olhar. —Vamos evitar a Cidade dos Ossos por enquanto.

—Eu espero que Kenji esteja fazendo algo muito interessante. —Murmurou, quando comecei a me afastar em direção as ruas cheias da cidade. —Por que eu não estava nem um pouco a fim de voltar a andar por essas ruas, como da outra vez.

—Ah, aposto que a floresta do medo ainda está lá, com aquela lenda idiota do fantasma, que você criou. —Olhei por cima do ombro, apenas para vê-lo pressionar os lábios em um sorriso lascivo.

—Uma época e tanto. Melhor do que os dias que eu e Kenji passamos no Mundo Inferior. —Afirmou, enquanto me seguia, desviando das pessoas pelo caminho. —Você foi a única que teve coragem de entrar naquela floresta.

—Só estava fugindo do Devlon, você sabe. —Virei uma rua, parando de caminhar e me voltando para Axel do nada, que bateu seu peito contra mim, antes de parar de andar. —Guardas solares.

—Não vão prender nos dois. Sabe disso. —Deu de ombros, olhando por cima do meu ombro, para onde os guardas estavam.

—Isso não significa que eu queira encontra-los. —Rebati, vendo ele estalar a língua e curvar os lábios em resignação. —Só quero chegar até a Cidade da Esperança sem ter que dar explicações para ninguém.

Axel abaixou os olhos até os meus, me encarando de uma forma que teria me deixado constrangida antes, se já não conhecesse cada pedaço dele.

—Vamos, eles já se foram. —Afirmou, desviando os olhos dos meus e soltando uma respiração pesada. Virei de volta para rua e deixei que ele tomasse a frente.

[...]

—Vou contar até três. —Afirmei, tampando meus olhos com as mãos, ouvindo os passos apressados dos dois, tentando se esconder de mim. —Um... dois... —Afastei as mãos do rosto, mas mantive meus olhos fechados. —Três! Eu estou indo!

Olhei ao redor da sala, vendo a lareira acessa e tudo muito organizado, sem nenhum sinal dos meus irmãos por ali. Caminhei pela sala, puxando as cortinas e procurando nos lugares mais possíveis de eles se esconderem.

—Estou subindo. —Murmurei, abrindo um sorriso ao ouvir o som de algo caindo lá em cima. Subi os degraus de dois em dois, segurando a saia do vestido rosa, chegando até o corredor. Evitei a porta do quarto da minha mãe, indo primeiro no meu quarto.

Olhei cada canto, engolindo em seco ao não acha-los ali. Fui para o quarto dois dois e depois para o banheiro, não os encontrando. Voltei para o corredor, parando na frente da porta do quarto da minha mãe e de Simon, encarando a mesma hesitante.

Meu coração disparou no peito e eu levei as mãos na maçaneta, ficando na ponta dos pés para alcançá-la. Abri o trinco e a empurrei, com as batidas do meu coração martelando no peito e o medo tomando conta de mim. Mas com um passo hesitante, entrei no quarto.

Arfei de surpresa, levando a mão ao peito ao senti-lo disparado. Meu corpo estava tremulo e as vozes dos meus irmãos se repetiam na minha cabeça diversas vezes, como se eu não fosse capaz d esquece-las nunca.

—Kay? —Axel estava de joelhos na minha frente. A cabine do trem estava silenciosa, exceto pelo barulho do mesmo correndo sobre os trilhos, enquanto a floresta passava como um borrão do lado de fora. —Ei, o que foi?

—Pesadelo, de novo. —Sussurrei, sentindo as mãos dele ao redor do meu rosto. —Eu odeio precisar dormir, Axel. Odeio voltar lá todas as vezes.

Ele se sentou no banco ao meu lado, me puxando para si, até eu estar sentada sobre seu colo, com o rosto escondido na curva do seu pescoço. Ele beijou minha testa, acariciando meus cabelos, enquanto sua outra mão me prendia contra si.

—Vamos resolver isso, Kay. —Prometeu. —Vamos chegar até aquela ilha e vamos resolver isso. E se não encontrarmos o que procuramos lá, vamos procurar em outro lugar. Estou com você.

Senti meu corpo tremer contra o dele e aos poucos ir se acalmando, enquanto eu sentia as sombras me envolverem protetoramente e o calor do corpo de Axel passar para o meu, fazendo meu coração desacelerar e eu relaxar.

—Axel? —Chamei, afastando meu rosto para encara-lo. —Acha que eu sou um monstro?

—Você se acha um monstro? —Reverteu a pergunta, enquanto erguia as sobrancelhas e aproximava o rosto do meu. —Convivi com muitos monstros, Kay. E você certamente não é um deles.

Encarei as estrelas que brilhavam nos olhos dele, iluminadas na minha direção, enquanto pensava naquela pergunta.

Estou sempre tentando sair do poço de autodestruição em que entrei. Mas quanto mais tento sair, mais os pesadelos me puxam de volta para o fundo. Isso torna minha vida mais efêmera ainda. Mas não sou um monstro como dizem. Sou uma sobrevivente.


Continua...

Um Mundo de Sombras / Vol. 2Where stories live. Discover now