Capítulo 38: Rei dos Mares.

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Kenji

Algumas vezes, lutamos tanto por algo que nem percebemos que está perdido, apenas para chegar no final da linha e descobrir que aquilo não tem mais salvação. Pensei que quebrando a barreira poderia ter tudo de volta. Minha mãe, o reino, nossos amigos e familiares que ficaram para trás.

Mas foram séculos perdidos. Séculos que mudaram tanto os que estavam fora da barreira quanto os que estavam dentro dela. Percebi tarde demais que minha mãe não tem mais salvação. Não existe um objeto mágico que faça ela parar. Não existe uma palavra ou frase que a faça desistir. A magia está tão dentro dela agora que é impossível voltar atrás.

Queria não ter ido atrás das safiras. Queria não ter destruído aquela barreira. Queria que ela voltasse ao normal para não precisar ver alguém a matando.

—Kenji? —Olhei por cima do ombro, para a figura de Cedric que se aproximava e se sentava ao meu lado, nos degraus que davam para a varanda da casa. —Tudo bem?

—Tá, claro. —Foi uma resposta evasiva, porque eu não queria ouvi-lo falar sobre minha mãe.

Sobre seu ódio por ela e sobre sua vontade de matá-la. Até mesmo Kayla estava com vontade de matá-la agora. E eu não a culpo. Existem muitas coisas que podem ser ditos a Kayla, mas mexer com o assunto dos irmãos dela não é uma dessas coisas. Agora ela está na cidade, procurando Devlon com os olhos furiosos e o sangue fervendo. Ela pode matá-lo se quiser. Não ficaria triste com isso e Axel muito menos.

—Sinto muito por isso. —Afirmou, engolindo muito lentamente. —Sei que deve ser difícil pra caramba.

—Sinto muito pela sua mãe e seu pai. —Falei de volta, vendo ele soltar um suspiro. —Não imagino como deve ter sido estranho ver ela, saber como ela era de verdade, mas saber que ela também está morta.

—Tudo bem. Já superei isso, eu acho. —Ele deu de ombros, passando a mão no rosto. —Passei muito tempo tentando lembrar da minha infância. Gostaria de saber se em algum momento da minha vida convivi com eles. Mas não acho que isso mudaria algo. Eu ficaria triste ou com raiva provavelmente. Não quero nenhum desses sentimentos.

Balancei a cabeça em concordância, sem saber ao certo o que dizer. Meus olhos estavam no jardim a nossa frente, no campo e na linha das árvores a diante. Não havia nada de acolhedor naquele momento. A sensação ao nosso redor era estranha, como se a morte estivesse pronta para aparecer em pessoa na nossa frente.

Estendi a mão e segurei a de Cedric, sentindo o ar do dia bater contra o meu rosto e bagunçar meus cabelos. Ele não disse nada, apenas entrelaçou nossos dedos. Ficamos ali, em silêncio, observando a floresta e tudo ao redor, enquanto tentávamos pensar no que fazer.

[...]

Peguei minha mochila e comecei a enfiar tudo dentro dela, sabendo que assim que Kayla e Axel voltassem íamos para alto mar de novo. Não sei bem como ele a convenceu, mas sei que ela vai ajudá-los agora. Não estou com raiva dela por se aliar aos inimigos da minha mãe. Eu provavelmente faria a mesma coisa se estivesse no lugar dela. Mas não sei como Diana e Lyra irão reagir a isso. Percebi no tempo que passei com as duas que elas não tem os melhores pensamentos em relação ao que Kayla fez.

—O que é isso? —Olhei pra trás, vendo Cedric entrar no quarto com o diário do Rei dos Mares nas mãos. Kayla costumava andar com aquilo pra cima e para baixo, sempre lendo um pouco a cada momento de sossego.

—O diário do capitão do Rainha Vermelha. —Afirmei, vendo ele erguer as sobrancelhas. —O Rei dos Mares. Kayla recuperou o navio dele. Estava em pedaços em uma parte afastada da ilha dos piratas. O diário estava junto com o tesouro dele.

—Eu sabia disso. —Comentou, e quando eu ergui as sobrancelhas dessa vez, ele completou; —Lusion.

—Claro, deveria ter imaginado. —Soltei, negando com a cabeça.

Queria ter um Lusion para responder minhas perguntas e dúvidas também. Mas ao mesmo tempo quero ficar longe deles. Não são criaturas legais. Tanto que nem mesmo Axel, sendo um portador das sombras, consegue controlar essas coisas.

Cedric estava folheando o diário, observando com curiosidade as coisas escritas nele, os desenhos e os símbolos estranhos que algumas páginas continham. Todo diário continua a vida daquele cara e a pergunta que mais martelava na mente de todas as pessoas que conhecem o nome dele é como ele morreu.

Olhei para Cedric de novo quando ele soltou uma respiração pesada. Seus olhos estavam arregalados e o rosto pálido, como se ele estivesse vendo um fantasma. Mas seus olhos estavam no diário, em um desenho do rosto de uma mulher que estava escondido entre as páginas.

—Cedric? —Chamei, vendo ele segurar o desenho e derrubar o diário no chão, ficando ainda mais branco. —Cedric, o que foi? O que está havendo?

—Foi essa... mulher... —Ele apertou o desenho, gaguejando, quase amaçando a folha quando o virou pra mim, com o rosto vermelho e a respiração pesada. —Foi essa mulher que... que eu vi no trem... Essa mulher é a minha... minha mãe.



Continua...

Um Mundo de Sombras / Vol. 2Onde histórias criam vida. Descubra agora