Capítulo 56: Quatro poderes.

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Kayla

Me sentei em uma das mesas na imensa barraca que servia como refeitório. Axel colocou uma bandeja de comida na minha frente, piscando pra mim quando o olhei com as sobrancelhas erguidas. Kenji veio logo em seguida, se sentando na nossa frente enquanto enfiava um pedaço de maçã na boca.

—Onde está o Cedric? —Indaguei, já que nos últimos dias os dois não se desgrudavam nunca.

—Foi chamar o Trevis. —Ele deu de ombros, voltando a comer. —Não deve demorar.

—Essa coisa é séria mesmo? —Axel indagou, olhando pra ele com os lábios comprimidos. Kenji parou de comer, erguendo os olhos para Axel.

—É sim. Assim como você e a Kay. —Afirmou, soltando um suspiro. —Sei o que está acontecendo aqui, Axel. Estou sentado em uma barraca com várias pessoas que odeiam minha mãe e querem matá-la. Cedric é uma dessas pessoas. Tive muito tempo pra pensar sobre isso e cheguei a conclusão que não posso fazer nada. Minha mãe está pagando pelos próprios erros. Eu e você demos uma chance pra ela quando quebramos a barreira mágica. Se ela quis que tudo virasse cinzas e sombras, a culpa não é nossa.

—Tudo bem. —Axel engoliu muito lentamente, passando a mão pelos cabelos escuros, antes de se voltar pra mim, com aquelas estrelas brilhando nos olhos. —Acho que nós três sabemos onde isso vai terminar.

—Vamos morrer. —Falei, abrindo um sorriso. —Ou ela vai.

—Kayla. —Kenji sibilou, mas não parecia realmente chateado comigo.

Olhei para a xícara de café na minha bandeja quando ela tremeu, assim como todas as coisas ao redor. As pessoas começaram a falar alto a nossa volta, tentando entender o que acontecia, até eu sentia o poder da safira varrendo todo meu corpo como se eu a estivesse usando. A magia zuniu nos meus ossos e as pessoas começaram a gritar em algum ponto do acampamento.

Fiquei de pé ao mesmo tempo que Kenji e Axel, sentindo o chão tremer embaixo de mim, enquanto a magia da terra explodia em algum lugar dali. Disparei em direção ao poder, desviando das pessoas que corriam, tentando desviar das raizes e árvores que nasciam sem controle pelo meio das barracas e cabanas, destruindo tudo pelo caminho.

Axel me agarrou e me puxou para trás quando uma árvore rompeu o chão, quase me acertando. Caímos para trás, atingindo Kenji e o derrubando no chão também.

—Que merda é essa? —Kenji exclamou, enquanto ficávamos de pé e desbriávamos das raizes que surgiam e atingiam as barracas pelo caminho.

Escorreguei na neve, sentindo meu coração martelando no peito quando vi Cedric envolvido por várias e várias raizes, que estava o espremendo até lhe tirar o ar e quebrar seus ossos. Mais à frente, envolvido em galhos e raizes, como um casulo que emanava magia, Trevis estava de joelhos com o rosto escondido entre eles e as mãos segurando a cabeça.

—CEDRIC! —Kenji disparou naquela direção, enquanto Cedric parava de se debater e apagava no meio daquelas raizes que o envolviam. Trevis iria matá-lo em alguns segundos. Iria matá-lo porque estava agindo da mesma forma que Axel. Não era ele. Era a magia das trevas.

Estendi as mãos para o lado, deixando o poder da terra fluir por dentro de mim, tomando o controle de volta. Senti Trevis lutar comigo para se manter no controle, para continuar no comando do poder. Então conjurei a safira da terra para as minhas mãos e quando senti o peso da pedra, enviei ela para o Rainha Vermelha, no litoral do continente, bem longe de Trevis.

Tudo parou ao nosso redor. A magia cessou e o tempo pareceu parar. As árvores que haviam surgido pararam de se movimentar, enquanto as raizes desabavam no chão. Os gritos pararam, ao mesmo tempo que o corpo de Cedric desabava no chão quando as raizes o soltaram. Kenji já estava sobre ele na mesma hora, enquanto eu via aquele casulo que envolvia Trevis se desfazer.

Corri até ele, sentindo meu sangue correr com mais força pelo meu corpo quando o encontrei caído no meio da neve, imóvel como se nem estivesse respirando. Minha garganta se fechou quando as pessoas ao redor começaram a gritar por ajuda, enquanto Kenji começava a gritar para que Cedric acordasse e falasse com ele.

—Trevis? —Sussurrei, segurando o rosto dele e o puxando para o meu colo. —Trevis, acorde. Por favor, acorde. Isso foi só um pesadelo.

—Kay? —Axel parou ao meu lado, olhando pra ele e então para o acampamento parcialmente destruído. Pude ouvir a voz de Lyra e da princesa em algum lugar, se aproximando de onde estávamos. —Pegue os quatro poderes e os mande para longe. Se isso aconteceu só com um deles, imagine se a magia decidir atacar mais de um de nós.

Fiz o que ele falou, espalhando as safiras por cada canto daquele mundo, enquanto protegia o corpo de Trevis de toda confusão ao redor. Sua respiração estava lenta e fraca, parecendo um simples suspiro. Puxei o corpo dele para mais perto, sentindo meu coração se apertar com a lembrança dos meus irmãos. Eu já havia passado por aquilo. Duas vezes. Duas vezes eu protegi o corpo imóvel e sem vida de dois garotos que foram embora e partiram meu coração no processo.

—Trevis? —Chamei, tocando o rosto dele com cuidado. —Trevis, acorda! Isso foi só um pesadelo. —Murmurei, repetindo minhas palavras. —Foi só um pesadelo. Já passou. Por favor, acorde.

—Cedric? —Olhei pra trás, vendo Lyra e a princesa correndo até onde Kenji ainda tentava acordar Cedric. Então elas olharam pra onde eu estava, correndo na minha direção quando viram Trevis também caído.

—O que aconteceu aqui? —Lyra exclamou, ficando de joelhos ao meu lado e tocando Trevis.

—Foi a vez do Trevis sentir a magia das trevas. —Axel esclareceu, comprimindo os lábios ao olhar pra mim. Ao ver o que eu estava sentindo ao segura-lo ali comigo.

Não deixei Lyra tirá-lo de mim. Não deixei a princesa toca-lo. Não soltei Trevis até ele se mover de leve, abrindo os olhos com dificuldade e me encarando como se estivesse quebrado por dentro. Meu coração voltou a bater quando percebi que ele estava bem.

—Kayla? —Ele olhou ao redor, percebendo o que havia acabado de acontecer ali. Então se encolheu, como se a culpa começasse a consumi-lo de dentro pra fora. —Eu achei... eu achei que tinha voltado para aquele lugar. Eu pensei...

—Está tudo bem. —Afirmei, vendo ele se virar e se agarrar a mim, afundando o rosto no meu ombro. Meu corpo ficou tenso com o contato repentino, mas eu logo me acostumei, passando os braços ao redor dele e o abraçando enquanto ele chorava.

Atrás de mim, Kenji ainda estava tentando acordar Cedric, o que fez meu coração se contrair e eu esconder meu rosto nos cabelos de Trevis.

—Ele vai ficar bem? —Trevis indagou, com a voz abafada e trêmula, se agarrando ainda mais em mim. —Eu não queria machuca-lo, Kayla. Eu juro que eu não queria.

—Eu sei. —Afirmei, o abraçando apertando enquanto olhava para a destruição ao redor. —Eu sei.



Continua...

Um Mundo de Sombras / Vol. 2Dove le storie prendono vita. Scoprilo ora