CAPÍTULO 27

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Jack

18 anos atrás

Entrei em casa fazendo o máximo de silêncio possível, não queria estar ali. Ainda mais naquele horário, mas não tive muita escolha, mama estava doente, o meu irmãozinho que ainda não nasceu estava fazendo aquilo com ela.

Ela me garantiu que era um menino, me disse que foi a mesma coisa comigo quando estava em sua barriga, mas segundo o médico, ainda era muito cedo para saber, estava acompanhando-a em todas as consultas, meu pai não ligava para isso. Ele deixou de se importar com qualquer coisa desde que apostou e perdeu a empresa que tinha, mama me contou todos os detalhes, ela sempre me contava tudo, era seu único amigo naquela casa.

Era seu pequeno homem - como gosta de me chamar, ainda tenho onze anos, mas me sinto que tenho que ser mais responsável do que os meus amigos, eles não têm que se preocupar com um pai bêbado e uma mãe grávida doente.

Geralmente, ele, o meu pai, assistia televisão nesse horário, tomei cuidado para não fazer barulho, tirei o uniforme da escola, o dobrando e colocando dentro do meu armário, desci e comecei a fazer as tarefas da casa, queria ajudar mama o máximo possível, ela teria que estar descansada para a próxima consulta antes da nossa viagem para Cuba, era minha primeira vez saindo do país, e primeira vez conhecendo os meus avos, pais da minha mama.

Lavei a louça, não tínhamos mais a máquina para lavar, meu pai vendeu para comprar bebidas que tanto gosta, ele prometeu que compraria outra, mas já faziam mais de seis meses, acho que se esqueceu de sua promessa, como sempre.

Depois de terminar com a louça, comecei a catar todas as latas de cerveja espalhadas pela casa, menos as da sala, tirei o lixo também, era quarta, o caminhão de coleta costuma passar na quinta de manhã bem cedo.

Lembrei de outra coisa quando estava do lado de fora da casa, tinha que verificar a caixa de correio também e separar a correspondência.

Aquilo era trabalhoso, não estou falando de separar meras cartas, mas de tudo. Sinto falta da minha família, do meu pai me levando aos jogos de basebol, acompanhando a minha evolução no basquete, dos jantares em família, nos três. Não compreendia como tudo sumiu do dia para noite, adultos são tão complicados e estranhos.

Havia muita correspondência, tive que levá-las para o meu quarto, para separar tudo na tranquilidade.

Tranquei a porta, não queria que acontecesse o mesmo da noite de ontem, quando ele entrou no meu quarto e quebrou a minha coleção de carrinhos, estava juntando todos desde que ganhei o primeiro da mama, quando tinha seis anos. Segundo ele, eu já era um homem crescido e não precisava de brinquedos horríveis e infantis como aqueles, aquilo era coisa de menina, talvez o filho dele fosse uma menina e gostasse daquelas coisas.

Chorei a noite inteira depois disso, gostava daqueles carrinhos de brinquedo, eram especiais, mas não queria mais chatear o meu pai, então joguei o resto deles fora.

Não fui a escola hoje por causa disso, estava tão chateado, que tive medo de chorar de novo na frente de todo mundo e ser zoado por isso, só vesti meu uniforme, logo depois sai de casa no mesmo horário de todos os dias, só que dessa vez fui para outro lugar, havia uma pequena cabana perto da costa leste, ficava de frente para praia, ninguém ia mais lá. Eu a encontrei quando andava de bicicleta nos fins de semana, desde então, lá é o meu covil secreto.

Permaneci lá até o horário de voltar para casa, como sempre fazia, desde que o meu pai começou beber, gastei mais o meu tempo naquela cabana.

Com a porta trancada, sentei de frente aquela mesa que meu pai fez para mim. Confiava que ainda teria o meu pai de volta, só tinha que se paciente. Mama sempre dizia que a paciência gerava coisas boas.

Separei as cartas em três montes, o primeiro das contas, correspondência para a mama, e correspondências para o meu pai.

Estava ficando muito bom na leitura, minha professora me elogiou para a minha mama por causa disso, por isso não foi difícil em separar a quantidade de cartas de cada um.

Mas dessa vez, uma coisa me surpreendeu. Havia uma carta para mim. Peguei o envelope rosa enfeitado com flores e corações, do outro lado do envelope vendo quem mandou.

— Elizabeth Braga — Li em voz alta

Duas semanas atrás, a escola me colou em uma sala por duas horas com uma moça, essa moça era alguma coisa que começava com p,s e i, psi... Alguma coisa, ela me prometeu que não contaria a ninguém sobre a nossa conversa, confiei nela, por isso contei tudo sobre a minha família, foi até bom conversar com outra pessoa sobre aquilo, foi muito bom, tanto que voltei no dia seguinte para conversar com ela novamente, Cassie, como se chamava, me escreveu em algum tipo de grupo de apoio, seja lá o que era isso, o que me levou a escrever uma carta para uma menina que mora do outro lado do país.

Para tentar manter o ser misterioso, abreviei o meu nome, só as iniciais invertidas 'CJ', como meu nome era Jacob Clark, foi fácil, era uma ideia brilhante.

Olhando o papel azul de tirei do envelope, a garota resolveu mandar uma resposta, tudo bem que ela escreveu primeiro, mas não tinha esperanças que fosse responder.

Olá, CJ. Fico feliz que respondeu a minha carta, fiquei feliz em conversar com alguém da mesma idade que eu, que tem problemas com os pais. A doutora Verônica me contou sobre os seus pais, sinto muito, deve estar sendo difícil, você agora tem uma amiga para conversar sobre isso.

Reli muitas vezes aquelas palavras, por que uma desconhecida estava sendo tão gentil e se importando comigo? Um garoto de ela mal conhecia.

Encarava o teto antigo me lembrando daquele dia, o dia que Liz mudou a minha vida pela primeira vez, quando se importou comigo quando mais ninguém se interessava.

Olhei para o seu rosto sereno enquanto dormia com a cabeça sobre o meu peito, nem parecia que tinha acabado de gozar mais uma vez e caiu no sono em seguida.

Puxei seu corpo nu mais contra o meu. Era uma idiotice pensar assim, para a maioria das pessoas, eu poderia ser um completo idiota por ainda estar apaixonado por ela.

Só que tinha um motivo para isso, Liz me salvou de mim mesmo muitas vezes, ela foi a luz da escuridão da vida daquele menino, não podia desistir dela tão facilmente, não iria fazer isso, desde o momento que me escreveu a primeira carta, ela era minha. Foi como se o destino tivesse me mostrado aquilo, e não era coincidência a conhecer anos depois da causa que me fez desistir das cartas, não foi coincidência me apaixonar por ela sem saber que ela era a mesma menina que amei desde os onze anos

Desisti dela uma vez, não cometeria o mesmo erro de novo.

Continua...

Capítulo pequeno, eu sei, só foi para mostrar um ponto chave da história.

 O dia de hoje foi tão corrido, volta já com o próximo capítulo e com a surpresa.

Votem e comentem.

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